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2 Os direitos: uma teoria da interpretação constitucional

2.2 Decisão judicial e teoria constitucional

Num regime constitucional a autoridade legítima é a autoridade da Constituição. A supremacia da Constituição deve ser, deste modo, o ponto de partida de uma

98 O problema identificado pela dificuldade contramajoritária é o seguinte: na extensão em que democracia

implica receptividade à vontade popular, como explicar que um ramo do governo cujos membros são irresponsáveis perante o povo tenha o poder de reverter decisões populares? (BICKEL, 1986, p. 16; ELY, 1980, p. 4-5; FRIEDMAN, 1998, p. 335)

abordagem teórico-constitucional consistente. Impende, por isso, tomar ciência das implicações deste postulado sobre as controvérsias constitucionais e, a partir daí, definir mais claramente o rol de questões relevantes para a teoria constitucional. Só depois desse exercício de esclarecimento das perguntas será possível sair em busca das respostas.

A submissão à Constituição é um aspecto inabdicável de qualquer comportamento estatal legítimo em uma democracia constitucional. A responsabilidade primeira de qualquer agente público de um regime constitucional é obedecer à Constituição. Os juízes, como agentes públicos que são, devem conformar suas decisões às imposições constitucionais. Não fosse assim, existiria algo de errado com o princípio da supremacia da Constituição. Este postulado, contudo, nem sempre pode ser cumprido facilmente. Existem diversos casos em que a orientação fornecida pelo texto constitucional aos seus intérpretes não é clara. De modo que um comportamento que, para alguns, parece uma exigência irremediável da Constituição, para outros, pode parecer absolutamente incompatível com ela. Como juízes e tribunais deverão se comportar nesses casos, sem abrir mão de seu compromisso com a Constituição?

Surpreendidos por tão profundo desacordo, os juízes constitucionais, comprometidos com o princípio da supremacia da Constituição, deverão tentar demonstrar uns aos outros que pleiteiam uma melhor interpretação dos dispositivos constitucionais. Para tanto, terão que revisitar suas compreensões sobre como se deve ler a Constituição. Só assim, serão capazes de demonstrar uns aos outros que sua leitura é aquela que melhor se ajusta ao texto constitucional. Pois, reconhecendo que se utilizam dos cânones interpretativos corretos, aplicados de forma precisa, poderão afirmar que a sua decisão é aquela que corresponde às exigências da Constituição, e que as opiniões contrárias não fazem justiça à lei maior.

Todavia, mesmo nesse segundo nível, é provável que a divergência persista, haja vista que os juízes podem sustentar visões distintas acerca de como adscrever sentido aos dispositivos constitucionais. Alguns podem entender, por exemplo, que o mais importante é buscar a intenção do constituinte, enquanto outros podem achar que a interpretação deve realizar no maior grau possível os valores predominantes da comunidade; outros ainda podem achar que a Constituição deve ser lida à luz do melhor catálogo de ideais filosófico-políticos disponíveis. Independentemente de quais sejam os termos desse desacordo, o fato é que,

quando ele for alcançado, a divergência deixará de ser apenas sobre qual a resposta para o caso, e será também sobre qual a melhor teoria da interpretação constitucional.99

Nesse nível teórico-interpretativo mais profundo, os parâmetros da discussão ganharão novos contornos. Os juízes terão que testar agora se suas teorias acerca de como interpretar normas constitucionais são compatíveis com o seu papel enquanto aplicadores da Constituição e com as razões pelas quais eles se submetem à autoridade da Lei Fundamental. Será preciso refletir a respeito das justificativas da força obrigatória suprema do texto constitucional e da sua oponibilidade judicial. Tudo isso, no entanto, pode ainda não ser suficiente para superar as dúvidas. Os debatedores podem concluir que eles devem fidelidade à Constituição por razões diversas e que, por isso, devem desempenhar papéis diversos. Para utilizar uma expressão de Cass Sunstein, pode ser que o axioma da supremacia da Constituição e o reconhecimento do poder judicial de controle de constitucionalidade sejam “acordos incompletamente teorizados”, amparados nas mais diversas espécies de razões (SUNSTEIN, 1996, p. 35).

