• Nenhum resultado encontrado

Arranjos e diálogos institucionais para enfrentamento da judicialização da saúde = uma análise dos modelos de assessoramento técnico (NAT's) = Institucional arrangements and dialogues to facing health judicialization: an analysis of the technical advisory

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Arranjos e diálogos institucionais para enfrentamento da judicialização da saúde = uma análise dos modelos de assessoramento técnico (NAT's) = Institucional arrangements and dialogues to facing health judicialization: an analysis of the technical advisory"

Copied!
114
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Faculdade de Ciências Aplicadas

VANESSA GENICIA DUARTE

ARRANJOS E DIÁLOGOS INSTITUCIONAIS PARA ENFRENTAMENTO DA JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE: uma análise dos modelos de assessoramento técnico

(NAT’s)

INSTITUTIONAL ARRANGEMENTS AND DIALOGUES TO FACING HEALTH JUDICIALIZATION: an analysis of the technical advisory (NAT’s) models

Limeira-SP 2017

(2)

VANESSA GENICIA DUARTE

ARRANJOS E DIÁLOGOS INSTITUCIONAIS PARA ENFRENTAMENTO DA JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE: uma análise dos modelos de assessoramento técnico

(NAT’s)

INSTITUTIONAL ARRANGEMENTS AND DIALOGUES TO FACING HEALTH JUDICIALIZATION: an analysis of the technical advisory (NAT’s) models

Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) campus Limeira da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para obtenção do título de Mestra em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas.

Dissertation presented to the Faculty of Applied Sciences of the University of Campinas in partial fulfillment of the requirements for the degree of Master in Applied Humanities and Social Sciences.

Orientador: Prof. Dr. Oswaldo Gonçalves Junior Coorientador: Prof. Dr. Mauro Cardoso Simões ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA VANESSA GENICIA DUARTE E ORIENTADA PELO PROFESSOR OSWALDO GONÇALVES JUNIOR

Limeira-SP 2017

(3)

Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): Não se aplica.

Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas Biblioteca da Faculdade de Ciências Aplicadas

Renata Eleuterio da Silva - CRB 8/9281

Duarte, Vanessa Genicia,

D85a DuaArranjos e diálogos institucionais para enfrentamento da judicialização da saúde : uma análise dos modelos de assessoramento técnico (NAT's) / Vanessa Genicia Duarte. – Limeira, SP : [s.n.], 2017.

DuaOrientador: Oswaldo Gonçalves Junior. DuaCoorientador: Mauro Cardoso Simões.

DuaDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Ciências Aplicadas.

Dua1. Abordagem interdisciplinar do conhecimento. 2. Pesquisa jurídica. 3. Política de saúde. 4. Poder judiciário. 5. Direito à saúde. I. Gonçalves Júnior, Oswaldo, 1968-. II. Simões, Mauro Cardoso, 1973-. III. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Ciências Aplicadas. IV. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Institucional arrangements and dialogues to facing health judicialization : an analysis of the technical advisory (NAT's) models

Palavras-chave em inglês:

Interdisciplinary approach to knowledge Legal research

Health policy Judicial power Right to health

Área de concentração: Modernidade e Políticas Públicas Titulação: Mestra em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas Banca examinadora:

Oswaldo Gonçalves Junior [Orientador] Rafael de Brito Dias

Soraya Regina Gasparetto Lunardi Data de defesa: 07-03-2017

Programa de Pós-Graduação: Mestrado Interdisciplinar em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas

(4)

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE CIÊNCIAS APLICADAS

COMISSÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO INTERDISCIPLINAR EM CIENCIAS HUMANAS E SOCIAIS APLICADAS

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

ARRANJOS E DIÁLOGOS INSTITUCIONAIS PARA ENFRENTAMENTO DA JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE: uma análise dos modelos de assessoramento técnico

(NAT’s).

Autora: Vanessa Genicia Duarte Orientador: Oswaldo Gonçalves Junior

A Banca Examinadora composta pelos membros abaixo aprovou esta dissertação:

Prof. Dr. Oswaldo Gonçalves Junior (Orientador).

Universidade Estadual de Campinas Assinatura

Prof. Dr. Rafael de Brito Dias

Universidade Estadual de Campinas Assinatura

Prof. Dra. Soraya Regina Gasparetto Lunardi

Universidade Estadual Paulista ―Júlio de Mesquita Filho‖. Assinatura

A Ata da defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no processo de vida acadêmica da aluna.

(5)

AGRADECIMENTOS

Com o hábito de discordar de títulos, passo a não só agradecer, como endereçar algumas sinceras desculpas pelo processo pessoal de formação desse trabalho.

Começo pelo meu filho Luiz Otávio, aquele que é responsável (de uma só vez e com muito barulho) pela motivação, alegria e variadas preocupações no curso desses anos de estudo. Sinto muito pelos vários ―não posso‖ aos seus pedidos pra brincar ou ir ao parque, e agradeço por toda insistência que me fez aceitar tantos outros. Um dia, o qual desejo não chegar logo, você entenderá o que é essa ―escola das pessoas grandes‖.

Ao meu amor, Nágila Teixeira. Nada disso existiria assim se não existíssemos exatamente como somos, e você sabe. Obrigada por estar ali, independente de onde eu estivesse, cuidando de tudo e de mim com seu detalhismo risonho, e me desculpe por todas as vezes que não pude ser sua companhia ou que não fui uma das melhores. Sempre farei macarrão pra compensar!

Aos meus pais, Chica e Magno, e meus irmãos Kátia e Orestes por construírem juntos, com muito amor e algumas doses de críticas cômicas, essa pessoa estranha que gosta de discutir ideias e que pra isso se distancia por mais quilômetros a cada ciclo. Desculpem-me pelas ausências tantas.

Aos amigos que a distância e minha inabilidade para comunicação via mensagens não foi capaz de tirar a presença e apoio eu agradeço muito pela resistência e incentivo. Vocês foram fundamentais em diferentes momentos. Kássio, Helen, Carliszandra, Ariadna, Jussara, Franklin, Liara e Graça, olhem só, deu certo!

Aos professores e colegas deste programa de mestrado por quebrarem minhas convicções em pedaços tão pequenos que ao tentar juntá-los me vi outra. Em especial, ao meu querido orientador Oswaldo Gonçalves Junior e meu Co-Orientador Mauro Cardoso Simões, por não apenas direcionarem este trabalho, mas, principalmente, por me mostrarem um relacionamento professor-aluno que ultrapassa a mera troca de conhecimento, servindo-me de inspiração.

Eugênio, Flávia, Jaime, Ludmila, Jana e Karina, além das nossas muitas conversas, piadas e revoltas interdisciplinares agradeço pelo laço quali-quanti que construímos! Muitas celebrações ainda virão!

Agradeço ao meu eterno professor da PUC Minas – Serro, José Emílio Medauar Ommati, por não encerrar suas contribuições com meus escritos na Graduação e me fornecer caras sugestões também para este trabalho.

(6)

Aos professores Rafael de Brito Dias e Soraya Lunardi por aceitarem o convite para compor a banca examinadora deste trabalho e por suas sugestões preciosas, que mesmo quando não incorporadas integralmente no texto, me ajudaram a refletir sobre seus propósitos. À Universidade Estadual de Campinas por meio da Faculdade de Ciências Aplicadas e da FAEPEX, pelos auxílios e assistências nesse período.

Por fim, com toda a importância de um começo, agradeço à esta vida acontecendo em gerúndios, com todas as suas complexidades e boas energias que tornaram esse processo de produção ansioso na mesma medida em que agradável.

(7)

( ...) pedaços que saíram de mim

com o mistério de serem poucos

e valerem só quando os perdia...

