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4. A INICIATIVA DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA PARA O FENÔMENO

4.3. Os perfis de assessoramento adotados nos tribunais estaduais

Para entender como os Tribunais Estaduais acataram a Recomendação nº 31 do CNJ a pesquisa se utiliza de informações veiculadas na internet através de páginas oficiais de órgãos governamentais e dos próprios Tribunais, bem como de análise documental que objetivou identificar os instrumentos de criação das parcerias de assessoramento e diálogo recomendadas.

Assim, utilizando-se da busca de termos como ―judicialização‖ combinado com o termo ―assessoria técnica‖ ou ―assessoramento técnico‖, ―Recomendação nº31 CNJ‖, ―Direito a saúde‖, ―saúde pública‖ e ―Nat -Núcleo de Assessoria Técnica‖ nos campos de pesquisa próprios dos portais oficiais dos 27 Tribunais Estaduais da Federação, foi possível acompanhar as informações divulgadas sobre a temática. Após análise das informações obtidas foram filtradas aquelas que diziam respeito a medidas de assessoramento nas

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demandas de saúde bem como aquelas que se propunham ou, no mínimo, noticiavam o cumprimento da Recomendação nº31.

Mas para obter os dados necessários, foram buscadas informações além das plataformas próprias dos Tribunais Estaduais, valendo-se de notícias publicadas em outros espaços na internet e da pesquisa documental nos espaços de divulgação de atos normativos, contratos e convênios, ações ou programas, disponíveis nos Tribunais.

Vale ressaltar, que na busca de obter uma análise mais profunda das documentações que disciplinam e organizam as parcerias que dão cumprimento a medida analisada, tentou-se encontrar os contratos, convênios ou outros instrumentos que formalizam as parcerias. Entretanto, muitos dos Tribunais não disponibilizam a documentação para consulta pública.

Considerou-se como ―existentes‖ aquelas iniciativas que mesmo não citando ou se referindo à Recomendação nº31 em seu conteúdo apresentavam a proposta de assessoramento técnico nas demandas de saúde pública, bem como aquelas que mesmo voltadas para enfrentamento das demandas em saúde suplementar eram utilizadas de suporte em casos de saúde pública.

Como ―inexistentes‖ se considerou a ausência de quaisquer notícias, informação ou documentos na consulta pública que pudessem indicar minimamente a existência ou a disposição do Tribunal em cumprir as medidas anunciadas.

Vale ressaltar que a pesquisa não pretendeu, ao caracterizar como ―inexistente‖, afirmar de forma inequívoca que não haja medidas naqueles Tribunais, mas sim indicar que, dentro dos limites do universo pesquisado, não há informações públicas para concluir pela existência ou disposição de criação das medidas objeto de análise.

A categoria de ―anunciadas‖ leva em consideração àqueles tribunais que divulgaram notícias que, pelo conteúdo analisado, revelam a disposição, possibilidade ou planejamento para cumprimento da medida, mas que não noticiaram posterior implantação.

Após a análise, o cumprimento da medida pode ser apresentado por meio de três categorias, conforme tabela a seguir:

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Tabela 2. Andamento do cumprimento da medida de assessoramento técnico aos magistrados

Existe Iniciativa Não existe iniciativa Existe anúncio ou proposta de

iniciativa TJRJ TJAP TJCE TJES TJAM TJDF TJMA TJMA TJRR TJMS TJRO TJSE TJPE TJPI TJAC TJBA TJGO TJRS TJPB TJPR TJSC TJTO TJMG TJPA TJRN TJSP TJAL

Total de Estados Total de Estados Total de Estados

19 4 4

Fonte: Elaboração própria fundada nos instrumentos normativos de criação e notícias oficiais das páginas dos

Tribunais na internet.

Quanto aos Estados onde a adesão das medidas de assessoramento foram anunciadas, foi percebida uma forte tendência na defesa do diálogo entre o judiciário e outros setores como alternativa ao fenômeno da judicialização, havendo, portanto, uma identidade das propostas com as medidas anunciadas pelo Conselho Nacional de Justiça.

