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2.2 Sobre a categoria estética de estilo: entre a diferença e a padronização

2.2.4 Estilo, Moda e o Novo

O estilo, tanto em sua dimensão estética quanto em sua dimensão social, está também em conexão com a noção de moda e do novo: nisso também se percebe alguns vestígios da diferença na indústria cultural. A moda é, para Adorno (1970), contraditória, na esfera da arte: por um lado, ela exprime a tendência progressista, o caráter atraente daquilo que é novo, o não-envelhecido; por outro, expressa a força do mercado, da sociedade, sobre a esfera da arte e sobre os sujeitos, daquilo que liga a produção ao consumo segundo uma lógica extra- estética, e que conduz ao consenso, à universalidade do julgamento e da experiência. Na indústria cultural, a moda está intimamente ligada à universalidade do julgamento e da experiência, assim como também à experiência da arte como objeto de prestígio, de distinção, de consumo: da arte como mercadoria (ADORNO; HORKHEIMER, 1985). Por outro lado, a indústria cultural não suprime aquilo que irradia o brilho da novidade, o frescor do não- envelhecido. Mas ela alcança este efeito sem que precise ligar-se ao substancialmente novo, àquilo que vai além do pré-existente.

Na arte autônoma, Adorno (1970) argumenta que é preciso defender-se do caráter manipulador da moda, daquilo que aspira ao consenso, porém manter-se igualmente íntimo dela, daquilo que aponta para o novo, para o curso da história, lembrando que mesmo autores como Rimbaud e Baudelaire estiveram atentos àquilo que historicamente emergiu como tendência literária, como alguns temas.

Mas, certamente, o que há de mais interessante na análise da moda, em Adorno, é sua crítica aos tabus estéticos da: interioridade; atemporalidade; profundidade. A moda dá ênfase ao caráter aparente dos objetos, àquilo que aparece e é sensivelmente percebido e experimentado; a moda revela a historicidade da arte, indo além do desejo impossível de alcançar a imortalidade; a moda realiza a crítica da profundidade, reconduzindo a experiência

às coisas mais mundanas, fugazes, efêmeras. Ora, se na arte autônoma isto contribui para seu caráter dinâmico, na indústria cultural a moda, nesta oposição, aponta para outros caminhos. Primeiro, a ênfase da indústria cultural no caráter aparente dos objetos conduz àquela ditadura da atmosfera, à idolatria do efeito, reduzindo a arte (enquanto constelação de momentos) à ditadura do estímulo; segundo, ao não aspirar à duração, a arte poderia abrir-se àquilo que é novo, mas, ao mesmo tempo, a indústria cultural imortaliza determinadas técnicas e efeitos conduzindo a arte para o kitsch; por fim, a indústria cultural, ao negar aquilo que há de profundo, nega também à arte sua possibilidade de autonomia, de que ela seja algo além da mercadoria, de que ela possua alguma relação com a transcendência.

A moda, naquilo que ela tem de leviana, diz Adorno, contribuiria para que a arte, naquilo que ela se liga ao sofrimento e à seriedade, participe também do curso da história e, nesta imersão, experimente-o e tome conhecimento das contradições históricas. Na indústria cultural, a moda é estrada que desemboca no consenso, na imitação, no kitsch e na diversão.

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No início do texto sobre a teoria da indústria cultural, Adorno (1985, p. 99) diz:

na opinião dos sociólogos, a perda do apoio que a religião objetiva fornecia, a dissolução dos últimos resíduos pré-capitalistas, a diferenciação técnica e social e a extrema especialização levaram a um caos cultural. Ora essa opinião encontra a cada dia um novo desmentido. Pois a cultura contemporânea confere a tudo um ar de semelhança.

Em que medida esta nova unidade não se alimenta da captura da atmosfera; em que medida ela não se apropria da categoria estética de estilo, naquilo que ela tem de mais próximo com a noção de estilo de vida? Como ignorar os processos que tornam a experiência futura dedutível das antigas? Como não lembrar dos questionamentos de Adorno sobre os limites da experiência possível e a possiblidade de se ter experiência viva?

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Se a Aura e o Estilo servem aos propósitos tanto da arte autônoma quanto dos objetos da indústria cultural, devemos prosseguir nossa leitura estética. Agora, do ponto de vista do gosto e dos elementos aos quais sua reflexão nos remete.

Se o estilo é uma ampliação do gosto, e se ele opera uma estruturação da vida social, uma forma de organização e de administração, uma forma de pensá-lo do ponto de vista do indivíduo (estilo como unidade de preferências) e do ponto de vista coletivo (estilo como algo

que une as pessoas a partir de suas preferências), a reflexão sobre o gosto nos levará à lógica social, administrada, e à lógica individual, marcada pelo pensamento identitário.

Invariavelmente, o estilo e o gosto aparecem como uma forma de identidade e, ligados que estão à indústria cultural, revelam uma cumplicidade com a ordem existente.

3 CRÍTICA DO GOSTO E MAIORIDADE ESTÉTICA

A reflexão sobre a categoria do gosto, em sua acepção estética, é fundamental. Em torno dela uma série de problemas vêm à tona. Através dela, torna-se possível pensar como Adorno, ao mesmo tempo em que fez da arte e da experiência estética um espaço de resistência e crítica à razão instrumental, teve de lidar com o que há de mais específico à experiência estética: a experiência imediata. Exatamente ela, a imediatidade, a qual é tão afim ao positivismo – na esfera epistemológica – e às inúmeras outras formas de reificação, além de estar vinculada aos danos ocasionados pelo pensamento identitário.

Desse modo, espero mostrar como, por um lado, ela é instrumentalizada na indústria cultural e como, para manter a arte salvaguardada, Adorno teve que, de algum modo, conservá-la, uma vez que, sem essa dimensão mais imediata, espontânea, a arte tornar-se-ia semelhante à ciência, sem ser capaz de fazer o que esta faz – produzir conhecimento discursivo. A arte, que para Adorno (1970) é uma forma de conhecimento, não pode abrir mão desse momento – o imediato.

Assim, vamos, através da problematização do gosto – que é, em um de seus sentidos, a faculdade de julgar imediatamente o belo –, expor uma constelação de problemas.

Primeiro, apresentar a categoria do gosto e, a partir daí, expor e refletir sobre a posição da categoria do gosto na estética de Adorno, ao mesmo tempo em que, por outro lado, apontamos para sua posição em outras estéticas (Kant e Schiller) e na indústria cultural. Em um segundo momento, pensaremos a conexão existente entre <<gosto>> e <<jogo>>, estando este último ligado à ideia de que a arte está aquém e além da realidade, não visa ligar-se a ela, mas tornar-se uma esfera própria. Por fim, tematizaremos uma série de posições de Adorno com relação a aspectos históricos e sociais, nem sempre manifestos em sua estética.

Nessa tematização, insere-se tanto a questão da regressão da subjetividade quanto a antiga oposição existente entre o modo de conhecimento dialético e tudo aquilo que é pressuposto e proposto pelo positivismo. Nesta última proposta, para muitos, é bastante conhecida a posição entre Adorno, e a Escola de Frankfurt de um modo geral, e o positivismo. Entretanto, aqui tem-se um objetivo diferente da exposição desse debate. Quer-se mostrar como esta oposição – entre dialética e positivismo – reaparece na dimensão estética, de modo direto ou sublimado, estabelecendo uma distinção, segundo a perspectiva de Adorno, entre a arte, como lugar privilegiado para a persistência da dialética (parafraseando Jameson), e a indústria cultural, como modelo cultural do positivismo.