(8)

RESUMO

O presente estudo tem como objetivo analisar novos arranjos para enfrentamento do fenômeno da judicialização da saúde pública no Brasil a partir das medidas que propõem cooperação e diálogo institucional. Para tanto, possui como objetivo específico a análise dos argumentos e propostas levantadas na Audiência Pública de Saúde de 2009 convocada pelo Supremo Tribunal Federal, bem como das medidas incorporadas pelo judiciário através da Resolução nº 107/2010 e das Recomendações nº 31/2010 e 36/2011 expedidas pelo Conselho Nacional de Justiça, recortando-se destas, aquelas que, para sua execução, envolvem a necessidade de diálogo do judiciário com outros setores e/ou instituições. A metodologia utilizada pretende romper com os limites disciplinares do campo jurídico, por meio de investigações empíricas para dar suporte ao problema da pesquisa. Assim, após a análise das medidas recomendadas pelo Conselho Nacional de Justiça, a pesquisa buscou identificar em cada Tribunal de Justiça Estadual o andamento da implantação da medida de cooperação, selecionando três casos analisados na segunda etapa da pesquisa. Com isso, procurou-se descrever a forma de articulação entre as diferentes instituições e como se organizam as cooperações institucionais, analisando como estes novos arranjos impactam na judicialização da saúde pública.

Palavras-chave: Pesquisa Interdisciplinar; Novos Arranjos Institucionais; Diálogos

(9)

ABSTRACT

The present study aims to analyze new arrangements for coping with the phenomenon of public health judicialization in Brazil, based on measures that propose cooperation and institutional dialogue. To that end, it has as its specific objective the analysis of the arguments and proposals raised at the 2009 Public Health Hearing convened by the Federal Supreme Court, as well as of the measures incorporated by the judiciary through Resolution 107/2010 and Recommendations 31/2010 and 36 / 2011 issued by the National Council of Justice, cutting off from these, those that, for its execution, involve the need for judicial dialogue with other sectors and / or institutions. The methodology used aims to break with the disciplinary limits of the legal field, through the integration between quantitative and qualitative methods as well as the search of empirical bases to support the research problem. Thus, after analyzing the measures recommended by the National Council of Justice, the research sought to identify in each State Court the progress of the implementation of the cooperation measure, selecting three cases analyzed in the second stage of the research. The aim of this study was to describe the way in which the different institutions are articulated and how institutional cooperation is organized, analyzing how these new arrangements impact on the judicialization of public health.

Keywords: Interdisciplinary Research; New Institutional Arrangements; Institutional Dialogues; Judicialization of Health

(10)

LISTA DE QUADROS

Quadro 1. Medidas Normativas para enfrentamento de demandas judiciais de saúde

anunciadas pelo CNJ a partir de 2009 ... 58

(11)

LISTA DE TABELAS

Tabela 1. Posicionamento em relação à judicialização na Audiência Pública de Saúde, em

valores absolutos. ... 56

Tabela 2. Andamento do cumprimento da medida de assessoramento técnico aos magistrados

... 64

Tabela 3. Ano de criação da iniciativa de cooperação em assessoramento judicial proposta

pela Recomendação nº 31 do CNJ nos Tribunais Estaduais... 66

Tabela 4. Natureza dos órgãos e/ou profissionais responsáveis pela assessoria técnica aos

(12)

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária ATS - Avaliação de Tecnologias em Saúde

CNJ – Conselho Nacional de Justiça CPC – Código de Processo Civil

CRLS - Câmara de Resolução de Litígios de Saúde

DECIT - Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde DMJ - Departamento Médico Judiciário

FAEPEX - Fundo de Apoio ao Ensino, à Pesquisa e Extensão HC – Hospital das Clínicas

IBEDESS - Instituto Brasileiro para Estudo e Desenvolvimento do Setor de Saúde NAT’s – Núcleos de Apoio Técnico

REBRATS - Rede Brasileira de Avaliação de Tecnologias em Saúde SES – Secretaria de Estado de Saúde

STF – Supremo Tribunal Federal SUS – Sistema Único de Saúde TJAC - Tribunal de Justiça do Acre TJAL - Tribunal de Justiça de Alagoas TJAM - Tribunal de Justiça do Amazonas TJAP - Tribunal de Justiça do Amapá TJBA - Tribunal de Justiça da Bahia TJCE - Tribunal de Justiça do Ceará

TJDF - Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios TJES - Tribunal de Justiça do Espírito Santo

TJGO - Tribunal de Justiça de Goiás

TJMA - Tribunal de Justiça do Mato Grosso TJMA - Tribunal de Justiça do Maranhão TJMG - Tribunal de Justiça de Minas Gerais TJMS - Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul TJPA - Tribunal de Justiça do Pará

(13)

TJPE - Tribunal de Justiça de Pernambuco TJPI - Tribunal de Justiça do Piauí

TJPR - Tribunal de Justiça do Paraná

TJRJ - Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro TJRN - Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte TJRO - Tribunal de Justiça de Rondônia

TJRR - Tribunal de Justiça de Roraima

TJRS - Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina TJSE - Tribunal de Justiça de Sergipe TJSP - Tribunal de Justiça de São Paulo TJTO - Tribunal de Justiça de Tocantins UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais UTI – Unidade de Tratamento Intensivo

(14)

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... 15

2. O CAMINHO METODOLÓGICO E O ROMPIMENTO DE LIMITES DISCIPLINARES NA PESQUISA ... 21

3. O DIREITO A SAÚDE E AS PERSPECTIVAS TEÓRICAS DE ANÁLISE ... 32

3.1 O Direito fundamental social à saúde ... 32

3.2 Diálogos e arranjos institucionais para enfrentamento do problema ... 36

4. A INICIATIVA DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA PARA O FENÔMENO DA JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE ... 50

4.1 A Audiência Pública de Saúde realizada pelo Supremo Tribunal Federal em 2009 .. 50

4.2 Das medidas anunciadas pelo Conselho Nacional de Justiça ... 57

4.3. Os perfis de assessoramento adotados nos tribunais estaduais ... 62

5. O ESTUDO DOS CASOS ... 70

5.1 Tribunal de Justiça de Minas Gerais ... 70

5.2 Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro ... 75

5.3 Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul ... 80

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 85

REFERÊNCIAS ... 90

(15)

15

1. INTRODUÇÃO

Para introduzir este trabalho é necessário apresentar a problemática contextual e conceitual da ―Judicialização‖ no qual o mesmo se insere e da qual o texto se utiliza no seu curso.

Pretende-se ainda com a exposição resumida de algumas divergências teóricas levar ao leitor a compreensão de que não constituiu um objetivo deste trabalho a investigação densa das teorias constitucionais e políticas sobre as funções e limites do Poder Judiciário no Brasil, todavia, não se desconsidera a riqueza e importância deste debate na literatura especializada.

Esse contexto do qual se fala pode ser analisado como a expansão do Poder Judiciário verificada a partir da segunda metade do século XX (CAMPILONGO, 1994; HIRSCHL, 2009; TATE & VALLINDER, 1995; WERNECK VIANNA, 1999) que teve como decorrência o debate acerca de critérios, limites e descrições da atuação judicial.

Desse debate surgiram vários conceitos (nem sempre delimitados e diferenciados) que buscam expressar essa ampliação do Judiciário, tais como ―ativismo judicial‖, ―judicialização‖, ―protagonismo‖ (NUNES e TEIXEIRA 2013), ―superego da sociedade‖ (MAUS, 2010), ―juristocracia‖(HIRSCHL, 2009), dentre outros.

Cada uma dessas expressões carrega inúmeras atribuições de sentido nas mais variadas aplicações, traduzindo um dissenso que - embora caro a prática científica - impõe a delimitação do conceito que será utilizado no texto para evitar possíveis ―definições emocionais - políticas‖ 1 (DIMOULIS; LUNARDI, 2011) que induzam à visão de que a ―judicialização‖ é utilizada como uma crítica à atuação judicial nos casos que envolvem serviços de saúde.

Na adoção do termo judicialização verifica-se, com amparo na síntese de Carvalho (2004), que a mesma pode ser expressa nas construções teóricas de duas maneiras: A primeira é a normativa, que aborda a supremacia da Constituição sobre as decisões majoritárias e que avalia dentre outras coisas o debate entre constitucionalismo e democracia, estando aqui as posições favoráveis ou contrárias a judicialização.

