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NOTÍCIAS, O SÉCULO E O PRIMEIRO DE JANEIRO

O MODELO DE NEGÓCIO

A partir de 1865 vai vingar em Portugal um modelo de negócio que converterá o sector da imprensa numa indústria (Sousa et al., 2014: 105). Os jornais são esvaziados da sua carga ideológica (elimina-se o “artigo de fundo”), procurando antes agradar ao grande público através das novidades e acontecimentos (o “noticiário”), pequenos escândalos e curiosidades (os “fait divers”) ou através de outros formatos, como os folhetins ou os anúncios. A periodicidade passa a diária, o preço baixa para 10 réis (um quarto do praticado até então) e a distribuição é facilitada: chega à província com o desenvolvimento do caminho-de- ferro e circula desembaraçadamente nas cidades pelas mãos dos ardinas (Tengarrinha, 1989: 221; Miranda, 2014: 118-125, 215).

Como o sucesso dos títulos dependia da sua tiragem, o objectivo último dos jornais, que antes fora o de servirem de porta-vozes às correntes políticas da comunidade, agora é o de «vender, vender o mais possível, sacrificando tudo a isso. O jornal passa a ser, portanto, uma

mercadoria: embora mercadoria essencialmente transitória, apenas com

valor durante algumas horas» (Tengarrinha, 1989: 220).

A transformação dos jornais em projectos empresariais pujantes tem por base um modelo de negócio comum a vários países da Europa Ocidental e aos E.U.A. (Ohmann, 1998: 19-21), e explica-se pela interacção do seguinte trinómio comercial: elevadas tiragens diárias, baixo preço de venda ao público e crescentes receitas de publicidade, que alavancam a actividade operacional do jornal. É simples de explicar o mecanismo deste modelo. Com o aumento do espaço para anúncios, desenvolve-se uma importante fonte de receitas, que se soma aos rendimentos provenientes das assinaturas e da venda avulso de jornais. O aumento das receitas permite baixar o preço de venda ao público,

possibilitando o acesso a novos leitores para quem, anteriormente, a sua compra regular se revelava proibitiva. Por sua vez, o alargamento do universo de leitores atrairá mais e melhores anunciantes, permitindo ao jornal aumentar o preço do espaço publicitário e, consequentemente, as suas receitas (Tengarrinha, 1989: 213-215). É este ciclo virtuoso que explica o extraordinário sucesso de alguns títulos partir de meados do século XIX. Sem a publicidade como fonte de receitas nunca a imprensa de massas se teria desenvolvido tão rápida e amplamente.

Tal como se verificou em Espanha (Rodríguez Martín, 2015: 370, 382), a economia da publicidade permitiu aumentar o formato dos jornais portugueses, aperfeiçoar o grafismo e diversificar o âmbito dos periódicos. O número de títulos aumentou consideravelmente ao longo do período em análise. Em 1880 havia cerca de 200 títulos. Na entrada do novo século, o número mais do que duplicara. Em 1910 chegavam a 543 e vinte anos mais tarde publicavam-se 662 títulos no nosso país (Ramos, 2001: 52).

Enquanto meio de difusão de mensagens publicitárias, a imprensa sempre teve a primazia sobre os demais, não só ao longo de todo o século XIX, mas ainda com o surgimento de novos formatos, como o cinema ou a rádio. No final da década de 1930, a imprensa ainda era «o único suporte publicitário considerado pelos anunciantes» (Estrela, 2004: 35). A rádio só se tornará um sério rival com o decorrer das décadas seguintes. Em Espanha, onde este formato se desenvolveu mais precocemente que no nosso país3 ainda assim as despesas dos anunciantes com publicidade na imprensa representavam 50% do total (Rodríguez Martín, 2015: 369).

Falaremos sobretudo de três títulos que, pelo seu pioneirismo, impacto público e sucesso comercial, bem como a influência que exerceram a nível nacional e regional, se converteram em referências incontornáveis na história da imprensa portuguesa (Miranda, 2014: 18). O Diário de Notícias foi o jornal que, nos últimos dias de 1864, primeiro pôs em marcha o modelo da imprensa como negócio, desde cedo se proclamando como paladino desta nova forma de vender

3 Na segunda metade dos anos trinta, enquanto Espanha contava com 60 emissoras a difundir mensagens publicitárias, em Portugal eram apenas duas, o Rádio Clube Português e a Rádio Renascença (Rodríguez Martín, 2015: 419; Estrela, 2004: 92).

jornais. Inspirando-se em particular no Petit Journal parisiense, pouco tempo depois do seu lançamento era incluída nas páginas do Diário de

Notícias uma saudação aos seus congéneres franceses, assegurando-lhes

que «a ideia que presidiu à criação da vossa folha também encontrou no ilustrado povo lisbonense um grande número de adeptos» (Cunha, 1914: 243). Fundado por Eduardo Coelho, conquistou muito rapidamente o domínio sobre os jornais da capital, exercendo uma grande influência sobre todo o território a Sul de Coimbra (Miranda, 2014: 202). Recebia um enorme volume de anúncios, o que explica o seu rápido crescimento e vigor económico. Foi o jornal de maior tiragem em Portugal até ao início do século XX.

Fundado em 1868, O Primeiro de Janeiro foi o projecto editorial do Norte do país que alcançou maior circulação neste período. É pela mão de Gaspar Ferreira Baltar que o jornal se vai tornar um sucesso de vendas, em consequência do acompanhamento da Guerra Franco-Prussiana, baseado em notícias recebidas em exclusivo de agências alemãs. Foi o primeiro jornal do Porto a reservar largo espaço para os anúncios e será, mais tarde, conhecido pela elevada qualidade e reputação dos seus colaboradores. Não esconderá, por vezes, a sua filiação republicana, mantendo para além disso uma grande proximidade relacional com O

Século (Pequena História, 1943: 25, 29-33, 42).

Nascido como jornal político, republicano, no final de 1880, O Século torna-se, pela mão de José Joaquim da Silva Graça, director entre 1896 e 1921, no jornal mais vendido de Portugal (título que exibirá no cabeçalho) e símbolo da moderna imprensa novecentista. Com o correr do primeiro terço do novo século, constituir-se-á numa grande empresa editorial (Rodrigues, 2002: 30). Desenvolverá diversos suplementos temáticos, revistas ilustradas e outros títulos dedicados a segmentos específicos do público (Rodrigues & Serrão: 2002: 211-214). É nas suas páginas que as modernas campanhas de publicidade ganharão lastro, marcando decisivamente um ponto de viragem em relação aos seus rivais.