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PREÇOS, CUSTOS E RECEITAS

NOTÍCIAS, O SÉCULO E O PRIMEIRO DE JANEIRO

PREÇOS, CUSTOS E RECEITAS

Não tendo sido o primeiro jornal a ser vendido ao preço de 10 réis, o

como a inspiração para tantos projectos que se lançaram posteriormente. Em vez de contestar o aparecimento de novos concorrentes que tentavam copiar a sua linha editorial, o jornal aplaudia-os, avocando para si os louros do pioneirismo. Um ano após o seu lançamento, contavam-se em doze os jornais que, em Lisboa, Porto e Braga, aplicavam o modelo «que o Diário de Notícias fez aparecer na arena jornalística, e que são outros tantos títulos de glória para a ideia que inaugurámos nesta terra» (Cunha, 1914: 72). Em apenas uma década, existiam já 33 periódicos ao custo de 10 réis, e o preço tornava-se agora o padrão para o sector da imprensa generalista, contrastando com a situação anterior em que preço-referência rondava os 40 réis (Tengarrinha, 1989: 222). A descida do preço de venda permitiu conquistar públicos de diferentes classes sociais e criar novos hábitos de consumo, partilhados por uma vasta audiência 4.

O preço praticado pelo Diário de Notícias não era, no entanto, uma novidade absoluta. Alguns projectos de sucesso, seus predecessores, haviam inclusivamente dispensado as receitas provenientes da venda ao público.

O Grátis representou o melhor exemplo dos jornais gratuitos, não só pela sua longevidade (publicou-se entre 1836 e 1857) mas também pela eficácia e simplicidade da sua proposta comercial. Contendo apenas anúncios, tirava 2.000 exemplares diários que eram distribuídos gratuitamente em estabelecimentos com grande afluência de público, para além de se afixarem em placards instalados em 40 esquinas da capital (Cunha, 1914: 51, 264-266).

Antes de 1865, encontramos ainda os chamados jornais populares, de preço inferior a 40 réis, entre os quais se destaca o Periódico dos Pobres, vendido a partir de 1826, a 10 réis, e que no segundo ano de vida contava já com 5.000 assinantes 5. Durará até 1846, altura em que se vendia já ao preço de 40 réis, sendo de consideravelmente maior formato do que nos anos iniciais. Inspirará títulos análogos, como o Periódico dos Pobres

do Porto, publicado entre 1834 e 1858 ao preço de 20 réis. Em 1841 4 Importa, no entanto, sublinhar o caracter marcadamente urbano destes fenómenos. No início do século XX, o preço de 10 réis ($01) mantinha-se proibitivo para a maioria dos pequenos proprietários agrícolas, cujo rendimento não ultrapassava os 11$00 anuais (ainda que grande parte dos seus rendimentos reais escapasse às estatísticas, é notório o seu fraco poder aquisitivo). Por outro lado, sabemos que um bom ordenado na função pública rondava os 1000$00 mensais (Telo, 2014: 166). 5 A assinatura representava então a principal fonte de financiamento dos jornais (Laguna Platero, 2018: 44).

lança-se o Dez Réis – Jornal de Utilidade, que antes do final desse ano se transforma em Jornal de Utilidade Pública e que se publica ao longo de cinco anos. Surge ainda, em 1843, o Cinco Réis, o preço mais reduzido praticado pelos jornais populares (sem contarmos, evidentemente, com os jornais gratuitos) (Tengarrinha, 1989: 222-223).

A notável longevidade d’O Grátis, de mais de duas décadas, e as restantes experiências de títulos a baixo preço de venda dirigidos às massas urbanas dão a indicação de que a estratégia adoptada pelo Diário

de Notícias tinha já, pelo menos, alguns casos de sucesso comercial

testados e comprovados. O que este periódico trouxe de revolucionário foi a conjugação da nova linha editorial focada no grande público, da grande tiragem e distribuição de jornais e, sobretudo, a grande capacidade de atracção de anúncios.

Com o corte no preço de venda ao público, os jornais tiveram a necessidade de encontrar novas formas de financiamento, já que as receitas provenientes da venda directa ou das assinaturas não chegavam, na maior parte dos casos, para cobrir as despesas operacionais dos jornais. Conforme nos conta Eduardo Coelho em 1873, «temos por vezes de realizar o quase milagre económico de vender a 7 réis jornais de que só o papel nos custa 6 réis e meio» (Cunha, 1914: 35).

No final de 1907, aquando do lançamento de uma edição de 24 páginas do Diário de Notícias (um recorde à altura), é-nos dito que o preço de venda do jornal apenas cobriria 20% do custo de produção, «muito menos do que nos custa o papel de cada exemplar» (Cunha, 1914: 48) 6. Devemos ter algumas reservas em tomar esta estrutura de custos como fidedigna, já que, por exemplo, não se faz a distinção entre custos fixos e variáveis, isto é, aqueles que não se multiplicam pela quantidade de jornais produzida (administração, composição, etc.) e aqueles que dela dependem (por exemplo, o papel que, a título de comparação, representava 40% do custo de produção dos jornais em Espanha) (Rodríguez Martín, 2015: 370). Não conhecendo a repartição destas ponderações na estrutura de custos, podemos, ainda assim, supor uma distribuição mais razoável, na seguinte ordem (considerando uma tiragem normal da capacidade instalada): três réis destinados ao papel,

6 Outros encargos operacionais enumerados pelo autor são a composição, impressão, redacção, administração, venda, selagem e estampilhagem.

três ao vendedor e quatro para as restantes despesas (Ramos, 2001: 53). O preço da linha de publicidade mantinha-se geralmente fixo por vários anos. O Grátis cobrava 40 réis por linha. Nas páginas de anúncios do Diário de Notícias, esse valor começou em 26 réis (Sousa et al., 2014: 114), passando pouco depois para 20 réis, preço que ainda vigorava em 1914 (Cunha, 1914: 36). Havia a possibilidade de inserir anúncios no corpo do jornal, intercalados com notícias, sendo que estas inserções, pelo seu grande destaque aos olhos do leitor, tinham o custo de 60 réis a linha (Miranda, 2014: 131). Pretendia-se que o público estivesse informado sobre os valores praticados. No caso d’O Primeiro de Janeiro, o preçário vinha logo na primeira página, colocado próximo do título (Pequena História, 1943: 55).