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3.4 A Crítica do Gosto em Adorno

3.4.3 O ponto de vista da universalidade

Um dos momentos da antinomia kantiana do gosto referia-se à possibilidade de se estabelecer um consenso acerca dos objetos do gosto – em questão, o belo. Nesse caso, seria um consenso diferente do estabelecido através da razão. Uma vez que o juízo estético é imediato, que prescinde de conceitos, e, ao mesmo tempo, que não tem nenhuma conexão com o conhecimento, compreende-se que este consenso seja baseado em algo além da razão. Para Eagleton (1993) a estética, de um modo geral, é um projeto de harmonia social que visa o estabelecimento de consensos através do sentimento, uma vez que as demais estruturas de poder (mercado, estado) não são capazes de instaurá-lo e, ao tentá-lo, facilmente exprimem sua exterioridade em relação à subjetividade dos sujeitos.

Eagleton não está exagerando. Os filósofos do gosto estiveram, em alguma medida, posicionados de forma crítica à cisão cartesiana entre sensação e razão, ao mesmo tempo em que criticavam o consenso derivado do exterior – da autoridade das tradições, da metafísica e da razão abstrata. O consenso através do gosto era uma forma de tornar possível que, através da vivência e da intersubjetividade, fosse possível fundar uma comunidade, de colocar-se em um nível comum, uma humanidade, acima do egoísmo e dos interesses privados. O gosto era, assim, tanto em sua dimensão sensível quanto cognitiva, algo que ligava as pessoas para além das estruturas de poder e que, nesse sentido, lhes era conveniente (GADAMER, v. 1, 1997).

Na Dialética do Esclarecimento, Adorno e Horkheimer (1985) negam veementemente a posição durkheimiana de que as formas de pensamento sejam expressão da mais imediata solidariedade. Neste caso, Durkheim referia-se ao <<conformismo lógico>>, isto é, à homogeneidade das categorias do entendimento na vida social. Para Durkheim, essa universalidade derivaria da própria sociedade, ao mesmo tempo em que é fundamental para sua conservação e continuidade.

De modo análogo, se a homogeneidade do entendimento (como foi mostrado na captura do esquematismo kantiano) exprime uma relação de poder, uma forma de dominação

social, o consenso baseado no sentimento, embora seja estético e afim à defesa que Adorno estabeleceu da experiência estética contra a razão dominadora, também pode ser visto como consequência da intervenção do social sobre o individual – não apenas com relação às categorias e conceitos do entendimento, mas também em referência outra dimensão, a sensível ou mesmo à faculdade da imaginação.

Na Dialética Negativa, há uma passagem famosa de Adorno. Segundo Hegel, <<o todo é a verdade>>. Em oposição a esta tese, afirma que <<o todo é o falso>>. Isso se refere tanto à universalidade proveniente do entendimento – o conhecimento – como também pode ser aplicado à dimensão estética – a universalidade do juízo estético, principalmente, na cultura de massas. Desse modo, o consenso estético não está distante das demais formas de imposição da totalidade sobre as partes. Já foi mostrado como a universalidade é obtida.

Nesse sentido, é importante lembrar como a cultura foi reduzida a uma função meramente instrumental: integração social e reconciliação entre particular e universal através da mercantilização da produção simbólica massificada, assim como através da adequada equiparação entre <<mercadoria>> e <<subjetividade>>. A coesão social – em nível de entendimento e sentimento –, na sociedade administrada, é resultado da reconciliação forçada – razão pela qual é falsa, para Adorno (1985) – e é fundada na identidade entre o particular e o universal, ou seja, através da liquidação do sujeito, em sua singularidade, passando a enformá-lo de modo que possa se reconhecer, imediatamente, com a realidade social objetiva. A antinomia kantiana do gosto, todavia, fala que essa universalidade é apenas uma esperança e tem a ver mais com as condições a priori do juízo estético. Mas, como já foi dito, Adorno tem uma leitura sociológica da experiência subjetiva do mundo. Entretanto, o fato de questionar e suspeitar da universalidade do gosto e de seu caráter positivo, Adorno realiza aqui um dos pressupostos kantianos: a possibilidade de discutir o gosto. Talvez, de algum modo, em sua teoria, haja mais do que simples discussão, uma vez que o gosto está inserido em uma crítica social mais abrangente e, do ponto de vista de Adorno, tenha a ver com a questão da verdade, do conhecimento, da crítica. Entretanto, a pergunta é: se a universalidade é indesejada, do ponto de vista de Adorno, por qual razão ele se esforça em seus escritos por discutir o gosto, se isto é, em alguma medida, a esperança de conseguir o assentimento de terceiros?

O motivo mais convincente é, exatamente, o fato de que a discussão sobre o gosto é uma discussão sobre a sociedade, ou seja, a dimensão estética como sublimação da dimensão social. Nesse sentido, a crítica do gosto aparece como uma forma de revelar sua origem pré- e extra-estética. Além disso, essa universalidade através do sentimento lhe aparece como pré-

determinada por motivos sociais e não tem a ver, essencialmente, com a experiência propriamente estética. Talvez, o consenso verdadeiramente estético lhe fosse bem visto.

Um exemplo disso é a questão da moda. Ela é normalmente vista como tendo uma origem <<espontânea>> e, ao mesmo tempo, <<necessária>>. Aparece como uma tendência que, embora provenha do exterior, aparece como adequada aos indivíduos. A moda aparece como uma forma de tensionar a capacidade dos sujeitos de estabelecerem julgamentos estéticos: tensionar sua dimensão livre e determinada. A moda não é, necessariamente, negativa, como já foi mostrado. Um dos argumentos de como a moda não é, essencialmente, heterônoma, é afirmação de que ela deve ser <<adequada ao estilo de cada um>>. Assim, apesar da tendência social mais ampla, encontra-se uma harmonia entre o <<particular>> e o <<universal>>, entre sujeito e sociedade.

Adorno manteve inúmeras suspeitas sobre o caráter positivo da harmonia e, nesse caso, não se passa diferente.