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A defesa do caminho (méthodos) de Péricles e Hipócrates, e

2. A segunda parte do diálogo e problemas da referida leitura

2.6. A defesa do caminho (méthodos) de Péricles e Hipócrates, e

Então, pergunta Fedro, como poderiam adquirir a verdadeira retórica e arte de persuadir?É necessário, diz Sócrates, como para ser completo(teleon) em tudo mais, physis, episteme e melete.O caminho (methodos) de Lísias e Trasímaco não seria adequado. Qual seria, então? É verossímil que Péricles tenha sido o mais perfeito (teleotatos) em retórica: nenhuma das artes grandiosas dispensa alguma verbosidade (adoleskhias) e especulações elevadas sobre a natureza (meteorologias physeos). Além dos dotes naturais, estudou com Anaxágoras a natureza do inteligente (nou) e do que carece de inteligência, saber que aplicou à retórica. A arte médica é semelhante à retórica: para atingir a arte, superando mera rotina (tribe) e experiência (empeiria), em ambas é preciso analisar a natureza: do corpo, numa, da alma, noutra. Com drogas (pharmaka) e alimento, produz-se, num caso, a saúde e a força; com discursos (logous) e atividades legais, transmite-se, noutro caso, a persuasão (peitho) e a virtude que se queira. Mas se pode conhecer a natureza da alma sem a natureza do todo (tes tou holou physeos)? Se é necessário dar crédito (peithesthai) a Hipócrates, o Asclepíade, responde Fedro, sem esse método nem o corpo será conhecido. Mas é preciso examinar também o lógos, a ver se está em sinfonia com ele. Primeira descrição do método (para conhecer tudo): para compreender (dianoeisthai) a natureza seja do que for, deve-se, primeiro, (1) ver se é simples (haploun) ou multiforme (polyeides) aquilo cuja técnica se quer ter e ensinar aos outros; depois, (2) se for simples, examinar do que é capaz (dynamin), como naturalmente age e em relação a que, como sofre e pelo quê; (3) se for multiforme, enumerar suas formas e ver como cada uma age e sofre. Sem esse caminho/método a caminhada é de cego. Segunda descrição (aplicado à alma para a retórica): quem ensina a arte dos discursos mostra (deiksei) com exatidão (akribos) a essência (ten ousian) da natureza (physeos) daquilo a que se aplicam os discursos, i.e., a alma, pois pretende produzir persuasão. Primeiro, então, (1) deverá fazer ver com exatidão se a alma é homogênea ou multiforme; segundo, (2) saber como age e padece naturalmente; terceiro, (3) dispor os discursos e as almas segundo gêneros em suas respectivas afecções (pathemata), mostrando as causas (aitias) pelas quais umas almas são necessariamente (eks anankes) persuadidas por uns discursos e outras ficam indiferentes. Não há outro meio de demonstração, seja do que for, pela escrita ou pela fala. Quem escreve as artes e não sabe isso, não escreve com arte. Terceira descrição (para

