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A razão e seus critérios

2. A SEMÂNTICA DA DECISÃO JUDICIAL: DISCRICIONARIEDADE E

3.2. Decisão judicial como discurso racional

3.2.2. A razão e seus critérios

Sigamos ainda com Habermas para nos aproximarmos de uma ideia de racionalidade alinhada com a filosofia da linguagem. Se a linguagem é a condição, o meio pelo qual conhecemos o mundo, os critérios de racionalidade devem ser estabelecidos a partir do uso da linguagem. É nessa perspectiva que Habermas constrói o seu conceito de racionalidade discursiva:285 a partir das pretensões que podem ser anexadas pelo falante aos atos de fala286. Habermas defende a tese de que há pelo menos quatro pretensões de validade

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“Según esta teoría sólo puedo (con ayuda de oraciones predicativas) atribuir un predicado a un objeto si también cualquiera que pudiera entrar en discusión conmigo atribuyese el mismo predicado al mismo objeto; para distinguir los enunciados verdaderos de los falsos, me refiero al juicio de los otros y, por cierto, al juicio de todos aquellos con los que pudiera iniciar una discusión (incluyendo contrafácticamente a todos los oponentes que pudiera encontrar si mi vida fuera coextensiva con la historia del mundo humano)”. HABERMAS, Jürgen. Op. cit. p. 121.

283HABERMAS, Jürgen. Op. cit. p. 121. 284

ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como Teoria da Justificação Jurídica. [tradução: Zilda Hutchinson Silva]. 2 ed. São Paulo: Landy, 2005. p. 121.

285 “A racionalidade de uma pessoa mede-se pelo fato de ela se expressar racionalmente e poder prestar contas de

seus proferimentos adotando uma atitude reflexiva. Uma pessoa se exprime racionalmente na medida em que se orienta performativamente por pretensões de validade; dizemos que ela não apenas se comporta racionalmente, mas que é racional, quando pode prestar contas de sua orientação por pretensões de validade. Também chamamos esse tipo de racionalidade de plena responsabilidade”. HABERMAS, Jürgen. Verdade e justificação: ensaios filosóficos. [tradução: Milton Camargo Mota]. São Paulo: Edições Loyola, 2004. p. 102.

286Sobre a teoria dos atos de fala e suas classificações cf. AUSTIN, J. L. How to do things with words. 2 ed.

Cambridge: Harvard University Press, 1962; SEARLE: John R. Speech Acts: an essay in the philosophy of language. New York: Cambridge University Press, 1969.

anexáveis aos atos de fala e relacionadas à racionalidade287. Tais pretensões constituem um plexo que podemos chamar racionalidade. São elas: (a) inteligibilidade; (b) verdade; (c) correção; (d) veracidade288. Essas pretensões de validade são anexadas ou anexáveis aos atos de fala.

Convém, aqui, um breve esclarecimento acerca dos atos de fala. Os atos de fala, segundo Searle, são as unidades básicas ou mínimas da comunicação linguística289. Ainda segundo Searle, “speaking a language is performing speech acts, acts such as making statements, giving commands, asking questions, making promises, and so on”290. Não é necessário, para os propósitos pretendidos nesta tese, aprofundarmo-nos na teoria dos atos de fala e seus desdobramentos. Basta-nos saber que os atos de fala são a unidade básica da linguagem. É o que fazemos quando falamos algo. Quando praticamos um ato de fala, podemos afirmar alguma coisa, negar alguma coisa, descrever, advertir, comentar, ordenar, requerer, criticar, desculpar, censurar, aprovar, prometer, objetar, arguir, etc.

Voltemos às pretensões de validade associadas aos atos de fala que, segundo Habermas, são critérios de racionalidade. A pretensão de inteligibilidade está presente em qualquer ato de fala. A pretensão de verdade, normalmente, se anexa aos atos de fala constatativos. Quando se faz uma afirmação, pretende-se que o que é afirmado seja tido como verdadeiro pelo interlocutor. Não faz sentido afirmar, por exemplo, “há um gato em cima do tapete, mas eu não acredito nisso”. A pretensão de correção está presente nos atos de fala regulativos, aqueles que expressam ordens, promessas ou propostas. Por fim, a pretensão de veracidade está presente nos atos de fala que expressam intensões e atitudes do falante.291

