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O CORREIO DOS AÇORES

No documento Para uma história do jornalismo em Portugal (páginas 151-155)

MADEIRA, AÇORES E GUINÉ

O CORREIO DOS AÇORES

Em 1931, o Correio dos Açores não saiu nos dias 3 e 4 de Abril; voltou no dia 5, publicou-se a 6, 7 e 8, mas não inseriu uma só linha sobre a revolta da Madeira, que eclodira no dia 4. Todavia, na quinta-feira 9 de Abril, com a eclosão da revolta militar nos Açores, o jornal reaparece só com o nome do administrador26 (como se disse atrás, o Director, José Bruno Carreiro, que fora chefe do gabinete civil do coronel Silva Leal, fora preso pelos revolucionários) e manifesta o seu apoio à revolta republicana com uma nota a toda a largura da primeira página, que diz:

Nesta hora decisiva para a Nacionalidade, a guarnição militar desta cidade soube dar provas do seu valor. Num gesto sublime de redenção, que bem interpreta os sentimentos liberais do Povo Açoriano, secundou o movimento revolucionário do Funchal e do continente. Cidadãos, a Liberdade vai de novo presidir aos nossos destinos e o Povo, o nosso heroico e glorioso Povo, vai reviver as horas radiosas do seu esplêndido passado. O Exército, irmanado com a Nação, colhidos os seus anelos mais íntimos, desfraldou a bandeira rubra, símbolo da Lei, da Liberdade, da Fraternidade. Viva a República!

Em Ponta Delgada, o Correio dos Açores – onde tipógrafos e impressores se mantiveram a trabalhar, o que permitiu a saída do jornal sob a égide dos revoltosos - desempenha o mesmo papel oficioso que o Notícias da

Madeira no Funchal, embora tenha publicado uma escassa dezena de

edições. Curiosamente, respeita o dia habitual de descanso, segunda- feira. Na direcção, como delegados da Junta Revolucionária, apareciam os nomes de L. Ferro Alves27 e Basílio Lopes Pereira28. Em todos os 26 Em nota, publicada no dia 12, intitulada «Para que Conste» e assinada por Ferro Alves, informava-se que a Junta Revolucionária mantivera no cargo o administrador (Vasco Soares d’Albergaria) pelo que «tudo o que se refere à vida financeira do Correio dos Açores está absolutamente fora do domínio ou da ingerência dos Delegados da Junta». 27 Leonel das Dores Ferro Alves (1904-1963) fora deportado para os Açores em 1930. Esteve depois exilado em Espanha e em França mas acabou por aderir ao Estado Novo. No seu livro «Mornaça» (p. 148), afirma que «muitos dos conceitos vertidos nos editoriais já não os perfilhava» e acrescenta: «As minhas ideias, no que respeita a democracia, liberdade e parlamentarismo sofreram uma modificação muito profunda».

28 Basilio Lopes Pereira (1893-1959). Advogado, foi encarregado da superintendência da Junta Geral e do Governo Civil dos Açores durante a revolta de 1931, finda a qual fugiu para Espanha. Em 1953, foi candidato da oposição por Aveiro à Assembleia Nacional.

números, na primeira página, ocupando a largura das suas sete colunas, palavras de entusiasmo e de convicção no triunfo da revolta que – diz-se no número de 12 de Abril - «alastra impetuosa, formidável, invencível». Nesse mesmo número, o editorial intitula-se «A Victoria será nossa».

O mais curioso é que Ferro Alves afirma, no seu livro A Mornaça,29 que, nesse período, o jornal foi inteiramente redigido por ele e explica como o fez, manipulando completamente a informação:

As únicas notícias recebidas do exterior resumiam-se ao serviço de presse radiodifundida por uma estação alemã. Quase todas elas provinham de Espanha. Habituado à fantasia irresponsável das agências nenhum crédito lhes concedia. Entretanto, a situação exigia que as aproveitasse. Diariamente, o Correio dos Açores fornecia aos micaelenses, como um aperitivo capitoso, uns quantos telegramas baseados nas informações da rádio germânica e condimentadas com uns temperos esquisitos [,,,]. Limitei-me a aproveitar as notícias da rádio, enfeitando-as com requinte e, vamos lá, introduzindo-lhes certos detalhes que lhes davam mais verosimilitude. Assim conseguimos durante dez dias aguentar uma situação delicada e melindrosa dado o ambiente rarefeito que nos cercava. Que me perdoem os interessados o engano em que os mantive, mas a minha obrigação consistia em mostrar a todo o transe, a confiança dos revoltosos no triunfo.

Todo o relato de Ferro Alves é demolidor, não tanto para os deportados, mas para os apoiantes locais, acusados de oportunismo. Afirma ter aceitado publicar um artigo intitulado «Ideologia Republicana»30 mas sem a assinatura do autor, que seria um Dr. Guilherme de Morais, cujas posições públicas haviam sido sempre de apoio à Ditadura Militar.

À semelhança do Noticias da Madeira, a política financeira da Ditadura Militar é fortemente atacada, quer visando o titular do Ministério fosse Sínel de Cordes, quer o seu sucessor, Oliveira Salazar, o primeiro acusado de delapidação do erário público, o segundo de aumentar enormemente os impostos: «A varinha fiscal salazariana aplicada como sanguesuga (sic)», lê-se no título de um artigo de primeira página no número de 12 de Abril; e no número do dia 15 de Abril publica-se um comentário ao

29 p. 134.

opúsculo de Cunha Leal31 «A Obra Intangível do Dr. Oliveira Salazar», publicado no ano anterior, bem como um texto sob o título «A Obra Financeira da Ditadura» No número seguinte – onde o editorial é dedicado à proclamação da República em Espanha (a 14 de Abril) – encontra-se um excerto do referido opúsculo de Cunha Leal, agora sob o título «Perspectivas Económicas».