a prática retórica de conduzir almas): Uma vez que a capacidade (dynamis) do discurso é a de conduzir/despertar almas (psykhagogia), quem quiser ser retórico terá de saber (1) quantas formas (eide) há de alma: desse ou daquele jeito. Deve saber, depois, (2) quais são as formas de discurso, de tal ou qual modo. Daí a causa de homens serem persuadidos por certos discursos, outros, por outros. Tendo aprendido bem isso, deverá observar na prática a ver se consegue: (3) perceber agudamente a que tipo de alma pertence o homem diante dele, (4) aplicar-lhe os discursos adequados, conforme o estudo, e no momento adequado (kairous), sabendo a hora de falar ou de calar, com o estilo e o tamanho adequados. Somente com tudo isso a arte será bela e perfeita. Não se deve deixar persuadir por quem não souber isso. Mas seria isso mesmo? – Sócrates faz alguém perguntar. Não haveria um caminho (hodos) mais fácil e curto? Fedro deve tentar (peiro) lembrar. Fedro tenta (peiras), mas não consegue. Mas Sócrates lembra o que já ouviu, e é justo deixar o lobo falar. Dizem que não é preciso ir tão alto fazendo longos rodeios (anagein ano makran periballomenous): para ser um retórico e persuadir com arte bastaria o verossímil, sendo supérflua a verdade. Isso ocorre com frequência nos tribunais, onde ninguém dá a mínima para a verdade: casos há em que, de fato, não convém mencionar os fatos mesmos, quando não são verossímeis. Fedro diz que lembra ter aprendido isso brevemente. Sócrates pergunta a Tísias, com quem Fedro teria aprendido sobre o verossímil, se o verossímil seria diferente do que parece à massa (to to plethei dokoun). Não seria. Sócrates dá o exemplo do homem robusto, porém covarde, que é assaltado pelo fraco, porém corajoso, como caso em que a verdade é inverossímil. Sócrates, porém, discorda de Tísias (Quarta descrição do método [para agradar aos deuses]): verossimilhança convence por semelhanças com a verdade, mas só quem (1) conhece a verdade poderá descobrir as semelhanças em todas as suas manifestações; (2) enumerar, depois, as naturezas dos ouvintes, bem como (3) dividir as coisas segundo formas.Seria bastante trabalho, mas os homens prudentes devem falar para - eis um novo telos da arte - agradar aos deuses e não aos homens. Se o percurso (periodos) for longo, não há surpresa: deve percorrê-lo (periiteon).

Interpretação: Antes de mais nada, cumpre dizer que não é verossímil que o método de reunião e divisão, pelo menos tal como é descrito acima, pudesse cumprir a tarefa em questão, seja ela interpretada como “para conhecer a natureza da alma é preciso conhecer a natureza da alma inteira” seja como “para conhecer a natureza da alma

é preciso conhecer a natureza do Todo”. A frase por si só é ambígua, mas adquire sentidos diferentes conforme o pano de fundo contra o qual é lida. Se somente o que se segue imediatamente é considerado, parecerá que a interpretação correta é a de que Sócrates fala na natureza do todo da alma em contraposição a almas individuais; ainda assim haveria a ambiguidade entre dois pares: forma universal(toda alma)- espécies(tipos de alma), de um lado, e todo(a alma inteira)-parte, de outro82. Se, por outro lado, dá-se ênfase à menção à “meteorologia”, ao “inteligente” e ao “desprovido de inteligência” bem como à palinódia, torna-se bastante plausível pensar que a frase diz que só é possível conhecer a natureza da alma conhecendo a natureza do Todo83. Não se pretende resolver essa ambiguidade aqui. No entanto, a solução que parece mais verossímil é considerar que tal ambiguidade é proposital84. Assim a frase poderia a um só tempo estar em consonância com o que se segue e, por outro lado, chamar a atenção de alguns leitores para a diferença entre o modo atual de conhecer todaalma e o modo como a palinódia tentou descrever a alma inteira no Todo.

Na palinódia de Sócrates, era imprescindível ver a alma humana no Todo para poder ver suas principais características, inclusive sua possibilidade de ser um todo: sua relação com a realidade supracelestial, sua decadência para esse mundo, sua inferioridade em relação à alma divina, sua possibilidade de ser um todo harmônico graças ao movimento erótico de ascensão ao supracelestial. Claro que para mostrar isso Sócrates teve de recorrer a um mito e a uma imagem. Com efeito, ele dificilmente poderia mostrar tudo que ele mostrou de tão importante sobre a alma humana com o método de reunião e divisão de formas tal como ele o descreve em seguida. Daí não ser estranha a ausência de qualquer referência ao amor, à inspiração, à imortalidade e ao conhecimento das essências eternas nessa descrição.

                                                                                                                         

82 Porque em 270d Sócrates parece falar em termos de todo e parte, ao passo que a partir de 271a-b passa a falar em termos de forma geral e espécies de alma.

83 Não há consenso sobre o sentido da passagem entre os estúdios: cf. HACKFORTH, 2001, p.146-150, para um estudioso-tradutor que a toma como natureza da alma como um todo, ou seja, em universal; Cf. SCULLY, 2003, p.58, para outro estudioso-tradutor que a toma como o todo do universo; JAEGER, 2003, p.1268, interpreta no mesmo sentido: conjunto da natureza, o cosmos; Ferrari compreende como “o sistema inteiro”, ou seja, a alma como um todo complexo em interação com o ambiente, através de ações e paixões, em vez de como universal. FERRARI, 2002, p.76.

