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Gohn (2010) aponta que a educação formal acontece no território das escolas, em instituições regulamentadas por lei, certificadoras, organizadas segundo diretrizes nacionais, nos quais os educadores são os professores; a educação informal acontece em espaços educativos demarcados por referências de nacionalidade, localidade e outros, como a casa, a rua, o bairro, a igreja, em processos não intencionais, nos quais os educadores podem ser os pais, a família, os amigos, os vizinhos, ou seja, aqueles com quem convivemos; enquanto que a educação não formal acontece em territórios que acompanham a trajetória de vida dos grupos e indivíduos, fora das escolas, em locais informais, onde acontecem processos interativos intencionais, nos quais o educador é o “outro”, aqueles com os quais interagimos.

No projeto CurtaCiência a educação não formal aconteceu em diversos espaços, com diversos educadores com os quais os alunos interagiram (figura 14 e quadro 20).

Quadro 20 - Os espaços visitados pelos alunos e os educadores com os quais interagiram nesses espaços para cada documentário produzido.

Projeto 1: “Conchas com contos de artesanato: ocupação ou aumento de renda?” Espaços visitados Educadores

Feira de artesanato Ateliê de artesanato

Instituto Histórico e Geográfico de Piúma Loja de artesanato

Casa de morador

Artesãs

Atravessadoras

Turistas comprando artesanato

Filha da percursora do artesanato de conchas Moradores

Professores

Projeto 2: “Acúmulo de lixo: falta de educação ou necessidade de destino?” Espaços visitados Educadores

Recicla Piúma

Barbearia do Carlinhos Ilha do Gambá

Secretaria de Meio ambiente Casa de morador

Núcleo de Estudos em Educação ambiental (Neea)

Proprietário da Recicla Piúma Moradores

Coordenador do Neea Secretário de meio ambiente

Bióloga da Secretaria de Meio ambiente Alunos

Estagiários do Neea Professores

Projeto 3: “Carnaval e saúde: e depois do Mé?” Espaços visitados Educadores

Desfile do bloco do Mé Trio elétrico

Posto de saúde Municipal Comércio local Foliões Fundador do bloco do Mé Integrantes do bloco do Mé Enfermeira Comerciantes

Projeto 4: “Drogas na adolescência: uma questão social ou educacional?” Espaços visitados Educadores

Pastoral da Sobriedade de Piúma Secretário da Pastoral da Sobriedade

Com isso, pode-se contatar que o projeto CurtaCiência permitiu um diálogo entre a educação formal e a não formal, que aconteceu em diversos espaços da comunidade de Piúma. Dessa maneira, os alunos interagiram com a sociedade piumense, em espaços que ficam à margem

da sociedade e, sobretudo, à margem da escola, em locais ricos de saberes populares e culturais - nem sempre valorizados pela academia. Estudar temas sociocientíficos controversos de Piúma, como a questão do acúmulo de lixo, o artesanato de conchas, o Bloco do Mé e as drogas na adolescência permitiram levantar questões de relevância social que não são debatidos comumente nas escolas por não fazerem parte dos currículos diretamente.

Tratando-se dos resultados esperados com relação a educação formal, informal e não formal, Gohn (2010) aponta que na educação formal almeja-se a aprendizagem e uma certificação que capacite os indivíduos a prosseguirem para graus superiores, como os diplomas de Técnico em aquicultura integrado ao ensino médio ou técnico em pesca integrado ao ensino médio que os alunos do projeto CurtaCiência irão adquirir ao final do curso, juntamente com os colegas de sua sala. Já na educação informal, apesar de não se esperar nenhum resultado, eles acontecem por meio do senso comum do indivíduo que orienta seu pensamento e sua ação espontaneamente. Enquanto que na educação não formal, a autora aponta que se espera que o indivíduo desenvolva uma série de processos, como a consciência e organização de como agir em grupos coletivos; a construção e reconstrução de concepção(ões) de mundo e sobre o mundo; contribuição para um sentimento de identidade com uma dada comunidade; forma o indivíduo para a vida e suas adversidades; resgata a valorização de si próprio, dando condições aos indivíduos para desenvolverem sentimentos de autovalorização, de rejeição dos preconceitos que lhe são dirigidos, o desejo de lutarem para ser reconhecidos como iguais dentro de suas diferenças; os indivíduos aprendem a ler e interpretar o mundo que os cerca e desenvolve a cultura política do grupo.