Será preciso, então, avançar ainda mais a discussão. Constatando-se que, numa democracia constitucional, o Direito está indissociavelmente ligado à justificativa da coerção oficial (DWORKIN, 1999, p. 231), os juízes deverão tentar oferecer uma justificativa geral para o exercício do poder coercitivo pelo Estado. O ponto culminante do diálogo será, então, demarcado em torno das razões que permitem justificar o exercício legítimo do poder político em sociedade. Ou seja, o debate seguirá o rumo da justiça política, desenrolando-se em torno de uma melhor teoria política da legitimidade constitucional.

Decorre do exposto que uma teoria constitucional satisfatória deverá posicionar-se em todos os níveis desse debate e, em última instância, será também uma visão sobre a legitimidade do poder político. Esta afirmação é corolário da tese de que o compromisso efetivo dos intérpretes com o texto constitucional conduz, inexoravelmente,

99 Sobre a necessidade de os juízes constitucionais desenvolverem uma teoria da interpretação constitucional

Robert C. Post é elucidativo: “Em razão de que os juízes devem ser capazes de justificar suas decisões, eles devem também ser capazes de justificar os meios de interpretação que empregam para alcançar estas decisões, particularmente se a sua escolha afeta a significância ou o resultado final de um caso. Juízes devem ser capazes de explicar por que eles decidiram interpretar a Constituição a partir de um conjunto de questionamentos ao invés de outro. […] juízes precisam e devem ser capazes de articular uma “teoria” da interpretação constitucional.” (“Because judges must be able to justify their decisions, they must also be able to justify the means of interpretation that they employ to reach those decisions, particularly if their choice affects the ultimate result or significance of a case. Judges must be able to explain why they have decided to interpret the Constitution through one set of inquiries rather than another. […] judges require and must be able to articulate a “theory” of constitutional interpretation”). (POST, 1995, p. 25)

para um ponto de vista político-moral externo ao próprio texto. É neste âmbito que se enraíza, em último termo, uma teoria constitucional.

Da maneira como se apresentam no discurso constitucional contemporâneo, os posicionamentos relacionados à interpretação constitucional podem ser divididos em três grandes vertentes teóricas: 1) A teoria originalista (BERGER 1977; BORK 1991; SCALIA 1997), segundo a qual os juízes devem dar às palavras da Constituição o sentido que geralmente era atribuído a elas no momento da sua adoção;100 2) A teoria democrático-

procedimental (ELY 1980; KLARMAN 1991), conforme a qual os juízes devem assegurar

que os processos políticos ordinários de democracia majoritária operem de forma a permitir a todos uma oportunidade equitativa de afetar as decisões políticas; 3) A teoria dos valores

substantivos (BICKEL 1986; DWORKIN 1978, 1996b, 1999, 2000; FREEMAN 1992;

RICHARDS 1986; SAGER 1990; WELLINGTON 1990; TRIBE 1988), de acordo com a qual os juízes devem interpretar a Constituição de modo a promover o bem moral e político da comunidade, conforme o melhor entendimento que se faça dele no momento atual.101 Cada uma dessas teorias oferece um conjunto de respostas para as perguntas que afligem os juízes constitucionais. Tratam (a) dos cânones interpretativos, (b) da responsabilidade judicial, (c) da autoridade da Constituição e (d) representam alguma visão sobre a legitimidade do uso coercitivo do poder estatal.

Todavia, esse trabalho não cuidará de cada uma dessas teorias gerais, nem mesmo abarcará os diversos exemplares qualificados delas. Antes de expor o atual estágio do pensamento constitucional,102 o objetivo é defender uma determinada abordagem teórico-

100 Existem pelo menos três modelos de originalismo: o modelo da intenção original (BERGER 1977), o modelo

textualista (SCALIA 1997) e o modelo de princípios (BORK 1991). O modelo da intenção original ou intencionalismo estrito, requer que o intérprete determine o modo como aqueles que adotaram a Constituição teriam aplicado um preceito constitucional a uma situação dada, e resolva o caso que tem perante si desse mesmo modo. O modelo textualista entende que o intérprete deve se limitar à linguagem expressa pelos constituintes no texto da Constituição; a autoridade reside naquilo que a geração constituinte expressamente disse, não nas suas intenções. O modelo de princípios defende que os intérpretes devem buscar, não uma conclusão, mas uma premissa, um princípio ou valor que a geração constituinte quis resguardar. O que detém autoridade na interpretação são os princípios que a geração constituinte entendeu estar estabelecendo quando da edição da Constituição. Como este trabalho não será dedicado a criticar ou defender a perspectiva originalista em pormenores, parece útil referir as análises mais relevantes sobre o tema, dentre os críticos merecem destaque Paul Brest (1980), Mark Tushnet (1983); Ronald Dworkin (1996, p. 265; 1999, p. 425; 2000, p. 41), David Lyons (2000) e Samuel Freeman (1992); dentre os defensores, além dos três autores antes citados, merecem referência Michael Perry (1991) (curiosamente, um ex-crítico veemente do originalismo) e Richard Kay (1998).