Em verdade, deve o leitor notar que o amor, enquanto força motriz da alma toda em direção ao ser, era fundamental para que a alma pudesse vir a ser um todo harmônico: as asas da alma, que simbolizavam o amor, não eram nenhuma forma ou parte da alma, já que estavam espalhadas por diversas partes dela (251, em 249c4 fala-se até nas asas da inteligência do filósofo)85. Como as asas que garantiam que o movimento tivesse uma só direção, e isso implica a harmonia das partes, as asas (ou seja, amor) é que possibilitavam à alma tornar-se um todo harmônico. Como o método aparentemente não conseguiria descrever a alma com o amor (ou com asas por toda a alma), não é de se estranhar que ele não preveja a determinação do poder (dynamis) de um todo complexo, isto é, como seriam as ações e paixões da alma enquanto um todo complexo. Com efeito, note-se que a descrição fala, primeiro, em ver se o objeto em questão é simples ou não; depois, se for simples, determinar suas ações e paixões; se complexo, determinar as ações e paixões de cadaparte. Não se fala, portanto, em determinar as ações e paixões de um todo complexo, com o que o método parece excluir a possibilidade da harmonia da alma. Em última instância, isso parece decorrer de sua não consideração do telos da alma (i.e., da Beleza, da Verdade, do Ser), justamente enquanto aquilo que faz crescer suas asas e a põe em movimento harmônico.

Relacionado a isso está o fato de o método não prever o uso de imagens. Com efeito, a imagem da alma exerceu papel importante para Sócrates poder fazer ver a alma tanto como um todo quanto no Todo. A imagem fornece ao ouvinte umasó figura do todo em que a alma está incluída; num só golpe de olhar o ouvinte vê esse todo complexo: céu- além-deuses-homens-terra. O mesmo quanto à alma mesma, que pôde ser vista assim, de um só golpe, como umaparelha-alada-de-cavalos-e- cocheiro86. Agora, porém, fica muito difícil ver a alma como um todo complexo funcionando em harmonia no Todo - afinal, o método opera por separações. Ele não parece, por isso, ter a capacidade de mostrar as coisas de forma tão holística quanto as imagens. O Todo é maior que a mera soma analítica das partes.

Diante disso e do começo da imagem da alma (246a), em que Sócrates falava na dificuldade humana em dizer o que a alma é, um ponto em especial da passagem acima deveria parecer chocante: Sócrates diz que é evidente (delon) (!) que quem ensina a arte dos

                                                                                                                         

85

GRISWOLD, 1996, p.193. 86GRISWOLD, 1996, p.149.

discursos mostrará (deiksei) com exatidão (akribos) a essência da natureza (ten ousian [...] tes physeos) da alma (270e). Depois da palinódia, e proferida assim num tom um tanto arrogante por Sócrates (!), é verossímil que essa afirmação esteja insinuando, ironicamente, que as pretensões do método são desmedidas.

Essa aparente arrogância pode decorrer do fato de o método prometer ser capaz de conhecer qualquer coisa (1ª descrição) e não fazer nenhuma distinção entre níveis ontológicos87. De fato, não distingue o humano do divino, o eterno do temporal, o inteligível do sensível, o corpo da alma, o difícil (como a alma e si mesmo) do fácil de conhecer - aliás, a distinção entre termos polêmicos/ambíguos e termos não polêmicos/ambíguos parece esquecida. E algumas dessas distinções seriam necessárias, se, depois, se quiser saber o que de fato significa “agradar aos deuses e não aos homens” – finalidade da retórica segundo a quarta descrição do método. No entanto, submete-se tudo de antemão ao método. E o método poderá conhecer tudo. Nada menos Socrático – e ainda faz lembrar o canto sedutor das Sereias, que promete onisciência.