Já a segunda concepção é chamada de analítica, e se preocupa com ―o ambiente político e institucional, com as "polias e engrenagens" do processo político em questão.

1 Dimoulis e Lunardi (2011, p.461-462) utilizam a expressão apropriada por esta autora quando estudando o

ativismo no controle de constitucionalidade ressaltam a necessidade de clareza da definição de ativismo indicando que ―o termo ―ativismo judicial‖, apesar de amplamente utilizado em debates jurídicos e políticos, esconde sérios problemas teóricos‖.

(16)

16

Portanto, está preocupada em como definir, medir e avaliar o processo de judicialização da política‖ (CARVALHO, 2004).

Tate e Vallinder (1995) investigam em obra clássica a expansão do poder judicial atribuindo-o ao sucesso do capitalismo, à adoção do modelo americano de revisão judicial bem como ao surgimento dos tribunais constitucionais a partir da 2ª Guerra Mundial.

Assim, após análise desta expansão judicial em diferentes países os mesmos colocam como condições políticas comuns para identificação dos motivos da judicialização: 1) A existência de uma proposta política democrática, haja vista a dificuldade de expansão do poder judiciário em momentos de governo autoritário; 2) A adoção da teoria de separação dos poderes; 3) A garantia de direitos políticos reconhecidos, ainda que inexista uma carta formal desses direitos; 4) A existência de grupos de interesses que utilizariam os Tribunais; 5) a ineficiência das instituições majoritárias na solução das demandas sociais.

Para Carvalho (2004), apesar da compreensão do fenômeno de judicialização merecer uma análise específica da realidade brasileira, poder-se-ia dizer que estas condições políticas em torno da expansão do poder judicial ―estão presentes no caso brasileiro, embora, algumas condições, apesar de formalmente estabelecidas, não se tenham mostrado realidades factíveis‖.

Na definição do conceito de Judicialização, Tate e Vellinder (1995) consideram que existem dois tipos de judicialização: a ―from without‖ que é a revisão judicial da decisão de um poder político mediante provocação do interessado com base na Constituição, e a ―from whithin‖ caracterizada pela utilização do aparato judicial na administração pública.

For clarity and consistency, I follow Vallinder's conceptual survey of the judicialization of politics (chap. 2 of this volume), which suggest two core meanings for the term: 1. the process by which courts and judges come to make or increasingly to dominate the making of public policies that had previously been made (or, it is widely believed, ought to be made) by other governmental agencies, especially legislatures and executives, and 2. the process by which nonjudicial negotiating and decision-making forums come to be dominated by quasi-judical (legalistic) rules and procedures‖ (TATE; VALLINDER, 1995, p. 28)

Koerner e Maciel (2002), refletindo sobre a utilização do termo judicialização nas pesquisas empíricas brasileiras expõem a indeterminação do conceito:

A concepção original de judicialização da política é marcada por uma concepção formal das atribuições e relações dos poderes, assim como uma conotação de progressividade, de processo unidirecional cuja pertinência empírica é discutível. No Brasil, o debate público incorporou a expressão num sentido fortemente normativo e provocou a proliferação dos seus sentidos. A produção acadêmica também apresenta fluidez no uso da expressão, a qual não se torna mais do que um nome que é tomado

(17)

17

como ponto de partida para análises cujas perspectivas são bastante divergentes (KOERNER; MACIEL, 2002, p. 129).

Nesse sentido, a adoção do conceito de judicialização no trabalho considera a existência de uma dimensão tanto procedimental quanto substantiva do exercício das funções judiciais (KOERNER; MACIEL, 2002, p. 114).

Partindo então da constatação dessa polissemia de conceitos e sentidos, adota-se o termo ―judicialização‖ como referência na pesquisa uma vez que o mesmo pretende designar o fenômeno pelo qual o judiciário toma para si funções políticas que tradicionalmente não lhe caberiam 2 , e considerando ainda que a pesquisa não tem como fim avaliar a legitimidade/legalidade desse fenômeno, tarefa da qual se ocupa a disciplina de Direito Constitucional e por vezes a teoria política.

Não se investiga aqui como ou quando deve decidir o judiciário, ou qual seria a melhor decisão para os casos que demandem serviços de saúde pública, mas as novas articulações que vem se formando para subsidiar aquela decisão, arranjos que não envolvem – ou não deveriam envolver - apenas o judiciário.

Também não é objetivo da pesquisa abarcar a integralidade do fenômeno de judicialização, tendo em vista, como já anunciado, tratar-se de um universo extenso de questões políticas que são levadas ao judiciário, o que se tornaria inviável frente ao tempo e recursos disponíveis para pesquisa.

Pela importância que atingiu no debate nacional, chegando a ser considerada uma questão de atenção dentro da própria administração da justiça e que gerou inclusive a realização de uma audiência pública pelo Supremo Tribunal Federal, a pesquisa se insere dentro do debate da judicialização da saúde pública, isto é, a tomada de decisão pelo judiciário, em casos individuais, de uma demanda que envolve planejamento e alocação de recursos públicos sob o argumento de efetivação de um direito fundamental social, o direito a saúde.

A judicialização da saúde é ainda objeto de discussões várias quanto a sua legalidade/legitimidade, mesmo que o Supremo Tribunal Federal já tenha definido que os

2Luiz Roberto Barroso (2012, p.24), utilizando-se das contribuições de Ran Rischel conceitua a judicialização

como o fenômeno em que ―questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo – em cujo âmbito se encontram o Presidente da República, seus ministérios e a administração pública em geral. Como intuitivo, a judicialização envolve uma transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações significativas na linguagem, na argumentação e no modo de participação da sociedade. O fenômeno tem causas múltiplas. Algumas delas expressam uma tendência mundial; outras estão diretamente relacionadas ao modelo institucional brasileiro.‖

(18)

18

argumentos orçamentários apresentados pelo poder executivo não são oponíveis quando se está discutindo a efetivação ou não de um direito fundamental e assumido a posição de que o Poder Judiciário deve intervir em esfera reservada a outro Poder ―quando haja uma violação evidente e arbitrária, pelo legislador, da incumbência constitucional‖ (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2004).

Atualmente, dois procedimentos tem provocado a rediscussão da judicialização da saúde pública no Supremo Tribunal Federal, são eles os Recursos Extraordinários 566471 e 657718 que discutem à fundo o fornecimento de medicamentos de alto custo (alta complexidade) e o fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA. Três votos já foram proferidos naqueles procedimentos indicando que o STF decidirá estabelecendo requisitos ou parâmetros para as decisões em casos individuais3.

Ocorre que apesar de todo o rico debate teórico a respeito da legalidade/legitimidade da judicialização da saúde, percebe-se que o número de processos que demandam serviços em saúde continua aumentando. É o que consta, por exemplo, do relatório elaborado pelo órgão de Consultoria Jurídica do Ministério de Saúde atualizado pela última vez em 2013, denominado ―Intervenção Judicial na Saúde Pública: panorama no âmbito da Justiça Federal e apontamentos na seara das Justiças Estaduais‖, que registrou apenas o número de procedimentos em que a União figurava como demandada, entre os períodos de 2009 e 2012 (BRASIL, 2013).