No seu último número como órgão dos revoltosos, no dia 18, sábado, um longo artigo relata as «perseguições iníquas» de que haviam sido alvo os opositores à Ditadura Militar (designadamente o tenente- coronel Lereno, o engº Cunha Leal e o general Norton de Matos32) e compara esse comportamento com o que os revoltosos tiveram para com os que não haviam aderido ao seu movimento: «Urge recordar a diferença de tratamento de perseguidos de ontem e justiçados de hoje para pôr a claro, evidentemente esclarecido, quanto há de diferença entre o proceder de uns e outros.» O Correio dos Açores ataca a Ditadura – que identifica com «os salazaristas» - e que estaria «no estertor, na agonia, sentindo próximos os seus últimos dias», mas que «ainda procura intimidar a Nação». Num texto a duas colunas, intitulado «Palavras Calmas» desvaloriza a acção aérea na Terceira, levada a cabo na véspera, considerando que «pode demonstrar que o comando das tropas ao serviço da Violência, pouco fiado na eficiência dos próprios recursos, requere dos habitantes da Terceira o concurso no cometimento para o qual isoladamente se reputa incapaz».

O Correio dos Açores regressa três dias mais tarde, a 21, de novo com José Bruno Carreiro e João de Simas nas suas anteriores funções. Na primeira página explica-se «como findou na madrugada de domingo o movimento revolucionário de Ponta Delgada» e em nota publicada a 5 colunas também na 1ª página, sob o título “Restabelecida a Paz e a Tranquilidade na Terra Micaelense”, reafirma a sua posição: «Jornal sem feição política, devotado apenas à defesa e ao interesse das aspirações regionais e de todo o arquipélago açoriano, só nos preocupa o bem-estar

31 Francisco Pinto da Cunha Leal (1888-1970). Militar e político, deputado, presidente do Ministério e oposicionista à Ditadura Militar. Foi deportado para a Madeira em Outubro de 1930 mas evadiu-se e fixou-se em Espanha no fim desse mesmo ano.

32 José Maria Mendes Ribeiro Norton de Matos (1867-1955). General, desempenhou diversos cargos durante a I República, designadamente Ministro das Colónias, Alto-Comissário e Governador de Angola e Embaixador em Londres. Foi candidato às eleições presidenciais de 1949, contra o General Carmona.

da sua população»; na segunda página, dá-se o nome dos revoltosos detidos e a lista dos oficiais, sargentos, cabos e praças, bem como de civis (num total de cerca de três dezenas de pessoas) presos pelos revoltosos. No dia 22, relata na primeira página, a três colunas, a chegada a Ponta Delgada do Delegado do Governo, coronel Fernando Borges, e também na primeira página transcreve a «interessante reportagem de A União sobre o epílogo da revolução na Terceira».

A PÁTRIA

O bissemanário angrense A Pátria apoiou abertamente os revoltosos e publicou-se diariamente entre 9 e 17 de Abril, voltando então à periodicidade bissemanal.

No dia 8 de Abril publicou um Suplemento ao número anterior (o 140) com uma só folha e sob o título «Viva a República», a toda a largura das suas cinco colunas, escreveu: «A Pátria, jornal republicano, jornal liberal independente de toda e qualquer facção política, acompanha o regozijo popular na hora da Liberdade que soa e grita com alma: Viva a República! Viva a Pátria livre!33». Transcreve, em seguida, os editais e proclamações da Junta Revolucionária.

No dia 9 de Abril, a primeira página é quase inteiramente dedicada à inauguração de uma nova central eléctrica. No canto inferior direito, noticia-se que a Junta Revolucionária tomara posse, na véspera, do edifício da Câmara Municipal, que no acto se lera a proclamação dirigida ao povo terceirense e que tudo se passara «entre entusiásticas e vibrantes aclamações que se prolongaram demoradamente» pois «o povo de Angra associou-se aos revolucionários com a maior alegria e entusiasmo». Na segunda página, duas das cinco colunas são inteiramente ocupadas com o noticiário sobre a «revolução triunfante», com relevo para a informação, em telegrama de Lisboa enviado para Angra pela Junta Revolucionária, segundo o qual «as forças revoltosas» haviam ocupado os pontos estratégicos da capital e que a revolta alastrara «pelo país, sendo muitas as cidades onde ela se manifestou».

No dia 10, anunciava-se que os revoltosos haviam tomado conta da

ilha Graciosa, citava-se uma notícia do Correio dos Açores, datada de 8, segundo a qual fora estabelecida na Horta, a capital do Faial34, uma Junta Revolucionária, «composta por unidades civis e militares» e dizia- se que o Correio dos Açores fora «mobilizado» pela Junta Revolucionária de Ponta Delgada. Na primeira página dois artigos sobre a revolta, um deles, intitulado «A hora da Justiça», assinado pelo jornalista Mário Salgueiro (1885-1942), que para ali fora deportado e que fugiria depois para Espanha. Nesse artigo, garantia-se que «a ditadura estrebucha, apertada a sua goela hiante nas mãos fortes e invencíveis do povo e do exército» e que «todos os culpados vão passar pelos nossos olhos, como uma fila sinistra de salteadores e de aventureiros».

No documento Para uma história do jornalismo em Portugal (páginas 151-155)