DCN, EDUCAÇÃO CIENTÍFICA E PROJETO CURTACIÊNCIA

As Diretrizes Curriculares Nacionais (BRASIL, 2013) buscam se constituir como um documento orientador dos sistemas de ensino e das escolas, que possa oferecer aos professores indicativos para a estruturação de um currículo para o Ensino Médio que atenda às expectativas de uma escola de qualidade que garanta o acesso, a permanência e o sucesso no processo de aprendizagem e constituição da cidadania.

Com relação ao conceito de qualidade da educação, o DCN (2013) aponta que ela é uma construção histórica que assume diferentes significados em tempos e espaços diversos e tem relação com os lugares de onde falam os sujeitos, os grupos sociais a que pertence, os interesses e os valores envolvidos e os projetos de sociedade em jogo. Com isso, destaca-se pela possibilidade de atender às necessidades e às características dos estudantes de diversos contextos sociais e com diferentes capacidades e interesses.

Portanto, para se constituir numa escola de qualidade, esse documento afirma que a escola tem diante de si o desafio de sua própria recriação, pois tudo que a ela se refere constitui-se como invenção: os rituais escolares são invenções de um determinado contexto sociocultural em movimento. Assim, ela precisa ser reinventada de modo a priorizar processos capazes de gerar sujeitos inventivos, participativos, cooperativos, preparados para diversificadas inserções sociais, políticas, culturais, laborais e, ao mesmo tempo, capazes de intervir e problematizar as formas de produção e de vida.

A construção da qualidade social pressupõe conhecer os interesses sociais da comunidade escolar para que seja possível educar mediante interação efetivada entre princípios e finalidades educacionais, objetivos, conhecimentos e concepções curriculares. A escola de qualidade social precisa levar em consideração o diálogo, a colaboração, os sujeitos e as aprendizagens, de modo a atender alguns requisitos, como a revisão das referências conceituais quanto aos diferentes espaços e tempos educativos, abrangendo espaços sociais na escola e fora dela; a consideração sobre a inclusão, a valorização das diferenças e o atendimento à pluralidade e à diversidade cultural, resgatando e respeitando os direitos humanos, individuais e coletivos e as várias manifestações de cada comunidade, foco na aprendizagem, entre outros.

Para permitir um ensino médio de qualidade social, o DCN (2013) propõe alguns pressupostos e fundamentos. São eles: Trabalho, Ciência, Tecnologia, Cultura: dimensões da formação humana; Trabalho como princípio educativo; Pesquisa como princípio pedagógico; Direitos humanos como princípio norteador e Sustentabilidade ambiental como meta universal.

I. Trabalho, Ciência, Tecnologia, Cultura: dimensões da formação humana: O trabalho é

uma realização inerente ao ser humano e uma mediação no processo de produção de sua existência. A ciência é o conjunto de conhecimentos sistematizados, produzidos socialmente ao longo da história, que busca compreender e transformar a natureza e a sociedade. A tecnologia é a transformação da Ciência em força produtiva, nos levando a perceber que a tecnologia é uma extensão das capacidades humanas. Cultura é o resultado do esforço coletivo para a conservação da vida humana e consolidação da uma organização produtiva da sociedade. Como trabalho, Ciência, tecnologia e cultura não se produzem independente da sociedade por serem marcas da sua condição histórico-cultural, eles devem ser instituídos como base da proposta e do desenvolvimento curricular do Ensino Médio.

II. Trabalho como princípio educativo: O trabalho é considerado um princípio educativo

porque o ser humano produz sua realidade, ou seja, se apropria dela, podendo transformá-la. Assim, o trabalho permite a compreensão do processo histórico de produção científica e tecnológica - como os conhecimentos desenvolvidos socialmente - fundamentando e justificando a formação específica para o exercício de profissões.

III. Pesquisa como princípio pedagógico: Instiga o estudante a buscar informações e

saberes do senso comum, escolares e científicos, e contribui para que o aluno desenvolva a capacidade de buscar e (re)construir conhecimentos. Quando a pesquisa é associada a projetos contextualizados e interdisciplinares, ela ganha mais significado para o estudante.

IV. Direitos humanos como princípio norteador: As escolas têm o papel fundamental de

garantir o respeito aos direitos humanos. Com isso, deve fomentar processos que contribuam para a construção da cidadania, dos direitos fundamentais, do respeito à pluralidade e à diversidade, combatendo e eliminando toda forma de discriminação.

V. Sustentabilidade ambiental como meta universal: A ocorrência de diversos desastres

ambientais gerou o compromisso com a qualidade da educação do século XXI e, por isso, faz- se necessário compreender as complexas causas da crise ambiental e contribuir para a prevenção de seus efeitos e para o enfrentamento das mudanças socioambientais globais.