A partir dessas informações e buscando estudar o potencial pedagógico da educação não formal, utilizamos esses processos descritos acima como categorias de análise dos termos e frases dos alunos durante o grupo focal. Todas as falas foram transcritas e analisadas uma a uma de acordo com cada categoria. Essa categorização está simplificada no quadro 21 a seguir, onde a categoria está relacionada com a frequência de termos e frases dos alunos durante o grupo focal e com trechos de algumas dessas frases a fim de exemplificar. É importante destacar que algumas falas dos alunos integraram mais de uma categoria de análise.

Categoria Frequência de citação

(vezes)

Transcrição de trechos das falas dos alunos no grupo focal

1. A consciência e organização de como agir em grupos coletivos

14 Uma das alunas relata que aprendeu a conviver melhor com o grupo e que a diferença entre as pessoas enriquece a discussão, o trabalho.

[...] eu, por exemplo, não tinha feito nenhum trabalho com o Vitinho, sabe. Três anos que a gente estuda junto e nunca fizemos nada. Eu e Fernanda particularmente a gente já tinha feito trabalho, só que a gente pensa um pouco diferente, a gente já tinha até brigado em outros trabalhos e tal, se desentendido. Só que nesse, não sei se foi por causa do tema, alguma coisa assim, que a gente gosta de fazer isso, que a gente começou a se entender mais, melhorou a convivência. Agora, a nossa relação, nosso grupo está muito melhor, melhorou do que se fosse só a gente sozinho. A gente viu que 1+ 1 são 2. Então, assim, é muito melhor você estar com outras pessoas mesmo elas pensando diferente porque uma complementa, por ser diferente, uma complementa a outra.

2. A construção e a reconstrução das concepções de mundo e sobre o mundo

68 Um dos alunos constata que o grupo percebeu que o lixo se relaciona com vários aspectos e que não existe uma visão certa do tema.

“O que acontece, a gente aprendeu, que pelo menos eu tirei dentro desse trabalho foi que o lixo não é só o lixo isolado, além do lixo você tem uma relação entre o lixo, você tem uma relação econômica, você tem uma relação social, e uma relação do meio ambiente. Então, o lixo, ele se encaixa nisso tudo [...] Então assim, o lixo pro exemplo se você jogar o lixo aqui, aqui na rua, ele não vai afetar só a visão, „poxa tem lixo!‟. Ele vai afetar a saúde, vai afetar a sociedade, vai afetar também um pouco a política [...] e a economia. Por exemplo, se você tem um projeto na cidade pra melhorar isso, a economia da cidade vai crescer, vai aumentar. Então assim, isso parte bastante da política, e também das pessoas, da sociedade [...] Porque não existe uma visão certa, não existe uma visão que é falta de educação das pessoas , não existe a visão que é a falta do governo, e sim que os dois andam lado a lado para piorar a situação [...] ou para melhorar”.

“antes você nem olhava e agora você olha para aquilo e você vê o contexto daquilo sabe, a história do que passou, o que a pessoa tem que fazer. Quando você entende sobre o assunto você valoriza ou mesmo você faz muito mais do que se você não soubesse, por exemplo o lixo. Eles agora agem desse jeito porque eles entendem agora o contexto que gira em torno disso[...]

3. Forma o

indivíduo para a

57 Um dos alunos demonstra uma visão mais ampla, mais integrada, destacando a importância da sustentabilidade para as futuras gerações.

vida e suas adversidades

“Tudo q a gente está vivendo, tudo que a gente está passando é consequência de algo do passado. Então, da mesma forma que a gente pode pensar assim, que o que a gente vai fazer hoje vai afetar do futuro, afetar as próximas gerações, da mesma forma, as coisas que fizeram no passado podem afetar e o que está afetando a gente hoje pode ter sido feito no passado. Por exemplo, a gente fez uma pergunta para um morador: „você acha que o lixo que era jogado antes, no passado, que era jogado nas ruas e tal, pode ter contribuído pro entupimento dos bueiros que a gente tem hoje pros alagamentos que a gente tem hoje?‟ Então assim, a gente via que isso interferia na vida que a gente tem hoje porque os efeitos de cada ação não é de agora para daqui há 10 minutos, é daqui para 10 anos [...]”.

4. Contribuição

para um sentimento

de identidade de

uma dada

comunidade

21 Uma aluna demonstra que passou a valorizar o artesanato de conchas de Piúma por conta da pesquisa.

“Na realidade eu nem sabia que aqui era a cidade das conchas. Eu não sabia. E por eu viver lá em Itaipava eu vinha pra cá eu nem reparava o artesanato. Agora não. Desde quando teve a feirinha dona Carmen que a gente foi entrevistar e tal eu comecei a reparar. A gente foi na casa da artesã e começou a olhar aquilo com outros olhos, ver a importância realmente daquilo sabe”.