Segundo Habermas, todos os jogos de linguagem onde os participantes trocam atos de fala coordenados são acompanhados pelo que ele chama de “consenso de fundo”

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A racionalidade da comunicação e, conjugada a ela, a ética do discurso, guia todo o projeto teórico de Habermas, como explica Gorgon Finlayson, “Habermas’s pragmatic theory of meaning, together with his theory of communicative rationality, provide the guiding ideas of his social, ethical, and polical theory”. FINLAYSON, Gordon. Habermas: a very short introdution. Kindle edition. New York: Oxford University Press, 2005. Posição 260. Em tradução livre: “A teoria pragmática do sentido, juntamente com sua teria da racionalidade comunicativa, proveem as ideias centrais para sua teoria social, ética e política.”

288 “Voy a defender la tesis de que hay a lo menos cuatro clases de pretensiones de validez, que son

cooriginárias, y que esas cuatro clases, a saber: inteligibilidad, verdad, rectitud y veracidad, constituyen un plexo al que podemos llamar racionalidad”. HABERMAS, Jürgen. Teoría de la accíon comunicativa: complementos y estudios previos. 6 ed. [traducción: Manuel Jiménez Redondo]. Madrid: Cátedra, 2011. p. 121.

289 SEARLE, John R. Op. cit., p. 16. 290

SEARLE, John R. Op. cit. p. 16. Em tradução livre: “falar uma língua é praticar atos de fala, atos como fazer afirmações, dar comandos, fazer perguntas, fazer promessas, e assim em diante”.

291 ALEXY, Robert. Op. cit. p. 124. Os atos de fala podem ser classificados de muitas maneiras diferentes de

acordo com a ação praticada com a fala ou pronunciamento. Essas classificações podem ser mais ou menos extensas. Seguimos, com Alexy, a classificação dos atos de fala de Habermas, embora as diversas teorias dos atos de fala proponham diversas classificações possíveis, a maioria delas derivada dos estudos de Austin e Searle.

acerca dessas pretensões292. O “consenso de fundo” é o reconhecimento recíproco, entre os participantes dos jogos de linguagem, dessas quatro pretensões de validade, pelo menos. Reconhecer essas pretensões de validade, significa dizer que cada falante (a) aceita que o pronunciamento dos demais é inteligível (inteligibilidade), (b) reconhece esses pronunciamentos como verdadeiros (verdade); (c) reconhece as normas que orientam esses pronunciamentos como corretas (correção); (d) não põem em questão a veracidade (sinceridade) do falante. Quando se põe em dúvida qualquer dessas pretensões de validade, o jogo de linguagem é perturbado e a comunicação, prejudicada. Vejamos mais de perto a que se referem cada uma dessas pretensões de validade.

A inteligibilidade está relacionada com o significado semântico do que é dito, diz respeito ao entendimento basilar da comunicação. Segundo Habermas, quando a inteligibilidade se torna problemática, cabe fazer as seguintes perguntas a quem fala: o que você quer dizer com isso? O que significa o que você está dizendo? A verdade tem a ver com a existência do estado de coisas tal qual enunciado pelo falante, tem um aspecto empírico, relacionado ao mundo objetivo293. Quando a verdade é problemática, as perguntas são do tipo: as coisas se passaram assim mesmo? O que você diz aconteceu dessa forma? Por que é assim e não de outra maneira? A correção tem a ver com as normas seguidas, pressupostas ou enunciadas pelo falante ao ordenar, prometer, solicitar ou propor algo. “La rectitud es como hemos visto una pretensión de validez que dice que una norma de acción (o de valoración) vigente es reconocida con razón, que ‘debe’ estar vigente”294. As perguntas relacionadas são: por que você fez isso? É correto se comportar dessa maneira? É lícito agir assim? Não deveria ter se comportado de outra maneira? A veracidade do falante tem a ver com a transparência, com a confiança que podemos ter no que é dito e na intenção de quem enuncia o que é dito. A veracidade “dice que las intenciones que expreso (pensamientos, necesidades y sentimientos) las estoy pensando en serio, exactamente como las expreso”295. As perguntas relacionadas

292 “Un juego de lenguaje que funciona, en el que se intercambian actos de habla coordinados, se ve acompañado

de un ‘consenso de fondo’. Este consenso consiste en el reconocimiento recíproco de a lo menos cuatro pretensiones de validez, que los hablantes competentes han de entablar mutuamente en cada uno de sus actos de habla: se pretende inteligibilidad para las emisiones o manifestaciones, la verdad del contenido proposicional, la rectitud (Richtigkeit) de su componente realizativo y la veracidad de la intención que el hablante expresa”. HABERMAS, Jürgen. Teoría de la accíon comunicativa: complementos y estudios previos. 6 ed. [traducción: Manuel Jiménez Redondo]. Madrid: Cátedra, 2011. p. 121-122.