101 O uso da expressão valores substantivos parece corresponder à forma como essa visão tradicionalmente é

expressa na literatura por meio de definições como “fundamental values” (ELY, 1980, p. 43) e qualificativos como “value-laden”, “non-originalist”, “substantive”, “value-oriented” (BREST, 1981, p. 1065).

102 A classificação apresentada está sujeita à crítica por ser demasiadamente genérica e datada. Nela não ganham

particular evidência as principais contribuições feitas à teoria constitucional depois da segunda metade da década de 1980. Acima de tudo, ela pode ser questionável por não conceder um lugar específico para as construções

constitucional. Mais especificamente, o intento é sustentar uma espécie da terceira modalidade de teorias, a qual se pode chamar teoria dos direitos.

O primeiro passo, portanto, é delimitar a teoria dos direitos no interior das

teorias dos valores substantivos. Na forma como se costumam apresentar as teorias

constitucionais orientadas por valores, podem-se diferenciar duas formulações principais. O ponto em comum entre elas é sustentar que a interpretação constitucional deve realizar valores político-morais fundamentais. O ponto de controvérsia, por sua vez, diz respeito à fonte desses valores e ao método de sua averiguação (BREST, 1981, p. 1067). Para uma corrente, identificada como teoria da moralidade consensual ou convencional (BICKEL 1986; WELLINGTON 1990), a fonte localiza-se nos valores sociais compartilhados. O método para elucidar essa moralidade convencional é o raciocínio mais ou menos intuitivo, que intérpretes bem informados, e sensibilizados pelo contexto social em que vivem, usam para descobrir as convicções éticas assentadas na sua comunidade. Para outra, a teoria dos direitos (DWORKIN 1978, 1996b, 1999, 2000, 2003; FREEMAN 1992; RICHARDS 1986; SAGER 1990; TRIBE 1988), a fonte encontra-se em princípios normativos gerais dos quais podem ser extraídos direitos individuais básicos, inferidos a partir de alguma forma de raciocínio do tipo a que estão habituados filósofos políticos e morais.

Um teórico da moral consensual ou convencional funda a legitimidade da Constituição no fato de ela corresponder aos valores éticos prevalecentes na comunidade em que ele vive. Assim, o papel dos intérpretes é descobrir e efetivar a autocompreensão ética da sua comunidade. A linguagem constitucional deve ser lida de forma a realizar, na maior medida possível, seus valores tradicionais e majoritários. No pólo oposto, um teórico dos direitos prima por rejeitar explicitamente as imposições dos consensos sociais, colocando, em seu lugar, uma moral ideal e reflexiva. Exemplar, nesse sentido, é a posição de Laurence H. Tribe acerca dos direitos de privacidade e de personalidade ante a Constituição norte- americana:

advindas do “revival” republicano que a teoria constitucional tem experimentado nos últimos vinte anos, sobretudo por influência de historiadores políticos que questionaram a hegemonia do pensamento liberal – identificada em Hobbes e, principalmente, com Locke –, nas fundações do constitucionalismo moderno, como J. G. A. Pocock e Gordon S. Wood. Boa parte dos teóricos constitucionais mais representativos da atualidade ressoam pesadas influências da tradição política republicana, que remonta a autores como Maquiavel, Harrington e Rousseau, dentre muitos outros, como atestam os trabalhos dos teóricos constitucionais norte-americanos Frank Michelman, Cass Sunstein e Bruce Ackerman, bem como, talvez em menor grau, os escritos teórico- constitucionais do filósofo alemão Jürgen Habermas. Todavia, para os objetivos desse trabalho, essa tradicional classificação tríplice é adequada. Ao fim e ao cabo, as diversas contribuições recentes feitas à teoria constitucional parecem ser esquadrinháveis dentro das três categorias propostas. Embora não haja espaço para as necessárias explicações, parece justo classificar Michelman (1986a) e Ackerman (1991) na teoria dos valores substantivos e Sunstein (1993) e Habermas (1997) na teoria procedimental.