3

Schulze (2017) sintetiza as principais teses apresentadas até o momento:Tese proposta pelo Min. Marco

Aurélio: o reconhecimento do direito individual ao fornecimento, pelo Estado, de medicamento de alto custo, não incluído em política nacional de medicamentos ou em programa de medicamentos de dispensação em caráter excepcional, constante de rol dos aprovados, depende da demonstração da imprescindibilidade (adequação e necessidade), da impossibilidade de substituição, da incapacidade financeira do enfermo e da falta de espontaneidade dos membros da família solidária em custeá-lo, respeitadas as disposições sobre alimentos dos artigos 1.649 a 1.710 do Código Civil e assegurado o direito de regresso. Tese proposta pelo Min. Roberto Barroso: cinco requisitos cumulativos devem ser observados: a) a incapacidade financeira de arcar com o custo correspondente; b) a demonstração de que a não incorporação do medicamento não resultou de decisão expressa dos órgãos competentes; c) a inexistência de substituto terapêutico incorporado pelo SUS; d) a comprovação de eficácia do medicamento pleiteado à luz da medicina baseada em evidências; e e) a propositura da demanda necessariamente em face da União, já que a ela cabe a decisão final sobre a incorporação ou não de medicamentos ao SUS. Tese proposta pelo Min. Edson Fachin: propôs os seguintes parâmetros: a) prévio requerimento administrativo, que pode ser suprido pela oitiva de ofício do agente público por parte do julgador; b) subscrição realizada por médico da rede pública ou justificada impossibilidade; c) indicação do medicamento por meio da Denominação Comum Brasileira ou DCI – Internacional; d) justificativa da inadequação ou da inexistência de medicamento ou tratamento dispensado na rede pública; e e) laudo, formulário ou documento subscrito pelo médico responsável pela prescrição, em que se indique a necessidade do tratamento, seus efeitos, e os estudos da medicina baseada em evidências, além das vantagens para o paciente, comparando-o, se houver, com eventuais fármacos ou tratamentos fornecidos pelo SUS para a mesma moléstia.

(19)

19

O aumento no número de processos que demandam serviços de saúde implica não só no crescimento dos gastos públicos com estas demandas individuais4, o que leva a um arrocho e a uma desestabilização no planejamento e nos orçamentos públicos, mas causou no próprio judiciário que se vê competente para esse tipo de demanda uma preocupação institucional com o número e a qualidade das decisões.

Tendo em vista a peculiaridade do fenômeno da judicialização, impondo que o próprio poder judiciário articulasse medidas de contenção do número de processos a partir da Audiência Pública nº 4, realizada pelo STF em maio e abril de 2009, revelou-se como objeto de pesquisa as medidas e estratégias adotadas pelo Conselho Nacional de Justiça para minimizar os efeitos negativos da judicialização.

Entretanto, como será detalhadamente demonstrado, da Audiência Pública de Saúde de 2009 resultaram várias propostas de medidas a serem tomadas pelo poder Executivo, Legislativo e Judiciário. Como o Poder Judiciário se colocou como órgão de direcionamento nos debates e dado a sua relevância para o surgimento do fenômeno da judicialização tendo em vista o paradigma do Estado Democrático de Direito anunciado no Brasil após a Constituição de 1988, a pesquisa limitou a análise das medidas tomadas pelo Judiciário no que tange a articulação entre este órgão e outras instituições e/ou poderes no enfrentamento das demandas de saúde pública.

Nesse recorte, a pesquisa tem como objeto a análise da estratégia institucional do poder judiciário dirigida pelo Conselho Nacional de Justiça para contenção dos efeitos negativos da judicialização da saúde por meio do diálogo institucional, proposta esta que, em síntese, será analisada pela implantação de Núcleos de Apoio Técnico –NAT’s e pela criação de fóruns e comitês interdisciplinares nos Tribunais de Justiça Estaduais do país buscando a integração de diferentes atores sociais e de diferentes campos para diminuição do número de demandas e para melhoria das decisões judiciais sobre o tema.

Assim, o problema da pesquisa se apresenta após a investigação acerca da implementação daquelas medidas de cooperação recomendadas pelo Conselho Nacional de Justiça. Diz-se isso pois, após esta análise será possível identificar nos casos selecionados como se desenvolve a articulação de diferentes saberes institucionais e o diálogo institucional

4

―Desde 2010, houve um aumento de 500% nos gastos do Ministério da Saúde com ações judiciais para aquisição de medicamentos, equipamentos, insumos, realização de cirurgias e depósitos judiciais. Naquele ano, o valor consumido foi de R$ 139,6 milhões. Apenas em 2014, o gasto chegou a R$ 838,4 milhões. Em todo o período, a soma ultrapassa R$ 2,1 bilhões.‖ Informação veiculada no sítio do Ministério da Saúde na Internet em 15/10/2015. Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/cidadao/principal/agencia-saude/20195-em-cinco-anos-mais-de-r-2-1-bilhoes-foram-gastos-com-acoes-judiciais.

(20)

20

proposto, objetivando sempre a atenção para as especificidades dentro daquele contexto do caso selecionado.

Nesse ponto, ainda mirando uma estruturação interdisciplinar do estudo serve-se de conceitos oriundos tanto da política pública quanto da teoria constitucional. Apresenta-se a construção e surgimento da teoria dos arranjos institucionais na política de saúde brasileira conjuntamente com a abertura do constitucionalismo para práticas que envolvam o diálogo institucional.

Assim, ao mencionar arranjos e diálogos institucionais o texto pretende considerar a existência de um o conjunto de regras, mecanismos e processos de coordenação de diferentes atores e interesses voltados para a implementação de uma política pública específica, utilizados ao mesmo tempo para a efetivação do direito fundamental social à saúde, bem como para a solução de um problema complexo: a judicialização da saúde e seus impactos deletérios.

(21)

21

2. O CAMINHO METODOLÓGICO E O ROMPIMENTO DE LIMITES DISCIPLINARES NA PESQUISA

Com o escopo de apresentar a metodologia proposta para realização desta pesquisa é necessário antes delinear como a estratégia metodológica adotada consistiu em um desafio pessoal e pretendeu romper com características metodológicas próprias do campo jurídico brasileiro.

A partir das reflexões epistemológicas e metodológicas nas disciplinas do Mestrado Interdisciplinar em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas da Faculdade de Ciências Aplicadas da Unicamp, e diante da complexidade de enfrentamento do objeto de pesquisa, se apresentou como melhor opção para tratamento do problema a realização de uma investigação de base empírica.

Ocorre que, apesar da atratividade dos modelos de pesquisa empírica ali discutidos, alguns limites subjetivos da pesquisadora foram percebidos e com eles a compreensão que de alguma forma a investigação empírica cogitada esbarrava em características metodológicas próprias do campo jurídico brasileiro, bem como na imperícia acerca dos métodos utilizados.

Considerando então a noção de ―campo‖ 5

proposta por Bourdieu (2004) as reflexões empreendidas partem da compreensão do Direito como um espaço ―relativamente autônomo‖, ―um microcosmo social‖ que apesar de suas leis próprias pode mediatizar pressões externas para seu aprimoramento.

Mesmo havendo algumas pesquisas empíricas de qualidade no campo jurídico brasileiro, e um esforço crescente para desenvolvimento de técnicas próprias de empirismo, percebeu-se que a investigação empírica e os métodos e estratégias que a compõe não são práticas comuns no campo jurídico e que este campo historicamente desenvolveu-se de forma isolada das demais ciências sociais.

Dessa forma, antes da apresentação dos dados de pesquisa e do aporte teórico de interpretação dos dados julga-se necessário - até mesmo com fito de contribuição para o debate da investigação empírica e do desenvolvimento de pesquisas que fomentem a interdisciplinaridade metodológica - apresentar estas inquietações surgidas durante o processo

5

―(...) chamo o campo literário, artístico, jurídico ou científico, isto é, o universo no qual estão inseridos os agentes e as instituições que produzem, reproduzem ou difundem a arte, a literatura ou a ciência. Esse universo é um mundo social como os outros mas que obedece a leis sociais mais ou menos específicas. A noção de campo está aí para designar esse espaço relativamente autônomo, esse microcosmo do todo de suas leis próprias‖ (BOURDIEU, 2004, p.20).

(22)

22

de pesquisa com uma síntese dos principais argumentos identificados na bibliografia sobre o tema.

Nobre (2004) em estudo sobre a qualidade da pesquisa jurídica no Brasil escreveu um incisivo e provocativo ensaio onde afirmara que o Direito segue um descompasso em relação às ciências humanas em geral no que tange aos métodos de estudo usualmente empregados.

Nomeando este descompasso de ―relativo atraso‖ afirmara que o Direito não teria conseguido acompanhar o crescimento qualitativo das pesquisas científicas, o que se deu, segundo seus apontamentos, por meio de um isolamento deste das outras disciplinas e ainda pela formação acadêmica de seus operadores, que confundem suas praticas profissionais com a pesquisa acadêmica.