No Tribunal de Justiça do Ceará uma notícia veiculada na plataforma oficial informa que a proposta de implantação de um Núcleo de Assessoria Técnica está embasada nas experiências de Estados como Rio Grande do Norte e Minas Gerais, onde o Núcleo de Apoio Técnico está em funcionamento, mencionando o incentivo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na implantação do ―NAT como uma das estratégias para reduzir o acervo processual relacionado à saúde‖ (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO CEARÁ, 2015).

Além disso, estudo realizado por Nunes (2014) que teve como objeto caracterizar a judicialização do direito à saúde no Estado Ceará, de forma a dimensionar a magnitude do fenômeno indica a necessidade de o Estado se ater a Recomendação nº31 e fomentar o diálogo do judiciário com o executivo e órgãos da saúde (NUNES, 2014, p.66).

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No TJ do Distrito Federal, apesar de não haver informações na sua plataforma própria, foi divulgado na página do Conselho Nacional de Justiça notícia em que o presidente do TJDFT se compromete a instalar o NAT em reunião realizada em junho de 2016 (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2016).

Em Roraima, foi possível observar a criação da proposta, mas da notícia veiculada não é possível extrair elementos suficientes quanto ao funcionamento do Núcleo de Apoio Técnico, e nem foram publicadas posteriores informações de concretização da medida, constando apenas que o Núcleo de Apoio Técnico é composto por um grupo multidisciplinar de profissionais da área da saúde e que ―iniciará suas atividades com cinco médicos, uma farmacêutica e uma bioquímica‖ (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE RORAIMA, 2014).

No Tribunal de Justiça do Sergipe também restou configurado iniciativas prévias para adoção da medida de assessoramento, havendo notícias de reunião entre representantes do judiciário e da Secretaria Estadual de Saúde para enfrentamento da questão23. Entretanto, da busca na plataforma oficial do Tribunal não retornou nenhuma informação a respeito da implantação da medida.

Quanto aos Tribunais dos Estados do Amapá, Amazonas, Maranhão e Rondônia não foram identificados elementos e informações suficientes para se concluir pela iniciativa de assessoramento.

Quanto aos 19 Tribunais em que se percebeu existência da medida analisada, passaremos para uma análise quantitativa mais aprofundada dos perfis, tendo em vista que esta primeira fase do trabalho busca selecionar os casos, ou o caso mais adequado para análise do problema de pesquisa.

Já os 4 (quatro) tribunais que anunciaram adesão as medidas recomendadas e os outros 4 (quatro) em que não se percebeu a adesão das mesmas serão descartados da análise haja vista evidente impossibilidade de análise mais profunda.

Na tentativa de observar a consolidação temporal da implantação das medidas de assessoramento técnico, e considerando que o CNJ recomendou aos tribunais que celebrassem convênios para implantação das mesmas até dezembro do ano de 2010 foi organizada uma tabela ordenando a implantação de forma crescente.

A data de criação considerada se refere a data de instituição formalizada da medida, seja aquela constante dos Convênios e Termos de Cooperação firmados ou aquelas

23 Informação disponível em: https://www.gazetadigital.com.br/conteudo/show/secao/9/og/1/materia/404768/t/tj-

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dos instrumentos normativos de competência Tribunais que anunciam a criação, como por exemplo, portarias, decretos judiciais ou mesmo ofícios circulares.

Tabela 3. Ano de criação da iniciativa de cooperação em assessoramento judicial proposta

pela Recomendação nº 31 do CNJ nos Tribunais Estaduais

Ordem temporal de criação das medidas 2009 Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro

2011 Tribunal de Justiça do Espírito Santo

2011 Tribunal de Justiça do Mato Grosso

2011 Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul*

2011 Tribunal de Justiça de Pernambuco

2011 Tribunal de Justiça do Piauí

2012 Tribunal de Justiça do Acre

2012 Tribunal de Justiça da Bahia**

2012 Tribunal de Justiça de Goiás

2012 Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

2013 Tribunal de Justiça da Paraíba

2013 Tribunal de Justiça do Paraná

2013 Tribunal de Justiça de Santa Catarina

2013 Tribunal de Justiça de Tocantins

2014 Tribunal de Justiça de Minas Gerais

2014 Tribunal de Justiça do Pará

2014 Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte

2015 Tribunal de Justiça de São Paulo

2016 Tribunal de Justiça de Alagoas

Fonte: Elaboração própria fundada nos instrumentos normativos de criação e notícias oficiais das páginas dos

Tribunais na internet.

