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Debate sobre a distância e a proximidade do ponto de vista da aura e da arte

2.1 Debate em torno da noção Aura: aura como totalidade e aura como constelação

2.1.3 Debate sobre a distância e a proximidade do ponto de vista da aura e da arte

2.1.3.1 Aura e autonomia estética

Em primeiro lugar, nos deteremos sobre a dimensão espacial presente na teoria da aura. A categoria principal a ser trabalhada, aqui, é a noção de distância (à qual pressupõe-se o debate também sobre a proximidade). Há, em Benjamin (1975), uma ênfase na inacessibilidade do objeto de culto, inacessibilidade que ele próprio julga como negativa, além de decorrer da conexão intrínseca que havia entre obra de arte e tradição. Todavia, para Adorno a distância não é algo negativo. Adorno (1970) retoma Kant para reafirmar sua posição: a esfera estética é consequência da sua separação do reino dos fins. A autonomia da arte, um valor essencial para Adorno, é conforme à aura enquanto distância: poder-se-ia dizer

sem traí-lo que o distanciamento estético é herdeiro secular da aura. A esfera estética é, na sua pressuposição, contrária a qualquer prática e finalidade prática. A arte não tem como objetivo a intervenção sobre o mundo. Se, por um lado, o mundo está fechado à arte, à distância, se ela não tem poder sobre ele, por outro, ela também está fechada ao mundo e aos sujeitos que a ele pertencem, à distância. Ou seja, justifica a distância existente entre a obra de arte e o público. A distância (no caso, a dimensão visual e contemplativa) é defendida por Adorno em detrimento das possibilidades táteis, de posse, usufruto, de proximidade. “A definição benjaminiana da aura captou bem este momento intra-estético, mas atribuiu-o a um estádio passado e considerou-o como sem validade para a época actual de reprodutibilidade técnica da obra”, diz Adorno (1970, p. 341). Todavia, embora considere vantajoso e necessário o distanciamento – parte importante da própria aura – Adorno vai além da dimensão contemplativa e da dimensão tátil. Para ele, o adequado comportamento estético é o comportamento mimético, pois este é, ao mesmo tempo, manutenção da distância, mas, também, proximidade. Esta proximidade, todavia, é diferente do potencial tátil, dominador do sujeito sobre a obra. O comportamento mimético significa o sair de si mesmo e perder-se na

alteridade, naquilo que excede o sujeito, sua identidade. Sobre isto mais será dito à frente e

não é necessário nos anteciparmos.

2.1.3.2 Aura e autoridade

Benjamin acreditava que, com a destruição da aura, também se aniquilava a autoridade das obras, uma vez que a força do culto e da aura se tornavam menores devido à proximidade, à exposição, à superação do original. Do ponto de vista de Adorno, há um equívoco. A autoridade de outrora, de fato, ligava-se à tradição, todavia, devido às condições sociais da modernidade, à especialização e aos processos de autonomização, ao desenvolvimento técnico dentro da esfera artística, a arte acaba por tornar-se cada vez mais fechada à sociedade e não hesita em dizer que “nas obras mais autênticas, a autoridade, que outrora deviam exercer sobre as gentes as obras cultuais, tornou-se uma lei imanente” (ADORNO, 1970, p.29). O fechamento da arte frente à sociedade nada mais é que a manutenção e a afirmação da distância, como, por exemplo, no caso dos artistas da arte pura (ou a poesia pura) e que, ao se debruçarem sobre a linguagem, ao desenvolverem procedimentos específicos, não- convencionais, inovadores, acabaram, por consequência, a afastar a linguagem do uso comum e vulgar. Ou seja, a linguagem artística, ao mesmo tempo, produzia distância com relação à esfera do dia a dia, como também afirmava a autoridade dos artistas sobre os demais, através

de uma linguagem inacessível e privilegiada. Deve-se, então, ressaltar o fato de que a técnica é fundamental para a persistência da autoridade (um dos elementos constituintes da aura como totalidade). Assim Adorno define a aura, interpretando-a no contexto exposto: “o momento aurático que, de modo aparentemente paradoxal, se associa ao métier, é a lembrança da mão que, ternamente e quase acariciadora, roça os contornos da obra e, ao articulá-la, também a suaviza” (1970, p.241). A aura, deste ponto de vista, é intrínseca ao “fazer artístico”, do uso estético da técnica, de tal modo que, no adequado uso autônomo, a técnica moderna contribui para a manutenção da aura, não apenas para a sua destruição, como no caso da reprodutibilidade técnica.

2.1.3.3 Aura e interdição

Um último aspecto ligado à dimensão espacial da teoria da aura é a interpretação que se deu à dimensão social da inacessibilidade da arte: a interdição. Observamos que um dos aspectos ligado à autoridade e ao culto é que as obras são interditadas. Não se pode tocá-las no sentido de possui-las. Pertencem à esfera do sagrado, estão à distância do mundo cotidiano. Um dos objetos do interdito, no que se refere ao debate, é o desejo de posse. Adorno (1970) foi um defensor da interdição do desejo, naquilo em que esta tendência é conforme à razão dominadora. Para ele, a vontade dos sujeitos de se apropriarem das obras, de torná-las submissas, de integrarem-na na subjetividade, é relacionado a um comportamento pré-estético (lembrando que é estético aquilo que está separado do reino dos fins: neste caso a satisfação de desejos subjetivos). A interdição contribui para a adequada experiência estética. Todavia, seria um equívoco esquecer que a dimensão espacial da aura implica também na proximidade. Adorno (1970) não nega a “co-participação” do sujeito na obra. Lembre-se que o significado de aura, proveniente do latim, é sopro. Em concordância com Benjamin, ele diz que é preciso respirar a aura da obra. Todavia, Adorno defende a mímesis na dimensão espacial. Como foi dito, o sujeito deve perder-se na obra. O fato é que há uma distância muito grande entre o perder-se na obra e o consumir a obra e integrá-la à subjetividade. O primeiro movimento significa o << sair de si e avançar para a alteridade >>, enquanto o segundo implica na << manutenção de si e absorção do outro no si mesmo >>.