Em outras palavras, o problema que vem sendo sistematicamente identificado nas análises sobre a questão é o fato de o ensino jurídico estar fundamentalmente baseado na transmissão dos resultados da prática jurídica de advogados, juízes, promotores e procuradores, e não em uma produção acadêmica desenvolvida segundo critérios de pesquisa científica. O que, por sua vez, já parece mostrar que não se pode separar o problema do isolamento do direito em relação às demais disciplinas de ciências humanas da peculiar confusão entre prática profissional e elaboração teórica, que entendo ser responsável pela concepção estreita de teoria jurídica que vigora na produção nacional (NOBRE, 2004, p. 147).

Na tentativa de descrever a atuação profissional dentro do Direito, Nobre (2004) reconstrói os passos de uma peça jurídica, o parecer, e acaba por demonstrar o raciocínio dedutivo aplicado predominantemente na prática jurídica e que é transferido na maioria das vezes para a pesquisa acadêmica:

O advogado (ou o estagiário ou estudante de direito) faz uma sistematização da doutrina, jurisprudência e legislação existentes e seleciona, segundo a estratégia advocatícia definida, os argumentos que possam ser mais úteis à construção da tese jurídica (ou à elaboração de um contrato complexo) para uma possível solução do caso (ou para tornar efetiva e o mais segura possível a realização de um negócio).(...)

O parecer não procura, no conjunto do material disponível, um padrão de racionalidade e inteligibilidade para, só então, formular uma tese explicativa, o que seria talvez o padrão e o objetivo de uma investigação acadêmica no âmbito do direito. Dessa forma, no caso paradigmático e modelar do parecer, a resposta vem de antemão: está posta previamente à investigação.

Dizer que o parecer desempenha o papel de modelo e que, como tal, é fator decisivo na produção do amálgama de prática, teoria e ensino jurídicos significa dizer que o parecer não é tomado aqui meramente como uma peça jurídica, mas como uma forma-padrão de argumentação que hoje passa quase que por sinônimo de produção acadêmica em direito, estando na base, acredito, da grande maioria dos trabalhos universitários nessa área. (NOBRE, 2004, p.11)

(23)

23

Na mesma linha de Nobre (2004), os autores americanos Lee Epstein e Gary King (2013) em obra dedicada a demonstrar as dificuldades do campo jurídico para realizar uma pesquisa empírica adequada advertem:

Um advogado que trata seu cliente como uma hipótese teria retirada sua licença; um Ph.D. que advoga uma hipótese como um cliente, seria ignorado. Mas quando advogados – como professores de direito – vão de um tribunal para os corredores da faculdade (onde a verdade, e não somente uma determinada versão dela, importa), é altamente problemático para eles defender teorias e hipóteses como se eles fossem clientes necessitando a melhor representação possível, desprezando competidores ou ignorando-os completamente. Isto porque, na pesquisa empírica, desafiar uma teoria com os melhores argumentos opostos possíveis é o que mais fortifica uma teoria (EPSTEIN; KING, 2013, p.15).

A confusão entre prática jurídica e a pesquisa acadêmica como uma das razões para a existência de poucas pesquisas empíricas no Direito é analisada ainda por Oliveira e Adeodato (1996), dentro da lógica da eficiência da administração versus qualificação do pesquisador, onde os mesmos concluem que:

Um dos grandes problemas da área é a falta de qualificação e experiência dos eventuais candidatos a pesquisadores, amadores recrutados na advocacia privada, na magistratura, no ministério público, muitos sem o menor preparo, tornando a pesquisa em direito uma atividade secundária e diletante, ainda menos importante do que o já desprestigiado ensino.

Nas faculdades de direito das universidades públicas, as quais ainda vivem as conseqüências da política educacional dirigida pelo regime militar de 1964, vê-se toda uma geração de professores — teoricamente candidatos naturais à pesquisa — que, com as exceções de praxe, foi selecionada e formada em esquemas de ideologias políticas, relações pessoais, favores e privilégios, com pouca ou nenhuma atenção para com a qualificação profissional. Esses setores certamente não desejam nem estão preparados para uma concorrência aberta em que se avalie a produção de resultados como critério para distribuição dos recursos disponíveis (OLIVEIRA; ADEODATO, 1996).

Ainda quanto a responsabilidade do ensino jurídico brasileiro pelo atraso metodológico vale citar a crítica de Joaquim Falcão (1984):

Além de inexistir uma mentalidade de pesquisa, ou quando existe é uma mentalidade individualista, que dispensa a moderna metodologia científica, inexistem, na maioria das faculdades, bibliotecas atualizadas, salas apropriadas ou recursos específicos, sobretudo, para a pesquisa empiricamente fundamentada. De tudo resulta que o conhecimento jurídico transmitido pelas faculdades é produzido fora delas. Resta saber aonde (FALCÃO, 1984).

Tentando analisar essas hipóteses levantadas acerca do possível atraso na construção da metodologia de pesquisa no Brasil e rebatendo principalmente os motivos

(24)

24

colocados por Nobre (2004), Fragale Filho e Veronese (2004) empreendem uma análise da institucionalização recente da produção ocorrida na pós-graduação em Direito no Brasil levantando uma hipótese de que a área de Direito possui peculiaridades que não podem ser subjugadas.

A tese defendida por Fragale Filho e Veronese (2004) consiste em identificar especificidades na área do Direito que tornam seu desenvolvimento e prática distintos das demais ciências humanas, hipótese que, segundo os autores não teria sido levantada por Nobre (2004) quando da sua crítica ao relativo atraso do campo jurídico frente as demais ciências humanas.

Após analisar um banco de dados acerca do crescimento e consolidação dos cursos de pós graduação em Direito do país, destacando que a pesquisa em Direito é feita também de forma dispersa em outras áreas, Fragale Filho e Veronese (2004) concluem que o real ―atraso‖, não percebido por Nobre (2004) em sua reflexão, consiste na ausência de uma reflexão epistemológica e metodológica mais consistente na área jurídica.

Mas além da tentativa de dar uma especificidade ao campo jurídico capaz de refutar o atraso metodológico levantado por Nobre (2004), Fragale Filho e Veronese (2004) percebem, amparados ainda pelos estudos de Araújo (1999) e Martins e Carvalho (2003) que o aumento dos cursos na área do Direito e o excessivo enfoque na formação de professores ―acarreta o risco de privilegiar-se a pós-graduação como uma etapa somente de titulação para atender a uma necessidade que é nova no sistema educacional de Direito: a demanda por mestres e doutores‖ e assim, restaria prejudicada a reflexão epistemológica e metodológica que se apresenta cara para superação do quadro das pesquisas jurídicas no Brasil.

Se em uma primeira formulação, isso não parece ser um problema, pois a formação de quadros é uma necessidade para a produção científica, em um segundo momento, isso se revelará um impasse se não dotarmos esses quadros de uma capacidade de reflexão metodológica e epistemológica. Em outras palavras, não se trata de rejeitar o mundo judicial e sustentar que a academia é um locus que não comporta a presença de práticos, mas, sim, de evidenciar que os critérios de legitimidade acadêmica devem ser igualmente aplicados tanto à área jurídica quanto aos demais espaços universitários. Não se trata de construir um mundo ideal isolado, contaminado pelos critérios judiciais de legitimidade, mas de sedimentar um diálogo entre a reflexão e a prática a partir dos parâmetros estabelecidos pelo mundo acadêmico. É, enfim, entender que a produção de ―tecnologias jurídicas‖ envolve a compreensão do mundo prático, a partir de um olhar científico (FRAGALE FILHO; VERONESE, 2004, p.68).

Pereira Neto e Mattos (2007) identificam que não é possível pensar em uma reforma do ensino jurídico sem que esta esteja acompanhada por um ciclo de inovação em

(25)

25

pesquisa dizendo ser fundamental associar o diagnóstico da crise do ensino jurídico ao diagnóstico de uma crise da pesquisa em Direito, esta última decorrente da hegemonia quase absoluta de métodos formalistas.