Notas: * O atual Núcleo de Apoio Técnico (NAT) criado em 2016 substitui a antiga Câmara Técnica em Saúde

(CATES), que existia desde 2011 com atribuições semelhantes.

**Embora a denominação original de ―Plantão Médico‖ dada pelo Decreto Judicial 277 de 2012 tenha sido alterada pelo Decreto Judicial nº877 de 2015 para Núcleo de Assessoria Técnica, a estrutura da iniciativa não sofreu alteração, razão pela qual se considera o ano de 2012.

A implantação com mais tempo de atividade é a do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro onde ―desde 2009, o Núcleo de Assessoria Técnica funciona no Fórum Central com uma equipe de profissionais de saúde do Estado, com a finalidade de dar suporte técnico aos magistrados onde tramitam ações judiciais com pedidos de medicamentos e internações‖ (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO, 2014), havendo medidas de expansão do NAT.

No ano de 2011, após dois anos de sua criação o NAT do Tribunal do Rio de Janeiro já havia concedido mais de 2800 pareceres conforme balanço divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2011b).

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Além de ter sido a primeira experiência do gênero instalada num tribunal brasileiro, o NAT [Rio de Janeiro] também inspirou ideias semelhantes, como o sistema de plantão judiciário voltado especificamente para as demandas de saúde do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA). De acordo com o presidente do TJRJ, desembargador Manoel Alberto Rebelo dos Santos, o sucesso do núcleo pode ser constatado pelos números: em 2009, foram produzidos 987 laudos e, em 2010, 1.448 destes. Sendo que, nos primeiros três meses de 2011 já foram elaborados mais de 400 laudos. (...) O NAT do Rio de Janeiro é formado por uma equipe de 26 profissionais, dentre farmacêuticos, enfermeiros, nutricionistas, médicos e servidores da área administrativa do TJRJ, que consegue fazer uma análise e produção de laudo em prazo de 48 horas. Isso permite uma decisão ágil e precisa, por parte dos juízes, em relação a pedidos na justiça para liberação de determinados medicamentos pelo sistema público de saúde ou acesso a vagas em hospitais públicos, por exemplo. E, como consequência, beneficia diretamente a população (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2011b)

A implantação pioneira e consolidada do NAT – Rio de Janeiro já permite inclusive a existência de alguns trabalhos científicos e pesquisas que o utilizam como referência. Como, por exemplo, a pesquisa realizada por Katia Regina Tinoco Ribeiro de Castro (2012) denominada ―Os juízes diante da judicialização da saúde: o NAT como instrumento de aperfeiçoamento das decisões judiciais na área da saúde‖, onde a autora descreve, de forma detalhada, a ação do NAT – Rio de Janeiro com relação a quantidade de medicamentos pedidos por via judicial, tipo de medicamentos, gastos com os mesmos e a visão dos operadores de direito, envolvidos nessa seara, sobre o seu funcionamento.

Mas foi percebido no decorrer da atividade de observação das experiências que o maior tempo de implantação não necessariamente conduzia a uma conclusão de consolidação da proposta, pois Tribunais com implantações mais recentes revelaram experiências exitosas e tomadas como referência para novas implantações e aperfeiçoamento de medidas já implantadas. É o que demonstra, por exemplo, as experiências do Tribunal de Justiça de Minas Gerais com implantação em 2014 e do Tribunal de Justiça de Tocantins com implantação formal datada de 2013.

No caso de Tocantins, há dois centros de assessoria coordenados pelo Tribunal de Justiça, um na cidade de Palmas e outro em Araguaína. Em estudo encomendado pelo Conselho Nacional de Justiça em busca de experiência exitosas, o NAT implantando em Araguaína, com parceria com Secretaria de Saúde Municipal, foi apontado como um dos destaques, havendo inclusive informações de que sua operacionalização é mais antiga, pois fora idealizado desde o ano de 2011 (CONSELHO NACIONAL DE JUSTILA, 2015a).

