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EM PORTUGAL NO SÉCULO XIX MARIANA CALADO

ESTADO DA ARTE

Três textos, separados entre si por vinte anos, servem de base ao es- tudo da imprensa periódica musical em Portugal: os artigos “Edições periódicas de música e periódicos musicais em Portugal”, de Andrade (1989) e “Revistas e jornais de música”, de Cunha (20013), e a entrada “Periódicos de música” da Enciclopédia da música em Portugal no século

XX (Castelo-Branco et al., 2010).

Andrade procede à descrição sumária e informativa de uma série de periódicos, organizando-os em quatro tipologias: publicações dos Con- servatórios de Lisboa e do Porto; periódicos com o título “Arte Musi- cal”; periódicos dedicados à música sacra e litúrgica; outros periódicos, que não se enquadram nas anteriores (Andrade, 1989: 47). As tipologias criadas obedecem a critérios diferentes. Instituições editoras, por um lado, géneros musicais por outro, e o destaque dado a uma série de pe- riódicos que partilham o mesmo título (e, poder-se-á pressupor a partir disto, uma história comum), e transmitem uma visão muito simplifi- cada do universo da imprensa musical. Ainda assim, esta organização reflecte alguns aspectos fundamentais desse universo, nomeadamente os meios aos quais a generalidade dos periódicos estavam ligados (como estabelecimentos de ensino de música), os leitores a que se dirigiam, as relações que se estabeleciam entre editores e redactores, ou o lugar de referência na sociedade que alguns conquistaram (que se pode ler na tipologia “Arte Musical” em que cada novo jornal é nomeado em refe- rência e homenagem ao anterior, entretanto desaparecido).

A entrada “Periódicos de música” (Castelo-Branco et al., 2010: 990- 998), por seu turno, aborda os periódicos de música segundo o género musical a que se reportam: música erudita, música religiosa, música fi- larmónica, fado, música popular e pop-rock.2 Uma vez que a enciclo- pédia é dedicada à música em Portugal no século XX, sem distinção de género musical, é mais abrangente no tipo de jornais e revistas que cita do que aqueles que são tratados por Andrade, cujo estudo termina na década de 1940.

Os dois artigos divergem pouco um do outro nas formas como abor-

2 A Enciclopédia da Música em Portugal no século XX inclui também entradas para periódicos específicos, nomeadamente Canção do Sul e Guitarra de Portugal, ambos sobre fado, e Arte Musical.

dam os periódicos, agrupando-os em tipologias. Ambos partem da defi- nição do significado e delimitação do âmbito da expressão “periódico de música” para compreender o objecto. Dessa forma determinam a exis- tência dois tipos de publicações: edições periódicas de música (ou seja, publicação regular de partituras), que podiam incluir algum texto, de que são exemplos Jornal de Modinhas, (1792), O Jornal de Modinhas No-

vas dedicadas às Senhoras (1801), ou Album Muzical. Periodico Mensal para Pianoforte (1847); e os periódicos de música propriamente ditos,

que publicavam artigos, notícias e opinião e que, nalguns casos, podiam incluir uma ou mais páginas de partituras, ou ter um suplemento musi- cal associado.

O artigo de Cunha foi elaborado por ocasião de uma exposição de periódicos de música das colecções da Biblioteca Pública de Braga em 2003 e editado com o catálogo da exposição.3 Cunha procede à compa- ração dos periódicos recolhidos (que ascenderam a 113 títulos datados entre 1792 e 2001), avaliando o conteúdo (edições de peças de música, componente pedagógica de diversas publicações, divulgação de géneros de música específicos) e a editora (sociedade musicais, associações dra- mático-musicais, academias e Conservatórios, editoras e casas de co- mércio de música) como elementos que distinguem os periódicos. Se- lecciona alguns desses como forma de traçar a diversidade de assuntos que eram abordados na imprensa musical. No entanto, inclui no catá- logo da exposição e no estudo feito a publicação de boletins e anais por parte de casas editoras, e a colecção Arquivo Musical Português, compi- lação de espectáculos, programas, nomes de músicos, companhias e so- ciedades de concertos, etc. elaborada por César Leiria e publicado entre 1940 e 1947, que não creio que se enquadrem na definição de periódico de música. Ao contrário dos dois estudos anteriores, Cunha identifica o

Jornal de Modinhas (1792) como o jornal inaugurador dos periódicos

de especialidade em música, pois não faz qualquer diferenciação entre tipologias de conteúdo.

