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CAPÍTULO III: Discursos teórico-científicos sobre a construção de leis

3.4. Debates em torno da perspectiva teórica realeana

Refletindo-se sobre proposições metodológicas da Teoria Tridimensional do Direito,

pode-se afirmar que historicamente, os operadores do Direito atuantes no núcleo elaborador

do Código Civil de 2002 - Comissão Elaboradora e Poder Legislativo - não seguiram à risca a

regra teórica de fazer constar nos ordenamentos jurídicos uma regulamentação correspondente

a todas as inovações das várias áreas de conhecimento.

Neste sentido, há que se ressaltar que a Comissão Elaboradora do Código Civil não

detinha o poder de sancionar a lei que concederia vigor aos enunciados legais: o Poder

Legislativo é o poder estatal legitimado para esta finalidade, e por esta razão, não se pode

concentrar somente na Comissão Elaboradora a investigação sobre as possíveis causas da

existência de lacunas no ordenamento jurídico.

Significa dizer que uma vez elaborada uma proposta legislativa pela referida

Comissão, o trâmite institucional segue o caminho da submissão ao Poder Legislativo para

fins de análise e “possível” aprovação, onde há o instrumento denominado “veto” a ser

utilizado para que determinados enunciados não sejam aprovados para fins de sancionamento.

Por esta razão, vale refletir sobre as causas motivadoras para que o campo jurídico

sempre se mostre muito mais cauteloso em relação às mudanças mais progressistas que são

apresentadas pelas sociedades, ou seja, questionar-se concisamente: por que os agentes que

participam do processo de movimentação e estruturação do ordenamento jurídico pautam-se

nesta postura de contenção em relação aos progressos mais evidentes?

Neste bojo, o contexto evidencia práticas político-legislativas que possibilitam

identificar que as orientações intelectuais das instâncias superiores dos poderes políticos não

atenderam aos fenômenos sociais existentes. Há que se ressaltar, todavia, que os debates

havidos nessas instâncias eram intensos acerca de todos os aspectos relevantes da sociedade,

incluindo-se nesta pauta os avanços tecno-científicos relacionados à reprodução humana, pois

as idéias que permeavam o social, notadamente o potencial surgimento de uma nova

concepção de família, foram fatores largamente debatidos no campo da intelectualidade.

Verifica-se - segundo corrente majoritária no âmbito da Ciência Jurídica – que tais

instâncias permitiram deixar-se instituir na sociedade brasileira, e a partir do final do contexto

situado, uma Lei Civil comprometida desde o seu nascedouro, uma vez que concebida sem

corresponder aos anseios mediatos e imediatos da sociedade.

Com razão se expressa esta corrente, pois o raciocínio a ser empregado para entender-

se esta divergência entre “teoria e prática” pode partir de uma visão mediana sobre os fatos

sociais, possibilitando o levantamento de questões acerca da real efetividade sobre as teorias

aplicáveis sobre a construção de leis.

Sobre o mecanismo realeano de recepção dos fatos sociais para fins de elaboração de

normas, lançam-se alguns questionamentos iniciais como premissa metodológica de

compreensão do fenômeno havido: é possível dotar de valoração um determinado fato social

relevante de maneira não correspondente aos anseios sociais constatados? Há um “sentido”

concreto à norma instituída nestes termos? Quais os elementos motivadores para que esta

norma seja elevada ao grau de vigência? Dada a vigência dessa norma, a lacuna existente

traduz-se na expressão da atribuição de um valor conservador e puramente ideológico

atribuído pelos elaboradores desta Lei? Quais as idéias que permearam as bases fundamentais

desta Lei?

No que concerne à possibilidade de valoração de um fato social relevante de maneira

divergente aos anseios sociais, tem-se por certo que o grau de subjetividade contidos nos

mecanismos de valoração torna dedutível tal possibilidade, o que faz com que o fato social

seja suscetível às considerações e interpretações de acordo com o entendimento e

conveniências particulares dos operadores que o analisam sob esta perspectiva.

Como mencionado anteriormente, não há como estabelecer critérios objetivos para

fins de elaboração de normas, pois, sendo emanados da dinâmica social de maneira aleatória

e, logo, sem uma previsibilidade exata, os fatos sociais não podem ser equacionados por meio

de operações matemáticas.

Elencar valores acerca de fatos sociais e considerá-los com o intuito de construção de

normas não permite ao elaborador da norma “somar” estes valores, mas sim, “relacioná-los”,

ponto este em que se repousa a aplicação do subjetivismo na elaboração normativa.

Porém, o “sentido” concreto à norma instituída nestes termos é questionável ao tempo

em que se desconhece a real motivação para que os substratos das valorações relacionadas

não correspondam à soma de fatores que construíram o fato social. Convém esclarecer que a

expressão “soma de fatores” é utilizável para a compreensão do raciocínio empregado, pois,

seguindo-se o sentido etimológico da palavra “fator”, este pode ser o acontecimento que

contribui para um determinado resultado. Assim, um “fato social” pode ser constituído de

vários fatores convergentes entre si, gerando tal resultado.

Quando tais fatores – que constituem a gênese dos anseios emanados da sociedade -

deixam de serem somados para a delimitação e configuração exata do “fato social” a ser

observado pelo legislador, tem-se por comprometido o processo de captação da realidade

social. É neste momento que o entendimento acerca dos elementos motivadores que elevaram

esta norma ao grau de vigência torna-se crucial, para que haja uma justificação de sua

legitimidade.

Assim, convém observar que os fatos sociais efetivamente considerados não

correspondem, obrigatoriamente, a todos os “fatores” existentes num determinado contexto

histórico-social, seja pela inaplicabilidade da “soma” de fatos sociais mesmo que

convergentes, seja pela submissão ao elemento subjetivo do legislador ao “somar” os fatores

que constroem os fatos sociais.

fatores existentes acerca de um mesmo fato social. O legislador, como ente humano, está

adstrito ao seu universo e ao que lhe é suscetível, não importando, necessariamente, que todo

o acontecimento existente no corpo social seja de seu conhecimento.