Tentativas de fundar os direitos constitucionais de privacidade ou de personalidade na moralidade convencional, ou em idéias de bem-estar público amplamente, se não ainda universalmente, compartilhadas, são úteis, mas têm um poder inerentemente limitado. Pois nós estamos falando, necessariamente, sobre direitos de indivíduos ou grupos contra a comunidade mais ampla, e contra a maioria – mesmo uma esmagadora maioria – da sociedade como um todo. Sujeitos a todos os perigos do julgamento antimajoritário, tribunais – e todos que levam a sério seus juramentos constitucionais – devem ultimamente definir e defender direitos contra o governo em termos independentes do consenso ou da vontade da maioria.103 (TRIBE, 1988,

p. 1311, tradução livre, grifo no original)

Para um teórico dessa vertente, o papel dos juízes constitucionais é proteger interesses fundamentais dos indivíduos, que se apresentam sobre a forma de direitos, mesmo que esses interesses sejam contrários a valores éticos largamente disseminados ou a exigências do bem-estar comum. Os direitos são reivindicações de indivíduos ou grupos

contra a comunidade mais ampla, e contra a maioria – mesmo uma esmagadora maioria – de

toda a sociedade. Isso significa que a teoria dos direitos atribui prioridade aos direitos diante de outros interesses coletivos. Tal fato traz implicações significativas para atividade dos intérpretes constitucionais, e permite demarcar com mais clareza a teoria dos direitos em relação à teoria da moral convencional.

Para pontuar essa distinção pode-se tomar como pano de fundo uma técnica de decisão de casos constitucionais bastante conhecida, a qual, em princípio, ajusta-se tanto à visão dos direitos quanto a um enfoque convencional. Considere-se, para esse efeito, a doutrina dos “fundamental rights” (direitos básicos) desenvolvida pela Suprema Corte norte- americana. Sua idéia primordial é que conferir a um direito ou a uma liberdade individual o estatuto de um “fundamental right” (direito básico)104 é exigir que o Estado ofereça uma justificativa especialmente convincente para impor limitações a esse direito ou liberdade.

103 “Attempts to ground constitutional rights of privacy or of personhood in conventional morality, or in broadly

if not yet universally shared ideas of public welfare, are helpful but have inherently limited power. For we are talking, necessarily, about rights of individuals or groups against the larger community, and against the majority – even an overwhelming majority – of the society as a hole. Subject to all of the perils of antimajoritarian judgment, courts – and all who take seriously their constitutional oaths – must ultimately define and defend rights against government in terms independent of consensus or majority will”. (TRIBE, 1988, p. 1311)

104 Da forma como os juízes e doutrinadores norte-americanos tratam a expressão “fundamental rights” – aqui

traduzido como direitos básicos – esse termo não pode ser simplesmente equiparado ao termo “direitos fundamentais” utilizado pela doutrina brasileira. Por aqui, costuma-se afirmar que “o termo ‘direitos fundamentais’ se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado” (SARLET, 1998, p. 31). Assim, direitos fundamentais acabam por se confundir com os direitos conferidos pela Constituição. Para o constitucionalismo norte-americano, ao revés, os direitos básicos (“fundamental rights”) não devem ser confundidos com os direitos constitucionais (“constitutional rights”). Como leciona Guido Calabresi (1991, p. 85), “indubitavelmente existem alguns direitos incorporados na Constituição e aplicados pelos tribunais que poucos, se é que alguém, considerariam fundamentais” ([…] there undoubtedly are some rights embedded in the Constitution and enforced by courts that few, if any, would dêem fundamental). Isso mostra que, para o constitucionalismo americano, o conceito de direitos básicos (“fundamental rights”) é essencialmente material e não formal. Ressalte-se, entretanto, que há,

Como noticiam Laurence H. Tribe e Michael C. Dorf (1991, p. 72), a Suprema Corte dos Estados Unidos tem empregado a noção de direitos básicos para dois propósitos distintos e inter-relacionados. Em primeiro lugar, sob a Cláusula da Igual Proteção da Décima Quarta Emenda da Constituição norte-americana,105 afirmando que desigualdades sancionadas pelo Estado que oneram o exercício de um direito básico serão admitidas somente se servirem a um “interesse estatal cogente” (“compelling state interest”). Em segundo lugar, nos demais casos que não se colocam sob a Cláusula da Igual Proteção, se a Suprema Corte designa uma liberdade individual como um direito básico, ela simultaneamente exige a aplicação desse mesmo exame rigoroso, com a necessidade de um “interesse estatal cogente” para justificar as limitações impostas pelo Estado ao exercício daquele direito.