Em se tratando da educação científica, baseada nos pressupostos do DCN, constata-se que o ensino de Ciências precisa romper com um ensino tradicional marcado pelo conteudismo, memorização excessiva de algoritmos, ausência de articulação com outras disciplinas e sem relação com a realidade para uma educação mais democrática e emancipatória, articulada aos interesses locais, tendo a realidade como ponto de partida, e que vise uma formação crítica e uma participação mais ativa. Assim, uma educação científica articula ao DCN (2013) busca a promoção da alfabetização científica.

DeBoer (2000 apud BOCHECO, 2011) indica alguns objetivos que foram associados à busca pela alfabetização científica em pesquisas entre as décadas de 50 e 90, momento em que muitos autores se dedicaram a descrever e discutir a educação científica. São eles:

I. Ensinar e aprender sobre ciência como uma força cultural no mundo moderno: A

ciência merece um lugar no currículo com base em sua importância como parte de nossa herança intelectual.

II. Preparação para o mundo do trabalho: As salas de ciências deveriam dar aos estudantes

o conhecimento e as habilidades que são úteis no mundo do trabalho e que melhorarão suas perspectivas de emprego em longo prazo num mundo em que ciência e tecnologia têm papel tão importante.

III. Ensinar e aprender sobre uma ciência que tem uma aplicação direta com o cotidiano: O conhecimento de como o mundo natural funciona é útil na vida cotidiana. Os

conceitos e princípios científicos podem ser selecionados e ensinados de maneira que os estudantes vejam as aplicações da ciência em suas vidas diárias.

IV. Ensinar estudantes a serem cidadãos informados: A educação científica pode ajudar a

para votar inteligentemente e para influenciar, quando apropriado, em políticas relacionadas ao impacto da ciência na sociedade.

V. Aprender a ciência como maneira particular de examinar o mundo natural: A ciência

é uma maneira particular de olhar para o mundo. Os estudantes devem ser introduzidos a essa maneira de pensar e aprender como usá-la por si próprios, uma vez que ela é um meio tão importante de geração de conhecimento de nosso mundo.

VI. Compreender relatórios e discussões científicas que aparecem na mídia popular: A

educação científica deveria formar cidadãos capazes de acompanhar criticamente relatórios e discussões sobre ciências que aparecem na mídia e que possam participar de conversas sobre ciência e questões relacionadas à ciência que são parte de sua experiência diária.

VII. Aprender sobre ciência por seu apelo estético: O mundo natural tem um forte apelo

estético e seu conhecimento pode oferecer uma grande satisfação pessoal.

VIII. Preparar cidadãos que tenham simpatia pela ciência: A educação científica deveria

extrapolar o campo da própria ciência, preparando cidadãos que tenham uma atitude de simpatia pela ciência e a vontade de utilizar opinião científica.

IX. Compreender a natureza e a importância da tecnologia e a relação entre tecnologia e ciência: Por causa da importância prática da tecnologia para o mundo e por causa da íntima

relação que a tecnologia tem com a ciência, a educação científica deveria incluir uma discussão da natureza da tecnologia e da interdependência da ciência e da tecnologia, e deveria incluir uma prática nas habilidades necessárias para planejar, cumprir e avaliar designs tecnológicos.

O projeto CurtaCiência foi pensado de forma a dialogar com os pressupostos e princípios para um Ensino Médio de qualidade social (DCN, 2013) e com uma educação científica com vistas a promoção da alfabetização científica (Quadros 18 e 19).

Em se tratando daqueles pressupostos, elencamos alguns potenciais pedagógicos do projeto, como o reconhecimento e respeito à diversidade cultural, a aprendizagem de diversos conteúdos como cinema, documentários, fotografia, edição de vídeos, coleta seletiva,

compostagem, reciclagem, compostos orgânicos, microorganismos, pH, separação de misturas, moluscos, e outros, quando pensamos no Trabalho, Ciência, Tecnologia, Cultura como dimensões da formação humana .

O projeto colabora com o trabalho como princípio educativo quando contribui com a assiduidade, compromisso, trabalho em equipe, cumprimento de regras, organização, planejamento e aprender a lidar com o outro; e com a pesquisa como princípio educativo quando contribui para a busca de soluções, rejeição de ideias fechadas, reflexão, análise, proposição de alternativas, (re)construção de conhecimentos, interpretação e tomada de decisões.