Outros autores têm incidido em questões que se relacionam com a música na imprensa e jornalismo musical. Vale a pena mencionar o ca- pítulo de Esposito “Os primeiros passos em direcção à crítica musical”

3 O artigo foi também publicado na revista Fórum (34, Jul/Dez 2003), editada pela Universidade do Minho.

(2017), no qual o autor traça e analisa o panorama geral histórico de pe- riódicos musico-teatrais que se publicaram em Lisboa, com o objectivo de estabelecer os contornos em que a crítica musical surgiu. Esposito estabelece como fontes a imprensa noticiosa e a imprensa musico-tea- tral, o que reporta para as relações existentes entre a música (neste caso particular a ópera) e o teatro declamado, destacando jornais como O

Trovador: Jornal musical, litterario, e de variedades, a Gazeta de Portugal,

a Revista Universal Lisbonense, e.o. (Esposito, 2017: 309-329).

No que concerne a monografias e dissertações académicas sobre a participação activa na imprensa periódica de personalidades do meio musical, pode-se destacar o trabalho de Santos (2010) em torno dos es- critos sobre música e ideologia de progresso por Júlio Neuparth e Ernes- to Vieira na transição do século XIX para o século XX, nos periódicos

Amphion (1884-1898) e Echo Musical (1911-1931); de Pina (2016) sobre

Luís de Freitas Branco, compositor, director e um dos principais redac- tores de A Arte Musical (lançada em 1930), para além de colaborador na secção de música de outros periódicos (entre os quais se contaram

Acção Realista: diário da tarde, Diário de Notícias, Diário de Lisboa e O Século); e Calado (2010) e Sousa (2011) sobre Francine Benoît e a sua

actividade de crítica e cronista musical em periódicos como Echo Musi-

cal, De Música, A Arte Musical e Gazeta Musical, assim como em jornais

(com especial destaque para os longos anos de colaboração com Diário

de Lisboa e A Capital).

Embora não tenha trabalhado especificamente um periódico de mú- sica, a dissertação de mestrado de Silva (2006) sobre o diário A Revolu-

ção de Setembro (1840-1892) é um importante contributo para o levan-

tamento de temas centrais da vida musical portuguesa em discussão na segunda metade do século XIX e traçar o desenvolvimento da crítica musical na imprensa periódica. Enquanto exemplo da imprensa noti- ciosa e política, permite fazer um contraponto à forma como a música era abordada nos diferentes géneros de periódicos.

Objecto de estudo ou fonte para a investigação, a imprensa musi- cal tem recebido a atenção e despertado o interesse da Musicologia em Portugal, no entanto, o número de estudos mais aprofundados e siste- máticos sobre imprensa musical é ainda reduzido e não é representativo da quantidade e multiplicidade de publicações que circularam. Estudos mais globais de História da Música (Nery & Castro, 1991; Freita Bran-

co, [1959] 2005) repetem-se nos títulos a que dão visibilidade, contudo referindo-os muito superficialmente: Amphion, A Arte Musical (a série dirigida por Lambertini e a série dirigida por Luís de Freitas Branco) e

Gazeta Musical (1950-1971) (Nery & Castro, 1991: 147 e 173; Freitas

Branco, [1959] 2005: 305).