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Segundo Habermas, mundo objetivo “é a totalidade de entidades a respeito das quais são possíveis enunciados verdadeiros”. HABERMAS, Jürgen. Verdade e justificação: ensaios filosóficos. [tradução: Milton Camargo Mota]. São Paulo: Edições Loyola, 2004. p. 103.

294HABERMAS, Jürgen. Teoría de la accíon comunicativa: complementos y estudios previos. 6 ed. [traducción:

Manuel Jiménez Redondo]. Madrid: Cátedra, 2011. p. 137

são: será que o falante está enganando a seus interlocutores? Será que está enganando a si mesmo?296.

Sendo assim, a inteligibilidade está relacionada com o significado dos signos expressos. A verdade, com o acordo discursivo acerca dos fatos enunciados (estados de coisas). A correção, com justiça das normas seguidas, pressupostas ou enunciadas pelo falante. E a veracidade, com a sinceridade do comportamento ou da intenção do falante. Habermas adverte que a inteligibilidade é uma pretensão de validade já resolvida e não meramente uma promessa, já que, na maioria dos discursos não se põe em dúvida a inteligibilidade dos enunciados. Por isso, ele prefere reposicionar a inteligibilidade como uma condição da comunicação entre os falantes, e não como uma pretensão de validade297. Observa também que a pretensão de veracidade não se resolve discursivamente, mas faticamente, ou seja, no contexto de ações e não no contexto de discursos.

Se ainda não ficou claro, é importante frisar a diferença entre ação e discurso no contexto da teoria habermasiana. “Ações são jogos de linguagem, em que as pretensões de validade presentes nos atos de fala são tacitamente reconhecidas. Ao contrário, nos discursos, as pretensões de validade que se tornaram problemáticas se transformam no tema e se investiga sua fundamentação”298. O discurso é, portanto, o âmbito em que divergências acerca da verdade dos fatos e da correção das normas se resolvem mediante a argumentação. Alguém não confia no falante pelo que ele enuncia, mas por suas atitudes, pelo modo como ele enuncia o que enuncia, e pelo conjunto de suas falas e ações ao longo do discurso. Segundo ele, “[n]i los interrogatorios ni los diálogos psicoanalíticos entre médico y paciente pueden entenderse como discursos en el sentido de una búsqueda cooperativa de la verdad”299.

Nesse ponto é importante lembrar uma diferença importante que Habermas estabelece entre comunicação não estratégica e comunicação estratégica, ou entre o agir comunicativo e o agir estratégico. A comunicação não estratégica está voltada para o entendimento, o consenso de fundo acerca daquelas pretensões de validade está presente. A comunicação estratégica, segundo Habermas, não está voltada para o entendimento, nela não se pode presumir o consenso de fundo. Este é o caso do interrogatório, onde o policial não pode presumir a veracidade do interrogado, nem o interrogado presume a veracidade do interrogador. Também nos diálogos psicanalíticos essas pretensões, ou pelo menos parte delas, um momento ou outro, são suspensas. Tanto assim que a proposta da psicanálise é que

296HABERMAS, Jürgen. Op. cit. p. 122.

297 HABERMAS, Jürgen. Op. cit. p. 123. 298

ALEXY, Robert. Op. cit. p. 121-122.

o analista revele informações inconscientes do paciente, que ele só consegue acessar por meio de símbolo, inferências, metáforas etc., descobrindo o que o paciente tenta ocultar de si mesmo. Nesse mesmo sentido, Habermas diz que o processo judicial seria uma comunicação estratégica. Até que ponto isso afetaria a racionalidade e a pretensão de correção das decisões judiciais?