Ao contribuir com o respeito, a diversidade, a construção da cidadania, a inclusão, ao não julgamento alheio, o projeto vai ao encontro dos direitos humanos como princípio norteador e por fim, ao contribuir com a educação cidadã, o estudo das relações entre CTSA, a tomada de atitude responsável, a (re)construção de concepções, a mudança de comportamento e a reflexão de questões sociocientíficas, dialoga com a Sustentabilidade ambiental como meta universal.

Tratando-se da educação científica com vistas à promoção da alfabetização científica, o projeto trabalhou com temas que partiram da realidade e da cultura dos alunos, como o bloco do Mé, o artesanato de conchas, que são aspectos culturais do município; contribuiu com o trabalho em equipe, o compromisso, a organização, o planejamento, o cumprimento de regras e o aprendizado de como lidar com o outro; permitiu a pesquisa dos temas sob diversos aspectos, como os econômicos, históricos, políticos, sociais e ambientais. Ou seja, contribuiu para a reflexão crítica e para o reconhecimento da inter-relação entre ciência, tecnologia, sociedade e ambiente, além da importância e influência de cada um. Além disso, o projeto CurtaCiência colaborou com o desenvolvimento de uma linguagem mais científica, melhorando a capacidade de argumentação dos alunos

Quadro 18 - Diálogo possível entre o projeto CurtaCiência e os pressupostos e fundamentos do Ensino Médio Pressupostos e fundamentos do EM Projeto CurtaCiência I. Trabalho, Ciência, Tecnologia, Cultura: dimensões da formação humana

Reconhecimento e respeito à diversidade cultural, aprendizagem sobre cinema, documentários, fotografia, edição de vídeos, coleta seletiva, compostagem, reciclagem, compostos orgânicos, microorganismos, pH, separação de misturas, moluscos, doenças sexualmente transmissíveis, drogas, poluição, dependência química, reações químicas, compostos inorgânicos, desequilíbrio ecológico, artesanato e decomposição.

II. Trabalho como

princípio educativo

Assiduidade, compromisso, trabalho em equipe, cumprimento de regras, organização, planejamento e aprender a lidar com o outro. III. Pesquisa como

princípio pedagógico

Buscar soluções, rejeitar ideias fechadas, refletir, analisar, propor alternativas, (re)construir conhecimentos, interpretar e tomar decisões.

IV. Direitos humanos como princípio norteador

Respeito, diversidade, construção da cidadania, inclusão, aprender a se colocar no lugar do outro e não fazer julgamentos.

V. Sustentabilidade ambiental como meta universal

Educação cidadã, relações entre CTSA, atitude responsável, (re)construção de concepções, mudança de comportamento e reflexão de questões sociocientíficas.

Quadro 19 - Relação entre os objetivos da educação científica e o projeto CurtaCiência

Objetivos para a Educação Científica Projeto CurtaCiência

I. Ensinar e aprender sobre ciência como uma força cultural no mundo moderno

Os temas trabalhados partiram da realidade, da cultura dos alunos, como o bloco do Mé, o artesanato de conchas, que são aspectos culturais do município. II. Preparação para o mundo do trabalho Permite o trabalho em equipe, o compromisso, a organização, o planejamento, o cumprimento de regras e o aprendizado de como lidar com o outro. III. Ensinar e aprender sobre uma ciência que

tem uma aplicação direta com o cotidiano

Temas da realidade dos alunos: acúmulo de lixo, artesanato de conchas, drogas na adolescência e o carnaval de Piúma.

IV. Ensinar estudantes a serem cidadãos informados

Permite a pesquisa dos temas sob diversos aspectos, como os econômicos, históricos, políticos, sociais e ambientais.

V. Aprender a ciência como maneira particular de examinar o mundo natural

Trabalhar com temas sociocientíficos controversos permite buscar explicações científicas.

VI. Compreender relatórios e discussões científicas que aparecem na mídia popular

Trabalhar com temas sociocientíficos controversos permite que os alunos questionem posicionamentos, como aqueles divulgados pela mídia popular. Ou seja, contribui para a reflexão crítica.

VII. Aprender sobre ciência por seu apelo estético

O projeto CurtaCiência pode contribuir para o desenvolvimento de uma linguagem mais científica, melhorando a capacidade de argumentação.

VIII. Preparar cidadãos que tenham simpatia pela ciência

O projeto contribui para a busca de informações científicas sobre os temas.

IX. Compreender a natureza e a importância da tecnologia e a relação entre tecnologia e ciência

O uso de temas sociocientíficos controversos permite reconhecer a inter-relação entre ciência, tecnologia, sociedade e ambiente, além da importância e influência de cada um.

Como verificado nos quadros 18 e 19, é possível constatar que o projeto CurtaCiência apresenta potencial pedagógico para contribuir com um ensino médio de qualidade social e com a promoção da AC dos alunos participantes.