Consoante isso, quando a Suprema Corte avalia a argüição de inconstitucionalidade de uma lei baseada no desrespeito a um direito básico, o que ocorre nos dois casos apresentados, ela submete a lei ao teste chamado escrutínio estrito (“strict

scrutiny”). Nesses casos, o julgamento da Corte procede em dois passos subseqüentes.

Primeiro, questiona-se se a liberdade postulada qualifica-se como básica. Aceito isso, passa-se ao segundo passo do escrutínio estrito, indagando-se se existe um “interesse estatal cogente” (“compelling state interest”) que prepondere sobre o direito básico afirmado (TRIBE; DORF, 1991, p. 107). Ao contrário, nas situações em que não se está diante de um direito básico, mas, sim, de um outro direito constitucional de estatura mais baixa, a Corte entende que basta demonstrar que a lei restritiva é apta a atender um fim estatal legítimo para que ela seja mantida, tratando-se de um simples teste de racionalidade (rational basis), muito menos rigoroso. Como os comentadores costumam apontar, o escrutínio estrito é, na prática, geralmente fatal. Implica assim, com raríssimas exceções, a invalidação da lei.

Com base nessa relação entre qualificação de um direito (“fundamental

right”) e teste de constitucionalidade aplicável (“strict scrutiny”) Laurence H. Tribe e Michael

C. Dorf (1991, p. 73) sustentam, com razão, à luz da experiência norte-americana, que identificar ou não um direito como “fundamental” coloca, provavelmente, a questão

no Brasil, quem utilize o termo direitos fundamentais de forma muito próxima à norte-americana. No julgamento da medida cautelar na ADIn 1.497/96, o Ministro Carlos Velloso considerou a existência de “direitos que, não obstante conferidos pela Constituição, não se elevam à categoria de direitos fundamentais”. Sem embargo, é de se observar que, nesse mesmo voto, o Ministro Velloso regressou à forma mais comum do uso do termo direitos fundamentais no constitucionalismo brasileiro, ao representar a mesma distinção como se dando entre “direitos fundamentais materiais e direitos fundamentais formais”.

105 A Cláusula da Igual Proteção da XIV Emenda à Constituição norte-americana dispõe que “nenhum Estado

substantiva central do moderno direito constitucional. À medida que apenas excepcionalmente a Corte reconhece o peso necessário a um interesse público para superar um “fundamental

right”, na prática, a qualificação de um direito como “fundamental” – primeiro passo do

processo de julgamento dos casos de direitos básicos – equivale à decisão antecipada do caso em prol desse direito.

Tais considerações demonstram que a nota característica da doutrina apresentada é que ela confere prioridade a determinados interesses de indivíduos ou grupos, qualificados como “fundamental rights”, perante interesses da maior parte da comunidade, denominados “state interests”. Prioridade que só é revertida em casos excepcionais, quando o interesse da maioria apresenta-se como cogente e insuperável – “compelling state interest”. Haja vista que essas situações de reversão da precedência dos direitos básicos são excepcionais, a chave do problema ou questão substantiva central passa a ser como definir quais interesses se qualificam como direitos básicos e quais não se qualificam. A teoria dos direitos e a teoria da moral convencional dão respostas divergentes a essa questão (TRIBE; DORF, 1991, p. 73-80; WELLINGTON, 1990, p. 96-123).

Segundo o enfoque convencional, qualificam-se como direitos básicos aqueles interesses das pessoas que se mostrem mais importantes segundo a história, a tradição, a cultura e os valores predominantes da comunidade. Contrariamente, de acordo com a teoria dos direitos, os direitos básicos são aqueles derivados da dignidade incondicional que cerca a existência de cada pessoa, independentemente do valor particular da pessoa para os outros. Essa dignidade pessoal não mantém relação tão estreita com a história, a tradição ou a consciência ética da comunidade. Pelo contrário, ela se impõe ainda que traga requerimentos contrários às orientações postas pelos valores sociais majoritários. Assim, à medida que uma comunidade ética reconhece direitos quando atribui coletivamente especial importância a determinados interesses, de modo que a diferença entre os direitos e os demais interesses é