Atualmente, a pesquisa em direito realizada no Brasil tem natureza predominantemente descritiva do ordenamento jurídico e dos conceitos dogmáticos nele estabelecidos. A reconstrução dogmática, baseada em categorizações e taxonomias voltadas para a ―organização‖ lógica do ordenamento jurídico, é considerada etapa necessária da pesquisa jurídica. E tal reconstrução em geral é realizada assumido o sistema jurídico como sendo fechado e estático, sem incorporar elementos explicativos das condições (dinâmicas) de operação do direito ou normativos no sentido de propor alternativas de desenho das instituições relacionadas à operação do direito. (…)

As pesquisas hoje realizadas na academia jurídica brasileira são derivadas de modelos analíticos descritivos (acusados de formalistas) ou especulações interpretativas (aparentemente sem fundamento em pesquisa empírica consistente) a partir de modelos do tipo dworkiniano. Alternativas realistas, como por exemplo aquelas inspiradas nas escolas de law and economics ou do critical legal studies, acabam sendo caracterizadas simplesmente como uma negação da especificidade da pesquisa em direito e desconsideradas no debate acadêmico (PEREIRA NETO; MATTOS, 2007).

Estas características próprias e disciplinares perceptíveis também na formação metodológica de uma determina ciência através de suas técnicas de pesquisa são percebidas por Almeida e Pinto (1975) quando apresentam a concepção de ―meios de trabalho‖:

São eles constituídos, em cada formação científica, pelo corpo de conceitos, métodos e técnicas disponíveis num momento dado e accionáveis, portanto, nas actividades de investigação que se processam no âmbito dessa formação. Os meios de trabalho teórico são assim, neste sentido, os elementos propriamente instrumentais do que designámos por condições teóricas de produção científica (ALMEIDA; PINTO, 1975, p.367. Grifos nossos).

Assim, a tradição sob a qual se ergue a formação jurídica de um país possui relação direta com a prática de pesquisa do campo jurídico que o constitui, haja vista que, como considera Carvalho (2010, p.9), no âmbito da formação sócio-histórica são engendrados ―regimes de verdade‖ nos quais se incluem os processos de produção do conhecimento assim como as práticas que incidem na produção da pesquisa.

Demo (1995, p.134) debatendo sobre o empirismo e o positivismo, apresenta a formação histórica-filosófica da indução empírica pela escola inglesa (Bacon, Locke, Mill, Hume) em reação aos excessos de dedução especulativa no continente europeu (França e Alemanha) demonstrando que ainda existem fortes traços especulativos e dedutivos nas ciências sociais e que frente a esses excessos a crítica empirista se sustenta ainda hoje com vistas a frear a especulação desenfreada nas ciências sociais.

(26)

26

Utilizando-se das contribuições de Demo (1995, p.136-137) pode-se diferenciar a dedução e a indução a partir do ponto de partida para resposta da investigação. A dedução ―é o método que parte do geral e, a seguir desce ao particular‖, utilizando o silogismo. Já a indução, pelo contrário, ―parte do particular e coloca a generalização como produto posterior do esforço de coleta de casos particulares‖.

O sistema jurídico brasileiro, em sua maior parte, se formou sobre as bases de uma tradição de direito legislado e calcado na positivação (codificação) pela norma legal, trabalhando assim prioritariamente com o raciocínio dedutivo que parte de normas gerais para a resolução dos casos, anunciando uma atuação eminentemente técnica e dedutiva do operador, característica que se estende ao pesquisador do campo jurídico segundos os autores apresentados.

Diante desse contexto formativo de uma metodologia quase inteiramente limitada ao raciocínio dedutivo-racionalista, cabem as percepções de Rodrigues (2011) quando o mesmo identifica a necessidade de novas abordagens no campo jurídico, perspectivas transdisciplinares que para o autor passariam, dentre outros fatores, pela constatação de convergência contextual entre raciocínios dedutivos e indutivos, e pela elaboração de pesquisas que conjuguem análises quantitativas e qualitativas.

Sá (2016, p.27) parte do pressuposto de que decisões metodológicas são baseadas em pressupostos epistemológicos e de que a ciência é uma prática social para afirmar que dentre os vetores de avanço da pesquisa empírica merece algum destaque a exaustão do positivismo jurídico.

A exaustação do positivismo jurídico6 para Sá (2016, p.28) é de fundamental importância para incorporação de investigações empíricas e para uma renovação na teoria da metodologia do Direito, tendo em vista que o surgimento de estudos jurídicos críticos foram tomados como base para a crítica das ordens jurídicas (ou seja, direito positivo do Estado) vistas assim como vazias de significado em princípio. Surgiria, portanto diante da crise do positivismo, a tarefa de desconstrução das doutrinas e decisões jurídicas vigentes, para denunciar suas contradições, fragilidades.

6 O positivismo jurídico apontado pelo autor é aquele que, nas suas palavras, ―remete a um conjunto mais

localizado (e bem mais grosseiro) de práticas acadêmicas e profissionais, as quais, por razões variadas, tiveram grande disseminação nas Faculdades de Direito e na estrutura de Estado no Brasil e nos países da América Latina. Tais práticas envolvem a reprodução irrefletida de textos legais e construções discursivas, as chamadas obras doutrinárias, as quais são tomadas como expressão inconteste da verdade jurídica. Ao final do século XX, este conjunto de atitudes e concepções acerca do conhecimento e do ensino do direito se torna objeto de diversos questionamentos‖ (SÁ, 2016, p.28).

(27)

27

A base crítica dessas ordens manifestaram um aumento da relevância e da influência da sociologia especialmente na vertente de estudos sobre a eficácia e efetividade daquelas ordens jurídicas postas. A rejeição às perspectivas eminentemente descritivas do positivismo cria então uma demanda por ―abordagens explicitamente engajadas, como a pesquisa-ação ou a observação participante‖ (SÁ, 2016, p.29).

Obviamente, estes movimentos não foram suficientes para uma completa superação do positivismo. No entanto, serviram para expandir os horizontes do que se considerava pesquisa jurídica legítima. Em termos teóricos e epistemológicos, aquilo que até então integrava mundo do ser – e por esta razão era tido como impertinente ao conhecimento do direito –, agora se tornava parte útil, relevante, ou mesmo indispensável aos expedientes pelos quais se determina a vigência e o alcance do dever ser (SÁ, 2016, p.30).

É percebido com a exaustão do positivismo jurídico portanto, que a interação dos estudos sociais com o Direito abre perspectivas para superação da metodologia formalista usualmente utilizada, e nesse sentido, perspicazes são as considerações de Kant de Lima e Baptista (1983) quando lembram que apesar do campo jurídico ser estabelecido e legitimado internamente como uma esfera à parte das relações sociais, na realidade não pode ser estudado de forma dissociada do seu campo social de atuação porque ele é parte do controle social, não podendo ser visto como um saber monolítico.

O mundo jurídico, portanto, não deveria se constituir de um saber especializado, uma vez que a sua lógica e o seu ordenamento se difundem e atingem todas as esferas e camadas sociais. Todavia, é assim que o campo funciona e isto faz com que a produção desse saber específico implique em um tremendo distanciamento formal da realidade, que não se constitui de configurações normativas ideais, como o Direito prevê (BAPTISTA, 2010 , p.6).

Em artigo mais recente, Kant de Lima e Baptista (2015) anunciam que mesmo passados 25 anos do primeiro trabalho de Kant de Lima (1983) que chamava a atenção para a importância de se constituir um campo de pesquisa empírica de base crítica no Direito a dificuldade persiste e continua-se a retardar a constituição deste campo crítico-reflexivo.

Daí é que como proposta de superação do quadro, Kant de Lima e Baptista (2016) entendem que é necessário não apenas o fomento dessa metodologia de pesquisa no ensino de graduação e pós-graduação, como ainda é preciso ―articular a relação institucional entre academia e os Tribunais‖ bem como do Direito com outras áreas de conhecimento.