No que nos interessa mais de perto, o ponto fulcral acerca das pretensões de validade relacionadas à racionalidade, é o fato de que a verdade e a correção são ambas pretensões que se resolvem discursivamente. Isto é, quando são problematizadas, estas pretensões são solucionadas no âmbito do discurso, no âmbito da argumentação. A verdade diz respeito aos fatos, a correção diz respeito às normas; ambas são resolvidas discursivamente. Em um exame preliminar, podemos afirmar, com Alexy, que “[t]anto o discurso moral quanto o discurso jurídico são jogos de linguagem sui generis, de um tipo próprio”300. A decisão judicial insere-se no discurso jurídico, sendo limitada pelas regras do discurso jurídico e, além delas, especificamente pelas normas jurídicas que regulam o processo judicial. Podemos afirmar também que, no processo judicial, a petição inicial levanta a pretensão de validade com relação à verdade de alguns fatos e com relação à correção de algumas normas. A contestação torna problemática essa pretensão, iniciando o discurso (relação processual), onde se resolverá a verdade dos fatos e a correção das normas.

A pretensão de correção que se anexa aos atos de fala no discurso jurídico, entendido como aquele que acontece no processo judicial, deve ser observada com todo cuidado, pois é ponto central para a tese que estamos apresentado. Na verdade, Habermas não esclarece com precisão o que seja essa pretensão de correção com relação aos atos de fala regulativos ou normativos. Estaria ele falando sobre a justiça da norma pressuposta ou enunciada por um dos falantes do discurso? Estaria ele se referindo a normas jurídicas, a normas morais ou a ambas? Por outro lado, quando Habermas se refere a esses atos de fala, está se referindo ao diálogo que acontece entre dois sujeitos comuns, sem qualquer menção à força coercitiva da decisão judicial, conferida pelo ordenamento, não pelo discurso. Nesse sentido, o cumprimento da norma não depende nem da racionalidade pretendida nem de eventual acordo discursivamente alcançado. Dentro desse contexto, duas questões são importantes: a decisão judicial pode ser classificada como um ato de fala regulativo? A esse ato de fala se anexa uma pretensão de correção?

300ALEXY, Robert. Op. cit. p. 73.

Na medida em que a decisão judicial é uma ordem, podemos afirmar que é um ato de fala regulativo ou normativo, mas a decisão judicial não se exaure nessa descrição. O primeiro ponto a observar é que a decisão judicial é composta de três partes: o relatório, a fundamentação e o dispositivo. Ao emitir a ordem judicial, o núcleo da ordem judicial em si, o dispositivo, a esse ato de fala o juiz não agrega uma pretensão de correção no sentido habermasiano. Ao ser emitida, a ordem judicial traz em si uma pressuposição de validade no sentido kelseniano, antes que uma pretensão de validade no sentido habermasiano. Essa pressuposição pode ser muito bem visualizada no adágio: “ordem judicial não se discute, cumpre-se”. Sim, isso é o caso quanto ao dispositivo, quanto ao núcleo da ordem judicial. Nesse sentido, só muito restritamente, poder-se-ia falar em decisão inválida ou em decisão incorreta. Essa circunstâncias não afasta, todavia, a pretensão de correção que o juiz agrega à fundamentação, uma pretensão de que os argumentos lançados na decisão sejam a melhor interpretação do Direito para o caso. Aliás, disso depende, como veremos, a legitimidade da decisão judicial e do Direito. Essa pretensão é semelhante à pretensão que os advogados da parte autora e da parte ré, bem como os juízes das instâncias superiores, agregam a suas próprias argumentações. Tanto autor como réu como os juízes pretendem, ao lançar seus argumentos, que a interpretação do Direito que defendem seja a melhor interpretação do Direito.

Há um segundo ponto a considerar. A pretensão de correção que juízes e advogados anexam a suas argumentações não se refere meramente aos aspectos relacionados à vigência ou conteúdo semântico da norma em discussão. Também não se trata de um discurso sobre a justiça da norma, tout court; em verdade, a pretensão que advogados e juízes anexam aos seus atos de fala na relação processual, envolve a melhor interpretação do Direito, no sentido de Dworkin. A discussão que se estabelece acerca da interpretação das normas ultrapassa o aspecto meramente fático para alcançar os aspectos teóricos, ou seja, aspectos que dizem respeito aos fundamentos do Direito e, a partir daí, tentam estabelecer a melhor interpretação para o Direito disputado.