No âmbito de estudos História da imprensa e jornalismo, dos quais saliento as monografias elaboradas por José Tengarrinha (1989 e 2013), diversos títulos de periódicos de música são enunciados para demons- trar o surgimento da imprensa especializada (de teatro, literatura, mú- sica, etc.) e seu desenvolvimento desde as últimas décadas do século XVIII, assim como a proliferação de géneros de imprensa ao longo do século XIX. Tengarrinha não faz qualquer diferenciação de tipologias de periódicos, considerando por igual as edições periódicas de partituras e os jornais de música propriamente ditos, e interpreta o aparecimento dos vários exemplares no seu próprio contexto, ou seja, como produto do seu tempo.

METODOLOGIA

O levantamento de títulos de periódicos de música editados em Por- tugal foi inicialmente feito a partir da consulta dos catálogos online da Bi- blioteca Nacional de Portugal, da rede de Bibliotecas Municipais de Lis- boa, incluindo o site da Hemeroteca Digital, e da Porbase – base nacional de dados bibliográficos. A pesquisa foi realizada por assunto (“Música – Periódicos”), índices e palavras-chave. Os resultados foram posterior- mente confrontados com as referências de bibliografia secundária. Disto resultou a compilação de cerca de 80 títulos abarcando matérias, tipolo- gias, formatos e géneros musicais diversos, espalhados ao longo de cerca de século e meio de História, de finais do século XVIII a 1950. Procedi, então, a uma revisão dos títulos recolhidos de forma a delimitar a lista, procurando informações sobre os periódicos menos conhecidos ou cujos títulos levantassem algumas dúvidas. A utilização do termo “música” ou “musical” no título pode significar apenas que o periódico publicava pe- ças de música. Foi o que se observou, por exemplo, com O Encanto: Quin-

zenário ilustrado de música e literatura (1896-1898, resultado da pesquisa

titura publicada como suplemento e que, apesar de identificado como periódico de música, era uma revista de cultura e recreio. Somente a con- sulta individual dos periódicos recolhidos possibilita compreendê-los e categorizá-los, trabalho que se encontra em realização.

Não sendo objectivo deste artigo proceder ao mapeamento e identi- ficação de todos os periódicos que incluíam rubricas sobre música ou publicavam partituras, títulos de imprensa noticiosa, de entretenimento e recreio, e literária foram excluídos à partida – embora seja reconhe- cida a importância bibliográfica dos mesmos e a sua participação no exercício da crítica musical em Portugal.

Tanto quanto possível, o levantamento realizado aproxima-se da to- talidade de periódicos de música editados no país no período temporal supracitado, incluindo alguns exemplares de periódicos de teatro ou músico-teatrais. Contudo, pode conter algumas falhas, em parte devido a incoerências ou faltas dos próprios catálogos, por vezes imprecisos quanto aos exemplares que possuem, em parte porque um título nem sempre é suficiente para perceber o conteúdo da publicação e pode in- duzir em erro, como mencionado.

O jornal mais antigo recolhido durante o processo de levantamento foi o Jornal de Modinhas, publicação de música impressa iniciada em 1792. Até ao final da primeira metade do século XX (período conside- rado no projecto em desenvolvimento), encontrei referências a perto de oito dezenas de periódicos de alguma forma ligados à prática de música, à actividade e ensino musical. No conjunto, abrangem diferentes géne- ros musicais (entre ópera, música de câmara e sinfónica, fado, música de bandas filarmónicas), correspondem a projectos individuais ou de instituições, e tiveram maior ou menor impacto, dependendo dos con- teúdos e capacidade de difusão. Para o presente artigo, que se centra nas publicações periódicas editadas durante o século XIX (que ascendem a 39 publicações, segundo a recolha efectuada, expostas na figura abaixo), seleccionei um conjunto de títulos, de modo a responder às questões de partida já enunciadas: como é que a imprensa musical surgiu e se afirmou; por que transformações passou; que características eram do- minantes e a identificam como um género independente.

[Figura 1. Lista de periódicos...]

A IMPRENSA PERIÓDICA DE MÚSICA EM PORTUGAL,