No caso do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, pelas notícias veiculadas fica difícil precisar as datas, havendo informações sobre convênio assinado no ano de 2016 (SECRETARIA DE SAÚDE DO ESTADO DE MINAS GERAIS, 2016), e em 2014. Ocorre

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que, quando da criação de convênio destinado às demandas em saúde suplementar é apontada existência de outro convênio para a saúde pública (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS, 2014a), sendo noticiado ainda um convênio com a Secretaria de Saúde Estadual para assessoramento em saúde pública também em 2014 (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS, 2014b).

Apesar destas indeterminações das datas, os pareceres emitidos ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais, por meio da parceria com o Núcleo de Avalição de Tecnologias em Saúde –NATS do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais é tomado como referência nacional, sendo disponibilizados inclusive na plataforma do Conselho Nacional de Justiça para consulta pública e utilização dos magistrados em suas decisões24, o que demonstra uma operacionalização da medida já bem consolidada naquele Estado.

Surge então uma variável na pesquisa, pois, diante da impossibilidade de determinar de forma precisa o início dos programas de assessoramento, considerando a existência de diversos instrumentos normativos e ainda que o desenvolvimento do programa depende muito mais da atuação e envolvimento dos agentes que do decurso temporal, selecionar um ou mais casos de estudo a partir da data de implantação pode colocar de fora da pesquisa experiências com potencialidades de trazer perspectivas mais variadas para a análise. Assim, procurou-se nos Tribunais, mesmo com as limitações de informações já mencionadas, qual órgão e/ou profissionais oferecem apoio técnico aos magistrados e onde estão vinculados. Cria-se assim, três categorias: 1) órgãos e/ou profissionais vinculados às secretarias de Saúde Municipais ou Estaduais 2) órgãos e/ou profissionais vinculados diretamente ao Judiciário 3) órgão que não tem vinculação direta nem ao Judiciário nem às Secretarias de Saúde.

24 As notas técnicas se encontram disponíveis em http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/forum-da-

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Tabela 4. Natureza dos órgãos e/ou profissionais responsáveis pela assessoria técnica aos magistrados

Vinculados as Secretarias de Saúde

Vinculados diretamente ao judiciário

Sem dependência com o Judiciário ou Secretarias de Saúde TJAC TJAL TJMG TJES TJBA TJGO TJPR TJMA TJRS TJMS TJPA TJPB TJPE TJPI* TJRJ TJRN* TJSC TJSP TJTO

TOTAL DE ESTADOS TOTAL DE ESTADOS TOTAL DE ESTADOS

14 4 1

Fonte: Elaboração própria fundada nos instrumentos normativos de criação e notícias oficiais das páginas dos

Tribunais na internet.

* Há notícia de que todos os entes envolvidos no termo de cooperação devem fornecer subsídios técnicos, mas não foi possível determinar pela análise se os órgãos não integrantes das Secretarias de Saúde fornecem profissionais.

Conforme observado, a maioria das experiências apresentam a responsabilidade pelo assessoramento com estreita ligação às Secretaria de Saúde, apesar de alguns termos de cooperação preverem a possibilidade de consulta a outros profissionais e órgãos não integrantes do Executivo.

Mas, apesar da maioria das experiências guardarem características comuns quanto a sua constituição e responsabilidade pela assessoria técnica, a pesquisa não pode desconsiderar a existência de modelos diferentes para o enfrentamento da judicialização da saúde. E nesse sentido, a diversidade das experiências pode se apresentar como uma alternativa mais adequada para a seleção dos casos para análise.

Frente ao exposto, e visando cumprir com o objetivo de analisar como se realiza a cooperação e o diálogo institucional entre o judiciário e os demais setores/instituições, e ainda como essas articulações afetam o fenômeno da judicialização da saúde pública no Brasil, passa-se a análise dos casos selecionados.

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