Permitir-se pesquisar e ser pesquisado e permitir-se criticar e ser criticado academicamente, fora da lógica do contraditório, é algo sobre o que os juristas e os

(28)

28

membros do Poder Judiciário precisam começar a pensar. E quando manifestamos isso não intentamos diminuir ou subjugar o saber dos integrantes desse campo, mas, ao contrário, chamar a atenção para o fato de que a inculcação que neles se faz desde os bancos universitários acaba por formar operadores resistentes ao fazer jurídico

diferente e treinados para a reprodução do conhecimento consagrado e dos dogmas

que embotam a criatividade e a crítica.

Além disso, a interlocução do Direito com outras áreas do conhecimento é, igualmente, fulcral para o aprimoramento do nosso sistema judiciário. A abertura do Direito, que é um campo tradicionalmente hermético, é um importante passo para se alcançar estratégias institucionais de mudança do quadro atual (KANT DE LIMA; BAPTISTA, 2016 , p.17)

É por reconhecer essas limitações e este apego do Direito à dogmas e tradições de pesquisa que não se compatibilizam mais com as exigências do contexto social de sua aplicação, bem como por identificar os limites do raciocínio dedutivo e das estratégias de investigação teóricas e dogmáticas apenas para responder ao problema proposto, que propõe-se como alternativa de superação o exercício da pesquisa interdisciplinar de bapropõe-se também empírica que tem como melhor estratégia metodológica a estratégia de métodos mistos.

A pesquisa de métodos mistos é considerada aqui como ―a classe de pesquisa na qual o pesquisador mistura e combina técnicas, métodos, abordagens, conceitos ou linguagens qualitativas e quantitativas num único estudo‖ (JOHNSON; ONWUEGBUZIE, 2004 p. 17, tradução nossa).

Isso porque, considerando não apenas as limitações metodológicas do campo jurídico anunciadas anteriormente, como ainda a constatação de que ―todas as metodologias, até mesmo as mais óbvias têm seus limites‖ (FEYERABEND, 2011, p.46) apresenta-se como alternativa interessante de superação a mistura de métodos e de conhecimentos metodológicos.

Considerada por muitos como a ―terceira onda‖ (GIDDINGS, 2006), ou terceiro movimento de pesquisa, porque capaz de atravessar a guerra de paradigmas e oferecer alternativas lógicas e práticas, a pesquisa de métodos mistos pretende valer-se da indução na descoberta de padrões, da dedução (teste de teorias e hipóteses), e da abdução, que significaria descobrir e confiar num melhor conjunto de explicações para entender um resultado (JOHNSON; ONWUEGBUZIE, 2004 p. 17).

Como mostram Axinn e Pearce (2007) os métodos mistos são particularmente úteis quando um problema de investigação exige mais do que um dos principais atributos que caracterizam os métodos individuais, seja para uma combinação mais elevada visando o teste da hipótese, ou mesmo para descobrir novas hipóteses.

Assim, através da mistura de métodos objetiva-se problematizar e expandir os limites do campo jurídico - tradicionalmente dominado pelas pesquisas dogmáticas de

(29)

29

raciocínio dedutivo - com a introdução de estratégias e perspectivas de bases empíricas e indutivas capazes de dar suporte empírico ás contribuições teóricas que de forma predominante debatem os problemas de pesquisa.

Assim, a estratégia de pesquisa de métodos mistos adotada aqui se concentra em coletar e analisar tanto dados quantitativos como qualitativos, com intenção de expandir o entendimento de um método para outro e assim combinar os resultados das diferentes fontes de dados adotadas. Busca-se assim, transgredir os limites metodológicos do campo jurídico apresentados neste trabalho por meio de uma múltipla abordagem que será eclética tanto quanto a seleção de métodos quanto às contribuições teóricas que referenciarão a realidade social experimentada pela pesquisa.

Para tanto, adota-se uma forma de implementação sequencial (por fases) (CRESWELL, 2007), sendo que primeiro serão coletados dados por meio do levantamento do número de implementações das medidas de assessoramento judicial nos Tribunais de Justiça Estaduais, relacionando a data de criação dos mesmos, e a responsabilidade pelos pareceres opinativos que buscam assessorar os juízes nas decisões que envolvam serviços públicos de saúde.

Após a quantificação dos núcleos de assessoramento já implantados nos níveis estaduais a pesquisa elege o caso para o estudo qualitativo. Essa escolha do caso poderá ter dois caminhos que dependerão da disponibilização dos dados.

Pelo primeiro caminho, o caso de estudo seria escolhido a partir da comparação entre a implementação da medida e a diminuição do número de condenações e/ou número de processos de judicialização da saúde pública nos Tribunais de Justiça dos Estados a partir do ano de 2010 (ano de implementação da estratégia de contenção pelo CNJ) e 2016 (com vista a representar o atual momento).

A coleta desses dados numéricos de processos de judicialização e condenações em serviços de saúde seria obtida por meio de fontes secundárias: relatórios quantitativos já produzidos pelos órgãos de administração da justiça e secretarias de saúde estadual. Estes dados seriam possíveis considerando que a Recomendação 107 do CNJ que determinou o monitoramento das demandas de saúde a partir de 2010, incluindo a divulgação anual do número de processos com o tema. Ocorre que estes dados não foram divulgados a tempo, o que inviabilizou a análise tendo em vista a implantação tardia dos núcleos de assessoramento em muitos tribunais.

Diante da inexistência daqueles dados e a necessidade da pesquisa em estabelecer de critérios para a escolha do caso, ou casos de estudo, colocou-se como caminho

(30)

30

metodológico alternativo a escolha do caso a partir da composição dos núcleos de assessoramento.

Isto é, tendo em vista que ao recomendar aos Tribunais que adotassem medidas dialógicas para subsidiar os magistrados nas decisões de saúde não foi estipulado origem determinada para os órgãos responsáveis pela assessoria, podendo ser envolvido Secretarias de saúde municipais e/ou estaduais, órgãos privados, ou entidades filantrópicas procedeu-se a escolha dos casos para análise através da diversidade em suas estruturas de composição, considerando ainda, a partir da análise quantitativa anterior, o tempo de atuação daquele órgão, pois ficava impossibilitada a análise profunda do caso quando a implementação era muito recente.

Após esta fase foram então escolhidos três casos para análise, o que foi feito através de análise documental e bibliográfica, debatendo-se contribuições teóricas de diferentes áreas acerca da proposta de articulação de saberes e instituições como alternativas de superação dos efeitos negativos da judicialização, integrando assim, esta análise qualitativa aos resultados da primeira fase. Dessa forma, a integração dos dois tipos de dados coletados ocorre na fase de análise e interpretação dos dados.

Importa ressaltar que muitos foram os obstáculos para o estudo dos casos escolhidos pois o contato com os Tribunais e órgãos envolvidos não resultou em muitas respostas, além do que a falta de informação sobre a implantação das assessorias técnicas impossibilitavam a identificação das pessoas responsáveis pela coordenação ou direção dos mesmo.

Soma-se a isso a não observância ou a deficitária observância em alguns casos da transparência das ações adotadas para enfrentamento da judicialização, momento em que a pesquisa se deparou com a falta de divulgação dos atos administrativos que poderiam explicar melhor a composição das estruturas.

Interessante notar que a dificuldade no ato de ―pesquisar e ser pesquisado” dos

Tribunais, apontado por Kant de Lima e Baptista (2016) como um obstáculo a pesquisa empírica do campo jurídico não foi sentido apenas nesta pesquisa, mas, também Castro (2012) ao pesquisar o Núcleo do Assessoria Técnica do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro apresentou dificuldades acesso semelhantes, mesmo estando pessoalmente no campo de pesquisa:

Inicialmente pretendeu-se ter uma amostra representativa dos magistrados (na verdade pretendeu-se entrevistar todos os magistrados que lidam com questões de saúde).

