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2. A SEMÂNTICA DA DECISÃO JUDICIAL: DISCRICIONARIEDADE E

3.1. Decisão Judicial e Argumentação

3.1.2. Dedução e indução

As duas principais formas de argumento, caracterizadas desde Aristóteles219, são o argumento dedutivo e o argumento indutivo. Normalmente se diz que o argumento dedutivo parte de premissas gerais para chegar a conclusões no caso específico, enquanto o argumento indutivo parte do caso específico para o geral; isso, contudo, não é completamente verdade, como veremos. A principal diferença entre o argumento dedutivo e o argumento indutivo é o padrão de avaliação do argumento.

O padrão de avaliação do argumento dedutivo é a validade, donde se dizer que o argumento é válido ou inválido. Aqui, validade é tomada em uma acepção muito específica. Diz-se válido o argumento em que da verdade das premissas decorre necessariamente a verdade da conclusão. O termo validade será utilizado aqui em outras acepções, sobretudo quando examinarmos a argumentação jurídica. As diversas teorias da argumentação jurídica têm por um de seus objetivos estabelecer critérios de validade para a argumentação jurídica220. Esses critérios são diferentes do critério validade dedutiva. Sendo assim, para distinguir a validade de que ora se cuida, relacionada ao argumento dedutivo, das outras espécies de validade, nos referiremos a ela como validade dedutiva.

O argumento indutivo não pode ser avaliado segundo esse mesmo padrão de validade. O padrão de avaliação no argumento indutivo é a força, diz-se que o argumento é forte ou fraco221, de acordo com seu maior ou menor poder de convencimento. Há uma

219 “Raciocínio dedutivo é um discurso no qual, dadas certas premissas, alguma conclusão decorre delas

necessariamente, diferente dessas premissas, mas nelas fundamentada. Quando o raciocínio resulta de proposições primordiais e verdadeiras ou de princípios cognitivos derivados de proposições primordiais e verdadeiras, diz-se que temos uma demonstração; ao raciocínio obtido a partir de proposições geralmente aceites chama-se silogismo dialéctico”. ARISTÓTELES. Tópicos. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2007. p. 233. “Quanto à indução é o método de raciocínioque parte de um conjunto de coisas individuais para concluir acerca da totalidade; por exemplo, se o piloto é o mais sabedor na arte de guiar um navio, se o aurigaé o mais sabedor na sua arte, concluimos que, em geral, o melhor em cada arte é o mais sabedor nessa arte. A indução é mais convincente, mais clara, mais apreensível pelos sentidos, e está ao alcance da maioria das pessoas, ao passo que o raciocínio dedutivo tem mais força demonstrativa e é mais eficaz para responder aos contraditores”. ARISTÓTELES. Op. Cit. p. 251-251.

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Alexy, por exemplo, ao falar sobre o problema da validade dos argumentos práticos – aqueles que se referem a perguntas do tipo o que devo fazer? Ou o que é bom? –, expressa assim o problema: “Essa pergunta é uma variante da questão fundamental desta investigação: Existem regras que permitem distinguir as fundamentações válidas de proposições normativas das inválidas?”. ALEXY, Robert. Op. Cit., p. 68.

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“The most basic distinction, then, is not between two kinds of argument but instead between two standards for evaluating arguments. The deductive standard is validity. The inductive standard is strength. Arguments themselves are classified as either deductive or inductive in accordance with the standard that they are intended or claimed to meet”. SINNOTT-ARMSTRONG, Walter; FOGELIN, Robert. Op. cit. p. 216. Em tradução livre: “A mais básica distinção, então, não é entre dois tipos de argumento mas, ao invés disso, entre dois padrões para avaliar argumentos. O padrão dedutivo é a validade. O padrão indutivo é a força. Argumentos em si mesmos

segunda diferença importante. A avaliação do argumento dedutivo é conclusiva, no sentido de que ou o argumento é válido ou é inválido, no sentido de validade dedutiva que esclarecemos acima. A avaliação do argumento indutivo acontece em graus, donde se dizer que um argumento indutivo é mais ou menos forte, ou mais ou menos fraco, de acordo com as premissas adotadas pelo argumento.

A valida dedutiva enquanto padrão de avaliação de um argumento somente pode ser atribuída aos argumentos dedutivos. Dizer que um argumento é válido, nesse sentido, significa dizer que, considerando que suas premissas sejam verdadeiras, a conclusão é necessariamente verdadeira. O argumento indutivo, ainda que tenha premissas verdadeiras, não força a verdade da conclusão. Vejamos:

(1) Todos os homens são mortais (2) Sócrates é homem

.: (3) Sócrates é mortal

Esse é um argumento dedutivo porque não há qualquer possibilidade de, em sendo verdadeiras as premissas, não ser verdadeira a conclusão. Além de dedutivo, é um argumento válido. Veja esse outro exemplo:

(1) Todos os homens reencarnam após a morte (2) Sócrates é homem

.:(3) Sócrates reencarnará após a morte

Veja que, nesse caso, a premissa (1) é objeto de disputa, não se pode dizer que ela é verdadeira para todos os casos, para todas as pessoas e para todas as crenças. Mas, se a considerarmos verdadeira, podemos avaliar o argumento segundo um padrão de validade dedutivo, e ele se apresentará como um argumento dedutivo válido. Pois, considerando verdadeiras as premissas (1) e (2), não há possibilidade de (3) não ser também verdade. Mas, se não a considerarmos verdadeira, podemos reformular o argumento para continuar a utilizar a premissa com algumas modificações. Nesse caso, não fará sentido avaliar a validade dedutiva do argumento, mas sim sua força. Veja:

podem ser classificados tanto como dedutivos ou como indutivos, de acordo com o padrão de avaliação ao qual eles pretendam corresponder”.