E como poderia Sócrates conhecer a si mesmo – ou seja, Sócrates enquanto um homem singular – através desse método de análise da forma da alma? Mas ele diz achar ridículo dedicar-se a examinar as coisas alheias sem antes poder cumprir o preceito délfico (229e). E tudo indica que, a rigor, ele deveria poder cumpri-lo, pelo menos em alguma medida, para conhecer as almas como agora pretende que o método seja capaz. Afinal, o caráter de cada um não influencia em grande medida o que cada um pensa ser, não somente a realidade, mas ainda mais o homem e seus vários tipos?88 A palinódia mostra que sim, como já indicamos. E o caráter do orador teria ainda mais influência no momento do reconhecimento dos tipos estudados nos homens concretos diante dele, pois normalmente enquadramos certos atos em determinadas categorias de pessoa segundo nossos próprios costumes e possibilidades com as quais estamos familiarizados. Mas o método não prevê nada que favoreça o autoconhecimento, que mantenha o orador em guarda contra seus próprios preconceitos, que evite autoilusão, enfim.

Depois, não parece que esse estudo da alma seria de muito préstimo para falar diante de uma multidão, situação mais comum na prática da retórica grega. Por outro lado, se fosse o caso de falar com um só indivíduo ou muito poucos, é provável que a relação discursiva

                                                                                                                         

87

Ibidem, p.191. 88Ibidem, p.194.

passasse de discurso a diálogo ou discussão, situação essa que o método não prevê.

Além disso, em um discurso que pretende enaltecer um método por sua precisão, é digno de se notar a imprecisão com que se descreve e determina esse método: só nessa passagem, Sócrates dá quatro descrições do método - nenhuma idêntica à outra e nenhuma por si só abarcando todos os pontos importantes do método - e depois ainda dará uma quinta (277c)89. Alguém poderia ponderar que tal imprecisão deve-se a que Sócrates e Fedro estão conversando de maneira bastante informal, e, nesses casos, é normal dizer ora uma coisa, ora outra mais completa, conforme as ideias vão sendo lembradas. Ou seja, um texto escrito poderia resolver esse problema, resumindo as conclusões, reduzindo as diversas formulações diferentes a um só, excluindo o supérfluo, evitando repetições e assim por diante. Para o espanto, porém, de quem fizer tal ponderação, em seguida será precisamente a escrita o que será criticado. Por outro lado, essa crítica será feita à luz de uma distinção mais explícita depois, mas não totalmente agora, entre a técnica simpliciter e os fins aos quais ela está subordinada (tekhne x euprepeias, 274b). Isso começa a aparecer de forma mais explícita quando é dito que os homens prudentes falarão para agradar aos deuses. Essa afirmação surpreendente retira, de chofre, o diálogo do horizonte meramente técnico até então predominante, porque coloca a questão do telos mais elevado ao qual a técnica estaria subordinada, bem como retoma um horizonte – aparentemente esquecido desde a palinódia - do qual os deuses, e não só os homens e suas técnicas, fazem parte90. Tal movimento dialético de retomada – de retratação, poderíamos dizer, da técnica diante da filosofia – chega ao auge com o mito de Teuth (um técnico) e Thamuz (um político), em que Sócrates relata a conversa entre duas divindades. Por enquanto, todavia, vemos tão só uma leve antecipação disso.

Ainda que a imprecisão de Sócrates deva-se também ao fato de ele não estar usando o método descrito, mas sim o diálogo, ela parece decorrer em boa medida do fato de em cada descrição o método estar submetido a um propósito diferente, conforme destacado no resumo acima. Se na primeira descrição o método serve para saber a verdade sobre qualquer coisa, na segunda e na terceira só importa conhecer a alma e os tipos de discurso. Somente na quarta descrição, com a

                                                                                                                         

89

GRISWOLD, 1996, p.189. 90Ibidem, p.196.

