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CAPÍTULO IV: O Código Civil de 2002 como extrato dos discursos jurídicos

4.5. Da necessidade de legislação específica

Uma característica do desenvolvimento científico e tecnológico na área dos

procedimentos aplicados na reprodução humana é sua anterioridade, ou seja, a sua

apresentação antecipada ao debate social, nos quais se devem focalizar seus dilemas e seus

impactos sociais.

Assim, a normatização, a legislação e o direito aplicados a estes procedimentos são

fenômenos que ocorrem em momentos posteriores aos fatos, uma vez que as várias

comunidades científicas relacionadas (médicos, biólogos, geneticistas, etc.), legisladores,

gestores, juristas, não aderem ao cumprimento do dever de explanar a problemática de

questões relevantes no âmbito geral da sociedade.

Aliam-se ainda a estes fatos as questões de ordem corporativa, onde as perspectivas de

participação na decisão dos caminhos a serem percorridos pelas ciências e pela tecnologia,

como forma de detenção de poder, formam um conjunto de fatores que não permitem a

captação da realidade científica imediata. Por outro lado, o desenvolvimento científico as

ciências tecnobiológicas fez emergir na sociedade uma infinidade de novos aspectos e

problemáticas jurídicas, filosóficas e políticas, e, dada a realização dos fatos, ocorre-se um

alarde em relação no que se refere ao Direito, notadamente sobre legislação e normatização de

condutas.

Alguns aspectos acerca da inaplicabilidade de leis nas hipóteses de reprodução

assistida, ou, as limitações das referidas leis vigentes, são pontos de intersecção entre os

conclames sociais e seu eventual não atendimento ou ausência de respaldo normativo.

Conforme afirma Alberto Silva Franco:

As técnicas de reprodução assistida e as pesquisas no terreno da engenharia genética põem em discussão, de modo extremamente abrangente, questões fundamentais relativas ao ser humano. Conceitos e posições já estratificados, no passado, sofrem abalos profundos e mostram-se inapropriados diante de uma realidade nova e dinâmica. A velocidade com que atuam as ciências biomédicas é simplesmente espantosa: em tempo cada vez menor, surgem e se sucedem técnicas, com novos e ingentes questionamentos. O Direito foi, sem dúvida, apanhado de surpresa e seu equipamento conceitual se revelou inadequado, despreparado e, em algumas situações, até mesmo superado para equacionar os problemas propostos pelo progresso acelerado das ciências biomédicas. É necessário, no entanto, que se ponha termo ao descompasso e que se preencha o vácuo representado pela ausência do Direito. Progresso científico feito à margem da perspectiva jurídica pode apresentar deformidades graves que se traduzem em efeitos perversos para a humanidade (FRANCO, 2003).

Hodiernamente tem-se, como exemplo, a Lei da Biossegurança, que regulamenta

atividades da engenharia genética, sem oferecer regulamentações específicas sobre outros

meios biotecnológicos que empreguem organismos não geneticamente modificados, além de

abordar também a questão da função social da reprodução assistida, como sendo um direito à

saúde, e, portanto, acessível a todos.

A inserção dos direitos sexuais e reprodutivos, incorporados ao elenco de Direitos Humanos, assegura às pessoas o direito ao planejamento familiar para organização da vida reprodutiva, incluindo-se o recurso a toda descoberta científica que possa vir garantir o tratamento de patologias ligadas à função reprodutiva, desde que considerados seguros e não causadores de riscos aos usuários e usuárias (BRAUNER, 2005).

A partir da legislação específica, tenta-se evitar a escolha dos caracteres genéticos da

criança sem motivos relevantes, o que configura, em tese, uma modalidade de prática

eugênica.

questão da reprodução assistida mencionando outras espécies de parentesco civil além

daquele decorrente da adoção, acolhendo, assim, a noção de que há também parentesco civil

no vínculo parental proveniente quer das técnicas de reprodução assistida heteróloga

relativamente ao pai (ou mãe) que não contribuiu com seu material fecundante, quer da

paternidade socioafetiva, a qual se funda na posse do estado de filho.

No entanto, nada regulamentou sobre as controvérsias dos efeitos da reprodução

assistida, ressaltando-se as hipóteses constatáveis ao tempo da elaboração da referida norma, e

ainda, aquelas que a inteligência do homem mediano pode inferir. Destarte, torna-se visível o

descompasso entre o desenvolvimento técnico-científico e a criação de regras para aplicação

dos resultados obtidos com os avanços ocorridos, implicando à sociedade questões complexas

notadamente referentes à constituição da família, aos liames de parentesco, a formalização da

herança e a consangüinidade como fator caracterizador do vínculo parental. Segundo Matilde

Carone Slaibi Conti:

A norma constitucional consagrou a liberdade de criação científica como um dos direitos fundamentais, tornando-a, assim, a regra que deve comandar toda atuação na área das ciências. Se tal interpretação guarda pertinência, não menos correta é a conclusão de que o texto constitucional reconheceu implicitamente o direito à liberdade de pesquisa, posto que a atividade científica é, na generalidade dos casos, antecedida por um tempo, mais ou menos largo, de trabalho investigatório. A liberdade de pesquisa é, na realidade, um pressuposto inafastável, um antecedente lógico da atividade científica.

O ponto de equilíbrio deve ser buscado num dos princípios estruturantes do Estado Democrático de Direito, isto é, na dignidade da pessoa humana. Nenhuma liberdade de pesquisa pode ser aceita, no campo da investigação científica, se significa o emprego de técnicas, o uso de métodos ou a adoção de fins que lesem ou ponham em perigo a dignidade que deve ser assegurada a toda pessoa humana no seu percurso vital (CONTI, 2001. p. 89).

Hodiernamente, a crítica maior em torno do tema direciona-se ao fato de ser a

liberdade para o desenvolvimento em pesquisas científicas totalmente absoluta, tornando-se,

assim, necessária a imposição de limitações legais principalmente quanto aos bens tutelados

constitucionalmente, como exemplos, a integridade e preservação da dignidade da pessoa

humana, visando-se evitar quaisquer possibilidades de extremismos que possam ser fatos

geradores da má utilização das biotecnologias e de alguma forma, ser objeto de ameaça ao

próprio ser humano. Neste sentido, são importantes as palavras de Eduardo de Oliveira Leite

sobre este tema, as quais transmitem o fervor com que alguns juristas clamam pela

necessidade de melhor aparato legislativo referente ao tema “reprodução assistida”, senão

vejamos:

Na ausência de força cogente, entretanto, a maioria destas propostas se perde no terreno das intenções e não chega a produzir o esperado resultado que a situação clama.

Uma coisa, porém, é certa: enquanto a aldeia global não assumir uma posição coerente e uníssona sobre o problema que diz respeito à integridade física e psicológica do Homem, compete ao legislador nacional, por meio de mecanismos legislativos claros, precisos e objetivos, estabelecer os limites entre o lícito e o ilícito, sob o risco de comprometer o futuro da raça humana (LEITE, 2004. p. 94).

Para Flávia Piovesan, a necessidade de legislação específica para a utilização das

técnicas de reprodução humana assistida tem a finalidade de consagrar o Princípio da

Dignidade da Pessoa Humana, o qual é uma concepção que constitui os princípios

constitucionais que se incorporam às exigências de justiça e dos valores éticos, e confere

respaldo axiológico ao ordenamento jurídico brasileiro (PIOVESAN, 2004. p. 56-57).