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Decreto-lei nº 34 133 de 24.11.1944, art.º 7º.

JORNALISMO E POLÍTICA: RELAÇÕES PERIGOSAS

18 Decreto-lei nº 34 133 de 24.11.1944, art.º 7º.

O jornal português, deixou de ser o órgão de uma clientela partidária para se converter no representante e servidor da Nação. Nada que a possa prejudicar deve ter guarida nas suas colunas. A vida da Nação nele se espelha, assim nos seus empreendimentos como nas suas ambições, e o jornal torna-se o intér- prete dos seus interesses superiores e da sua orientação política (1945: 10);

- o artigo, no mesmo Boletim, de João Pereira da Rosa, diretor d’ O Século, um dos esteios do regime:

Com a maior isenção, os jornais estão patrioticamente ao lado do Governo, prontos a colaborar em todos os grandes empreendimentos, na propagan- da de todas as manifestações públicas, orientando e aconselhando o povo, ajudando-o a discernir o bom do mau juízo, quer em matéria de política externa, quer interna, proclamando o caminho traçado pelos dirigentes. […] É uma Imprensa nobre e honrada, que se esforça por colaborar na obra de ressurgimento do país e por bem servir o povo português (1941: 112).

Pode, pois, dizer-se que à imprensa caberia, por adesão ou, se neces- sário, por coerção, o papel de unificar e tornar visível o modelo político do Estado Novo.

Neste sentido, impõe-se analisar e refletir sobre as funções desem- penhadas pelo Sindicato Nacional de Jornalistas. Fundado em 1934, no âmbito de uma política corporativa e de unificação sindical preconizada pelo Estado Novo, assumia fins de previdência, formação profissional e, sobretudo, de representação da classe jornalística, com lugar na Câmara Corporativa. Com efeito, o Sindicato dos Profissionais da Imprensa de Lisboa e outras organizações jornalísticas foram extintas aquando da sua criação e o SNJ tornou-se, em exclusivo, a entidade representativa dos jornalistas portugueses.

Ferro esteve intimamente associado a este órgão, de uma forma ou outra. Desde logo, no momento inicial, ao assinar, juntamente com cerca de cem profissionais, um abaixo-assinado a defender a instituição de um sindicato de jornalistas, argumentando com a inexistência de tal asso- ciação em Portugal19. Tratava-se, no geral, sobretudo de indivíduos in- 19 Uma vez que a associação existente, o Sindicato dos Profissionais da Imprensa de Lisboa, congregava diversas condições: redatores, repórteres, informadores, fotógrafos, desenhadores ou revisores, desde que com mais dois anos de experiência (Matos, 2017).

tegrados na ordem política do Estado Novo e que se assumiam como representantes dos jornalistas. Tal justificará o fato de a criação do SNJ não ter sido entendida de forma consensual por todos os jornalistas. Exemplo disso é a carta que Armando Boaventura, diretor do Diário de Notícias, escreveu em janeiro de 1935 a Ferro, indignando-se como a for- ma como tinha sido constituído o Sindicato e com as palavras do diretor do Secretariado. Este tinha criticado os jornalistas que se recusaram a sindicalizar-se, referindo-se-lhes como “afastados dos interesses da sua própria classe, por simples demagogia, ou para não desagradarem à de- magogia”, provando assim “a sua má fé ou a sua tibieza”, acrescentando: “Nesse caso, temos de passar a olhá-los, definitivamente, como inimigos ou como escravos dos nossos inimigos” (apud Veríssimo, 2013: 45). Para Boaventura, a maneira como o SNJ tinha sido estabelecido, com nomes, da lista dos cem proponentes iniciais, de pessoas que não eram jornalis- tas, provava que tinha sido “atribiliária e iniquamente organizado” e que não respondia aos interesses da classe (apud Veríssimo, 2013: 45).

Foi, portanto, sobre esta base inicial, de conflitualidade entre a classe, que o Sindicato foi formado, sendo-lhe atribuído, na realidade corporati- va em que se integrava, a função de elemento redutor da conflitualidade social. Parece evidente que o Sindicato foi instrumentalizado pelo poder político desde a sua criação. Isso ficou bem claro na eleição da primeira direção, em 1934, quando Ferro foi escolhido para presidente: os seus 63 votos versus os 60 de Júlio Cayolla mostravam claramente a divisão entre os sócios votantes. A segunda eleição, em 1936, teve o mesmo resultado, com Ferro a ser reconduzido na presidência do Sindicato, apesar de o seu nome ter sido o menos votado entre os 10 elementos que constituíam a nova direção (Veríssimo, 2013). Na eleição seguinte, e face às “grandes críticas no seio da classe” de que era alvo, Ferro optou por não se recan- didatar, uma vez que se “adivinhava uma votação bastante embaraçosa para ele e para os que o apoiavam” (apud Veríssimo, 2013: 58). A nova administração permaneceu pouco tempo em funções e, em junho de 1937, uma direção provisória, presidida por Júlio Cayolla, convocou elei- ções, preparando uma lista em que apresentava novamente o nome de Ferro. Ter-se-á tratado da última tentativa de controlo do Sindicato pelo Secretariado, fracassada, já que a oposição a esta lista foi de tal forma clara que Cayolla retirou a proposta, “a fim de evitar qualquer dissabor a António Ferro” (apud Veríssimo, 2013: 59).

Esta resistência à presença de Ferro no SNJ dever-se-á, certamente, ao fato de este acumular o cargo de presidente do Sindicato com o de chefe da propaganda do regime. Uma situação demonstrativa da ausên- cia de autonomia do SNJ, organismo que Jorge Pedro Sousa e Patrícia Teixeira consideram ser “uma estrutura sindical perfeitamente integra- da na ordem corporativa e nacionalista do Estado Novo” (2011: 18). O próprio artigo 3º dos estatutos do Sindicato o traduzia, indicando que “o Sindicato reconhece a função eminentemente social da imprensa”, subordinando-se “ao superior interesse nacional, como factor activo do progresso moral que na orientação da opinião pública cumpre guardar e promover” (apud Sousa & Teixeira, 2011: 18)20. Também o art.º 5º destes estatutos é elucidativo:

O Sindicato […] reconhece-se factor de cooperação activa e leal com todos os outros factores da organização corporativa da Nação, em consequência do que repudia o princípio da luta de classes e toda a manifestação interna ou externa contrária aos interesses nacionais (apud Sousa, Borba, Machado & Teixeira, 2011: 31).

Fato igualmente elucidativo do diminuto grau de liberdade de que o SNJ usufruía era a sua atuação em colaboração com os Serviços de Censura: era a este organismo que a Censura pedia informações sobre a situação profissional, sindical e sobre a idoneidade de jornalistas pro- postos para diretores de jornais. O SNJ considerava esta uma tarefa que permitia “elevar o nível moral e intelectual da profissão”, conforme ofício de 1939 enviado aos Serviços de Censura à Imprensa, no que parecia ser uma troca de favores, como se deduz por nova carta de 1941, em que a Comissão Administrativa do SNJ expressava um “voto de muito louvor e sincero agradecimento” (apud Veríssimo, 2013:39) pelo fato de aqueles Serviços tornarem obrigatória a todos os diretores e chefes de redação de novas publicações a filiação no Sindicato.

20 Apesar do SNJ se integrar na ordem corporativa estatal, este evidenciava nos seus estatutos, ainda