Um exemplo pode ser útil para clarificar esses conceitos. Imaginemos uma ação ordinária onde o autor, que chamaremos Antônio, menor impúbere, peça ao juiz que condene o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS a conceder-lhe a pensão, em razão da morte de seu avô, que detinha sua guarda judicial. O autor fundamenta seu pedido, no art. 33, § 4.º, do

Estatuto da Criança e do Adolescente301, segundo o qual “[a] guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de Direito, inclusive previdenciários”. O INSS contesta o pedido com base no art. 16, § 2.º, da Lei 8.213/91302. Argumenta que a Lei 9.528/97 excluiu o menor sob guarda do rol de pessoas que podem ser equiparadas ao filho para fins previdenciários.

Percebe-se que não há controvérsia quanto aos fatos alegados pela parte autora. O INSS contesta apenas qual norma deve ser aplicada, mas não discute que o menor é impúbere e que, por ocasião da morte, seu avô detinha a guarda judicial do menor. Os atos de fala do autor (alegações) quanto a este ponto não são problematizadas (controvertidas), daí que a verdade é consensualmente estabelecida. Com relação ao Direito a ser a aplicado, a comunicação entre autor e réu é problematizada. O autor argumenta que a melhor interpretação do Direito para o caso impõe a aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente. Sendo assim, o autor levanta uma pretensão de que sua interpretação é a mais correta ou mais adequada. Ele defenderá essa interpretação com base em argumentos no âmbito do discurso que terá lugar no processo judicial. De igual modo, o INSS levanta uma pretensão de correção para sua afirmação de que a melhor interpretação do Direito impõe a aplicação do art. 16, § 2.º, da Lei 8.213/91 e desenvolverá argumentos para justificar sua pretensão.

Os argumentos, de parte a parte, podem se desenvolver acerca da finalidade da norma, da aplicação da norma especial em preferência à norma geral, da melhor interpretação da norma à luz dos princípios constitucionais, etc. A pretensão de melhor interpretação ou interpretação mais adequada que tanto autor como réu levantam no processo judicial (discurso) não se ajusta perfeitamente à pretensão de correção que Habermas parece ter em mente quando se refere à pretensão que se anexa aos atos de fala regulativos. Ainda assim, a concepção de Habermas é bastante útil para compreendermos que, no discurso jurídico que acontece no processo judicial e que resulta na decisão judicial, a verdade dos fatos, assim

301 Art. 33. A guarda obriga a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente,

conferindo a seu detentor o Direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais. [...]§ 3º A guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de Direito, inclusive previdenciários.

302 Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:

I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave; [...]§ 2º .O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica na forma estabelecida no Regulamento.(Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997). A redação anterior do § 2.º, estabelecia o seguinte:

§ 2º Equiparam-se a filho, nas condições do inciso I, mediante declaração do segurado: o enteado; o menor que, por determinação judicial, esteja sob a sua guarda; e o menor que esteja sob sua tutela e não possua condições suficientes para o próprio sustento e educação.

como a melhor interpretação das normas é resolvida discursivamente. Talvez não possamos dizer consensualmente alcançada, pelo menos não no sentido de consenso imediato, entre o juiz e as partes, mas podemos dizer consensualmente alcançada se consideramos o conjunto de todas as decisões e a lenta pacificação da jurisprudência, como veremos mais a frente.

Uma teoria da decisão judicial que estabeleça esse modelo traz grandes vantagens para a prática e para a crítica do sistema de justiça. Assim como a verdade é uma pretensão de validade dos fatos, a correção é uma pretensão de validade das normas, podemos dizer que a melhor interpretação ou a interpretação correta ou mais adequada oferecida pelas partes é uma pretensão de validade que está entre a verdade e a correção. À falta de outro termo, poderíamos usar pretensão de interpretação mais adequada, melhor interpretação ou interpretação correta do Direito. É uma pretensão de validade própria do discurso jurídico que acontece no processo judicial. A pretensão de interpretação correta reclama que a intepretação oferecida para uma norma seja a mais adequada, no sentido de que é a que melhor reflete o estado de coisas e de que é a que oferece a melhor resposta às demandas do Direito como integridade, sendo, por isso, a melhor continuação do “romance em cadeia” interpretativo, no sentido de Dworkin.

À luz da teoria consensual da verdade de Habermas, algumas objeções podem ser feitas a essa proposta, sendo as mais importantes as seguintes: (a) o processo judicial não é discurso, mas ação estratégica; (b) é impossível alcançar o consenso do âmbito do sistema de