intervenção do “lobo” com sua retórica do verossímil e com a submissão da retórica à finalidade de agradar aos deuses, é que a importância do conhecimento da verdade sobre a matéria dos discursos volta à tona. Não é nada óbvio, porém, que a retórica submetida à finalidade de agradar aos deuses e que deve conhecer a verdade de suas matérias esteja em consonância com as descrições anteriores, que visa apenas a persuadir sem necessariamente o conhecimento da matéria, muito menos para agradar aos deuses. Mesmo na segunda e na terceira descrições, a busca pela verdade sobre a alma é bastante limitada a um ponto de vista específico e assaz pragmático: tipos de caráter segundo sua recepção a diferentes tipos de discurso. Daí não ser estranho que nesse contexto o conhecimento da alma pareça algo tão simples e fácil; o objetivo do uso do método determinou previamente uma perspectiva limitada da alma. Para acabar com a sonolência e com a cegueira em pleno meio-dia, já é chegada a hora de trazer ao primeiro plano esses propósitos de fundo, o que implica voltar à verdadeira dialética, que não é uma simples técnica. Com efeito, quando Sócrates provocou a discussão sobre como falar/escrever bem (kalos) em 258d, a eloquência estava submetida claramente ao bem e ao belo como seu telos; pouco a pouco, porém, ela foi tornando-se autônoma e o bem foi sendo esquecido. A hipótese que Sócrates levantou no início era de que para falar bem era preciso saber a verdade, o que não implicava necessariamente persuadir. Em seguida, porém, Fedro levantou a hipótese que bastava saber a opinião dos ouvintes para persuadir, pressupondo que nisso consistia falar bem. Daí em diante Sócrates aceitou essa premissa de Fedro, mas tentou mostrar- lhe que o conhecimento da verdade era necessário para persuadir, sem voltar à sua hipótese inicial de que saber a verdade seria por si só suficiente para falar bem, nem voltar à questão do bem a que o discurso deveria estar submetido. O tempo inteiro, assim, os dois conversaram sobre o que seria falar bem na suposição de que isso sempre implicaria persuadir, sem levantar muitas suspeitas a esse respeito. Houve apenas uma exceção: Sócrates chamou a atenção para a importância do conhecimento da verdade para que não houvesse autoilusão da parte do orador. Do contrário alguém poderia persuadir e, contudo, falar mal. Persuadir outro e a si mesmo de cometer um equívoco certamente seria falar mal. Caberia a questão, então, a respeito de quando persuadir é um bem e se falar bem sempre implica persuadir.

No entanto, em quase toda a conversa o telos da retórica ficou mais ou menos esquecido, e a investigação passou a ser totalmente técnica, no sentido de um saber moralmente neutro e apenas de meios de persuasão. Por isso essa investigação não foi suficiente para demonstrar

diversos pontos fundamentais sobre o método que apregoou. A rigor, ela nem problematizou a contento esses pontos fundamentais. Por exemplo, se o método poderia de fato descobrir a verdade, se poderia lidar com temas polêmicos, se poderia fazer o ouvinte compreender realmente, em vez de simplesmente persuadi-lo, se o método poderia ter consciência do fim ao qual estaria subordinado, se saberia quando persuadir é um bem e quando não é. Assim, durante toda a conversa sobre a técnica, Sócrates e Fedro teriam adotado uma perspectiva de quem já sabe a verdade, já sabe que deve persuadir, que isso será um bem e por que, que o ouvinte não terá nada a falar e nem precisará falar para ser persuadido e compreender.

Agora, porém, Sócrates introduz uma distinção fundamental:

S. – A respeito de arte (tekhnes) ou falta de arte nos discursos, é quanto basta.

F. – Certo.

S. – Só nos resta tratar da conveniência (euprepreias) ou inconveniência (aprepreias) de escrever e de como nos desempenharmos dessa tarefa por modo decente (kalos) ou desairoso (aprepos).

F. – Exato.

S. – Sabes qual é a maneira mais agradável à divindade (theo kharie), quando se trata de compor ou de dizer algum discurso?91

A volta à questão mais ampla do falar e escrever bem é simultânea à volta dos deuses ao diálogo. Isso já podia ser entrevisto na quarta descrição do método, em que a técnica é subordinada ao que agrada aos deuses. Uma vez que o método tal como foi descrito – pelas diversas razões apontadas aqui - não poderia por si só lidar satisfatoriamente com essa questão, o retorno dessa questão implica a volta da dialética como dialegesthai. Esses dois pontos – a questão do telos em contraposição à simples tekhne e a volta à dialética como dialegesthai – vêm à baila de forma explícita no mito de Teuth e na crítica à escrita. Isso será visto logo abaixo. Dessa vez, porém, a interpretação será feita junto ao resumo.