(31)

31

No entanto, devido à dificuldade em ser atendida (recusas e prorrogações), a pesquisa teve que ser redirecionada para ser exploratória. Foram entrevistados nove magistrados. Nesse sentido, não se pode generalizar as afirmações dos magistrados às questões sobre o NAT e sobre a judicialização e direitos de saúde, mas registrar percepções, atitudes e comportamentos sobre estes temas a serem melhor investigados em uma pesquisa representativa. (...)

Importante registrar que, tendo em vista a pressa com que os magistrados atenderam ao pedido da pesquisa, algumas respostas foram muito curtas – chegando alguns a responderem apenas de forma silábica (sim ou não) aos questionamentos feitos. Outro fator a ser considerado na questão da aplicação pessoal da pesquisa é o pouco tempo que foi permitido aplicá-la. Em alguns casos esse tempo era entre um julgamento e outro, literalmente, um pequeno intervalo, ou mesmo acompanhando um magistrado entre uma sala e outra. Foram horas e horas esperando para conseguir essas respostas (CASTRO, 2012, p.58-59).

Assim é que a ausência de respostas e prorrogações de magistrados e funcionários dos órgãos envolvidos na execução dos assessoramentos técnicos prejudicaram a utilização de outros métodos de pesquisa para o estudo dos casos selecionados, razão pela qual foram adotadas as estratégias de pesquisa documental e bibliográfica.

Assim a pesquisa busca a mistura de conceitos e estratégias na intenção de expandir os limites do campo jurídico - tradicionalmente dominado pelas pesquisas qualitativas, de raciocínio dedutivo - com a introdução de uma fase de coleta de dados quantitativa e indutiva capaz de dar suporte empírico às contribuições teóricas que debatem o problema em termos teóricos e gerais.

(32)

32

3. O DIREITO A SAÚDE E AS PERSPECTIVAS TEÓRICAS DE ANÁLISE

Apesar de objetivar uma investigação empírica, de base indutiva, cujo objetivo é a observação dos arranjos de assessoramento técnico para superação da judicialização, a pesquisa não desconsidera a importância das contribuições teóricas e conceituais que dão suporte a observação proposta.

A partir das contribuições de Chalmers e Fiker (1993) busca-se neste ponto evitar a sedução de um ―indutivismo ingênuo‖ que acredita na possibilidade do conhecimento a partir da indução pura, sem preconceitos e livre de pressupostos teóricos, apresentando uma síntese da construções teóricas do direito fundamental à saúde e do fenômeno da judicialização, bem como das teorias que deram suporte a análise empírica desenvolvida.

Assim, aliando-se à Chalmers e Fiker (1993) entende-se que sempre há uma teoria que dá embasamento às proposições de observação, mesmo que estas proposições sejam tão falíveis quanto a teoria que fornece o embasamento, e é dado a esta constatação que passa-se a apresentar o suporte teórico da pesquisa.

3.1 O Direito fundamental social à saúde

Os direitos fundamentais são frutos de construções históricas que se consolidaram basicamente a partir da modernidade. Conquistados por meios de inúmeros conflitos ganham força com o Constitucionalismo (DIMOULIS; MARTINS, 2014).

São fundamentais, conforme pontua Sarlet (2008) tendo em vista relevância das posições jurídicas como tais consideradas para a ordem constitucional.

O sentido de direitos humanos ou fundamentais tem certamente suas fontes em processos históricos muito longínquos no tempo. Todavia, somente com as mudanças sociais, econômicas e políticas no trânsito da Idade Média para a idade Moderna é que assumem tais direitos significados mais precisos (SAMPAIO, 2004, p.141).

Quando Bobbio (2004) escreveu ―A era dos direitos‖, afirmou que os direitos não nascem todos de uma vez, mas quando devem ou podem nascer, e para apresentar estes momentos de nascimento dos direitos utilizou-se da tese histórica de ―gerações de direito‖.

A ideia de gerações parte de uma classificação baseada nas fases de reconhecimento dos direitos apresentada pelo francês Karel Vasak ao Instituto Internacional de Direitos do Homem em 1979, dividida, inicialmente, por este autor, em três gerações: a

(33)

33

primeira, surgida com as revoluções burguesas dos séculos XVII e XVIII, valorizava o direito à liberdade; a segunda, decorrente dos movimentos sociais democratas e da Revolução Russa, dava ênfase à igualdade; e a terceira geração, resultado das duras experiências passadas pela humanidade durante a Segunda Guerra Mundial, refletindo o valor da fraternidade. (SAMPAIO, 2004, p.259).

Partindo desta ideia de gerações de direitos, é comum se deparar com leituras que classificam o direito à saúde como um direito social de segunda geração, porque na chamada primeira geração de direitos, teríamos direitos que se fundam numa separação entre Estado e sociedade, que permeia o contratualismo individualista dos séculos XVIII e XIX (SAMPAIO, 2001, p.260) e na segunda geração teríamos direitos sociais, econômicos e culturais, direitos de base social resultante da superação do individualismo, decorrente das transformações socioeconômicas do final do Século XIX e início do Século XX, e da demanda por condições sociais dignas, que, para existirem exigem uma ação positiva do Estado, uma prestação (BOBBIO, 2004).

Dito de outro modo, atribuiu-se aos direitos de primeira geração o caráter negativo; porque, numa concepção mais tradicional, impunham ao Estado apenas um dever de abstenção e de respeito à liberdade privada. Aos direitos de segunda geração, por sua vez, reconheceu-se a necessidade de atuação positiva, sendo então, denominados direitos prestacionais, já que seu exercício pelos cidadãos depende da atuação efetiva do Estado (OMMATI; DUARTE, 2011).

Entretanto, como argumentado em outra oportunidade, busca-se evitar esta interpretação dos direitos fundamentais a partir da ideia de gerações, pois, apesar de interessante em termos didáticos, pode levar ao entendimento de que toda a história dos direitos fundamentais significou nada mais que um somatório de direitos e que não houve reformulações de sentido a cada mudança de paradigma (OMMATI; DUARTE, 2011).

Pretende-se aqui afastar o entendimento de que a cada geração de direitos teríamos apenas um acréscimo, um mero acúmulo ou alargamento de direitos. Na verdade, esses direitos se encontram redefinidos a cada novo paradigma jurídico: A cada novo paradigma haveria necessidade de se redefinir, compatibilizar o sentido de um direito em relação aos dos outros e vice e versa (CATTONI DE OLIVEIRA, 2004, p.201).

Os direitos fundamentais sociais nascem em fins do século XIX e início do século XX, sendo sua subjetivação definida com mais clareza na Constituição do México em 1917 e de Weimar em 1919, tendo também como destaque a Declaração de Direitos Russa de 1918 com inspiração socialista. No Brasil, esse processo tem maior determinação a partir

Referências

Documentos relacionados

O presente estudo analisou 520 casos de exposições ou intoxicações por paracetamol registradas no Centro de Informações Toxicológicas de Santa Catarina (CIT/SC), no período

Esta pesquisa discorre de uma situação pontual recorrente de um processo produtivo, onde se verifica as técnicas padronizadas e estudo dos indicadores em uma observação sistêmica

No código abaixo, foi atribuída a string “power” à variável do tipo string my_probe, que será usada como sonda para busca na string atribuída à variável my_string.. O

Benlanson (2008) avaliou diferentes bioestimulantes, (produtos à base de hormônios, micronutrientes, aminoácidos e vitaminas), confirmando possuir capacidade

(2010), podem servir como casos sentinela para infecções humanas numa área geográfica restrita. Devido ao fenómeno da globalização que ocorre actualmente, é crucial haver

A teoria das filas de espera agrega o c,onjunto de modelos nntc;máti- cos estocásticos construídos para o estudo dos fenómenos de espera que surgem correntemente na

Portanto, mesmo percebendo a presença da música em diferentes situações no ambiente de educação infantil, percebe-se que as atividades relacionadas ao fazer musical ainda são

No capítulo 1 são clarificados conceitos-chave essenciais à contextualização do estudo efectuado, destacando autores como Conceição Lopes, John Thompson, Mcluhan, Sara Pereira e