(1) Os espíritas acreditam que os homens reencarnam depois da morte (2) Muitas pessoas inteligentes são espíritas

(3) Sócrates é homem

.:(4) Sócrates reencarnará após a morte.

Esse é um argumento indutivo. Como se vê, nos argumentos indutivos, ainda que todas as premissas sejam tidas como verdadeiras por todas as partes que fazem parte do jogo argumentativo, é possível disputar a verdade da conclusão, é possível que a conclusão seja falsa. No último exemplo citado, ainda que admita como verdadeiras as premissas (1), (2) e (3), e ainda que considere que elas são razões para a conclusão (4), posso, ainda assim, ter razões mais fortes para concluir que os homens não reencarnam após a morte. Posso afirmar por exemplo que, ainda que os espíritas acreditem que os homens reencarnam depois da morte, ainda que muitas pessoas inteligentes sejam espíritas e ainda que Sócrates seja homem, não há evidências científicas acerca da reencarnação, o que pode ser um argumento forte o suficiente para discordar da conclusão: Sócrates reencarnará após a morte.

Acerca da força do argumento indutivo veja-se o seguinte exemplo:

(1) Alguns homens reencarnam após a morte (2) Sócrates é homem

.:(3) Sócrates reencarnará após a morte

Nesse caso, ainda que se considerem verdadeiras as duas premissas (1) e (2), não há como concluir necessariamente pela verdade de (3). Esse é um argumento indutivo fraco. Fraco porque a afirmação (1) é sujeita a disputas, além disso não se tem um dado estatístico ou uma amostra que favoreça ou indique que a conclusão irá acontecer. O argumento ganha força se for apresentado da seguinte maneira:

(1) Estudos indicam que 95% dos homens reencarnam após a morte (2) Sócrates é homem

.:(3) Sócrates reencarnará após a morte

A maioria dos argumentos utilizados, mesmo nas ciências naturais, são do tipo indutivo, já que, no mais das vezes, as ciências oferecem razões para a explicação de um determinado fenômeno natural, mas, ainda que essas premissas sejam verdadeiras, delas não

decorre necessariamente a conclusão. Pode haver outras explicações, até então insuspeitas, para o mesmo fenômeno. As premissas cuja verdade não é completamente estabelecida correspondem a uma teoria, ou seja, uma hipótese para explicação do fenômeno. Quando se oferecem outras explicações, substituem-se as premissas e, portanto, as próprias teorias para explicar determinado fenômeno. Assim se deu, por exemplo, com a chamada revolução copernicana.

Segundo Aristóteles, no que é conhecido como modelo ou teoria aristotélica do universo, a terra seria o centro do universo, com as estrelas, os planetas e o Sol orbitando ao seu redor. Aristóteles fixou uma série de premissas que autorizavam a concluir que o Sol gira ao redor da Terra. Copérnico propôs novas premissas, estabelecendo um novo modelo do universo que, somente aos poucos, foi tendo a confirmação científica, sobretudo a partir da invenção do telescópio por Galileu Galilei, no que ficou conhecido como revolução copernicana. Em ambos os casos, trata-se de argumentos indutivos porque das premissas não decorre necessariamente a conclusão. Sempre é possível o surgimento de novas premissas, de novas teorias, para explicar o mesmo fenômeno.

Isso também mostra, por outro lado, que, ao contrário do que comumente se diz, algumas vezes, o argumento indutivo parte de premissas gerais para explicar fenômenos singulares ou de premissas singulares para explicar um caso também singular, como no caso da extinção dos dinossauros há cerca de 65 milhões de anos222. Os cientistas se preocupam em coletar evidências factuais que possam explicar a queda de um asteroide e, em decorrência desse fato, a extinção dos dinossauros. Usando argumentos indutivos, eles não partem de casos singulares para estabelecer uma lei geral, na verdade juntam fatos singulares para fixar premissas que explicarão um caso singular: a extinção dos dinossauros.

A decisão judicial, em quase todos os casos, como veremos no próximo tópico, também se utiliza de argumentos indutivos e não de argumentos dedutivos. Mas atenção! Como esclarece Atienza, “todo argumento indutivo pode se converter em dedutivo se se acrescentam as premissas adequadas”223. Sendo assim, é comum que os argumentos jurídicos sejam apresentados como argumentos dedutivos. Esses argumentos, apresentados segundo a forma de argumentos dedutivos, escondem, contudo, argumentos indutivos já que (a) as premissas são apresentadas como verdadeiras, mas, na verdade, frequentemente há disputa quanto à verdade ou aceitação das premissas; (b) muitas vezes, um termo ambíguo é

222 O exemplo consta em SINNOTT-ARMSTRONG, Walter; FOGELIN, Robert. Op. cit. p. 218.

223ATIENZA, Manuel. As razões do Direito: teorias da argumentação jurídica: Perelman, Toulmin,

MacCormick, Alexy e outros. [tradução: Maria Cristina Guimarães Cupertino]. 2 ed. São Paulo: Landy, 2002. p. 45.

apresentado no argumento como tendo um sentido unívoco, o que esconde uma disputa sobre a aceitação da acepção semântica dos termos utilizados.