5. Resgata o

sentimento de

valorização de si

próprio

23 Uma aluna reconhece que as pessoas são diferentes e isso contribui para o enriquecimento de informações.

“[...] o Léo por exemplo tem uma cultura diferente na casa dele, a família dele tem uma cultura diferente da minha. Eu tenho uma cultura diferente da de Fernanda, de Maykon, de todo mundo e é essa troca de informações que ajudou a gente a ter o resultado que a gente teve, entendeu? Porque a gente talvez não tivesse a cultura que tem, que é diferente da artesã, da atravessadora, e foi isso ai que fez o trabalho ficar bom”.

6. Os indivíduos

aprendem a ler e

interpretar o mundo

que os cerca

49 No grupo focal, uma das alunas destaca que aprendeu que não pode julgar a atitude do outro porque tudo depende. Cada um tem uma visão diferente sobre determinado assunto.

“[...]a gente não pode ter uma visão só, que tudo, tanto que as perguntas pras pessoas foi assim duas perguntas na resposta, isso ou aquilo. Não foi uma pergunta só. Então, pra tudo que a gente for fazer na vida, tanto na escola quanto em qualquer outro lugar, foi basicamente isso que a gente aprendeu. O princípio de tudo foi esse que a gente não pode dizer o certo ou o errado, que tem a balança. Você vê sempre, não pode dizer qual que é mais pesado”.

Ao conseguir realizar a análise das falas, permitindo conciliar termos e frases com as categorias de Gohn (2010), constatou-se que há inter-relação entre as ações pedagógicas desenvolvidas no projeto CurtaCiência e a filosofia adotada por Gohn (2010), que propõe uma educação não formal voltada para a cidadania. Na figura 14 pode-se verificar um gráfico que evidencia a distribuição da frequência de ocorrência dos termos e frases durante as entrevista de grupo focal em função das categorias de análise.

Figura 15 - Gráfico que relaciona a distribuição da frequência de ocorrência dos termos e frases durante as entrevista de grupo focal e as categorias de Gohn (2010).

Fonte: Arquivo da autora 14 68 57 21 23 49 53 0 10 20 30 40 50 60 70 80 1 2 3 4 5 6 7 7. Desenvolve a cultura política do grupo

53 Durante o grupo focal, uma das alunas relatou como teve que aprender a lidar com a entrevistada, ou seja, a aluna desenvolveu a cultura política.

“No caso da pessoa que a gente foi entrevistar teve um assunto lá que ela falou que preferia não comentar sobre o assunto, sabe. Porque as vezes é muito complicado para eles falarem sobre algum órgão responsável por isso, alguma coisa que afete ou que alguém depois vá lá tirar a satisfação com eles [...] quando é um pessoal mais antigo e tal tem um medo assim de dar algum problema pra eles, ai você tem que saber falar com a pessoa, tentar acalmar ela ou então perguntar de algum outro modo: „se você não citar o nome disso e falar desse jeito assado você pode falar?‟ ai ela „ah ta, desse jeito, eu posso‟. Ai ela foi e falou”.

A partir dessa análise foi possível verificar que o projeto CurtaCiência permitiu que os alunos tivessem contato com pessoas diferentes, que os ensinaram sobre assuntos da sua realidade, que tivessem uma mudança de comportamento em relação aos problemas sociocientíficos que estão presentes no seu cotidiano; permitiu a troca de conhecimentos e saberes entre diversas pessoas, permitiu o reconhecimento e valorização de si próprio e também do outro e do trabalho do outro, permitiu reconhecer que os temas se relacionavam a história, a economia, a política, a tecnologia, ao ambiente e principalmente a sociedade, permitiu reconhecer e respeitar que as pessoas tem visões diferentes acerca de determinados assuntos, além de ter permitido que o aprendizado ocorresse de forma diferente e mais prazerosa para os alunos. Ou seja, o diálogo estabelecido entre a educação formal e a não formal no projeto CurtaCiência apresentou um potencial para a formação da cidadania.

A pesquisa a partir da educação não formal nos permitiu constatar então que o aprendizado é construído por meio da troca de experiências entre os indivíduos, de forma lúdica, por meio do desenvolvimento da curiosidade, possibilitando o estabelecimento de relações entre diversas áreas do conhecimento e incentivando o respeito às diferenças.

É importante destacar que esse trabalho não buscou substituir a educação formal pela educação não formal e muito menos criar um espaço de competição entre eles. Assim como Gohn (2010) destaca, elas devem ser complementares e trabalhadas conjuntamente para que permitam um aprendizado integrado, mais humano, de qualidade e com vistas à formação para a cidadania.