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5 a defesa dos governos militares tornou-se uma obra impossível mesmo entre 08 militares, porque eles perderam na sociedade inter­

locutores que lhe dessem credibilidade;

6 -08 militares não souberam avaliar a hora certa de deixar o poder de forma gloriosa. Os sucessos econômicos obtidos durante alguns anos foram completamente esquecidos, minimizados ou subesti­ mados.

Para discutir estes pontos estaremos recorrendo exclusivamente às entrevistas realizadas e nosso principal objetivo é chamar a atenção para a forma como os depoentes vêm avaliando esse divórcio recente com o poder. Ao mesmo tempo, é importante ter presente que uma decisão que gera ressentimentos de orgulho e de amor próprio é sempre muito capaz de ge�ar um caldo de amarguras que pode interferir em decisões futuras ou precipitar a busca de um novo papel condizente com um status almejado pela corporação. Os orçamentos militares, cada dia mais minguados, são aliás uma outra fonte de descontentamento, o que na verdade estaria explicitando uma outra faceta desse desprestígio.5

Usualmente se diz que os militares deixaram o poder por pressão da sociedade, por força do desgaste gerado por sua estada no poder e, principalmente, porque o interesse estamental assim o decidiu. Embora não haja um consenso entre os entrevistados quanto à forma como essa passagem deveria ser efetivada, há entre eles um ponto de concordância: os militares perderam prestígio social, sofreram um processo de desvalorização junto à sociedade e ao governo, e sofreram traumas inusitados que só o acesso direto e constante ao poder

poderia ter provocado. Neste último aspecto, fica evidente um certo mal-estar provocado pelo fato de terem monopolizado o poder de uma maneira inédita na história do país. Segundo Golbery do Couto e Silva, visualizava-se em 1964 uma intervenção militar düerente, pois as camadas mais influentes do estamento militar estavam "cansadas todas de interferir na vida política do país, de tempos em tempos, ao apelo ou sob instigação de grupos políticos insatisfeitos, que, alcan­ çando dessa forma o poder, nada afinal resolviam de positivo e dos quais os militares por eles cooptados acabariam se julgando meros joguetes". � Esta ambição de tomar o poder para fazer "diferente" era a marca maior da intervenção, como se fosse necessário dissociar política de poder. Por isso mesmo, segundo outro militar, em 1964

teria havido "um fenômeno histórico. Foi a primeira vez que o Exército tomou conta do poder. Porque quando ele conspirava, todas as vezes que nÓs fIzemos e deixamos para 08 políticos, eles fizeram besteira. Nós alguma vez tínhamos que fazer e tomar conta para ver se a gente consertava. Esta era a tese. De repente esses meninos, como eu, começaram a ver que a presidência é uma luta política. Então esses coronéis, majores da época, começaram. a radicalizar suas posições em termos da revolução".

As ambições de poder, isto é, o jogo típico da política visando posições de mando, que era o que se dizia querer extirpar, foram uma forte razão para clivagens entre os militares, demonstrando que o projeto salvacionista que se apresentava estava eivado de ingenui­

dade. É

como se os militares tivessem deixado de ser joguetes dos grupos políticos para se converterem em joguetes do próprio poder que concentraram. Apesar dessas tensões internas que são, aliás, bem conhecidas, verificou�se um sucesso econômico batizado de "'mi� lagre". Mas ao deixarem o poder, os militares entregavam o país em plena recessão, que só fez se agravar nos anos seguintes_ Colocava-se então um espaço para dúvidas quanto ao que de positivo fora feito mas, principalmente, quanto ao que de posit

i

vo poderia ter sido levado a cabo. Além do mais, a reconquista do estado de direito permitiu que aqueles que foram atingidos pelos atos de exceção viessem a público reclamar por justiça. Assim, ao lado do fracasso econômico no momento da transição, colocava-se também este outro lado negativo para a corporação, acusada publicamente de desres­ peitar os direitos humanos. Tortura e desaparecidos, questões sem­ pre presentes nos tribunais e na imprensa, alimentam este diagnós­ tico de um

pod

er que, além de não ter cumprido, como imaginava, seu papel salvacionista, havia se comportado claramente em oposição aos direitos da cidadania.

Por tudo isso, ns voz dos entrevistados, é como se os militares fossem julgados apenas pelos seus erros e fracassos. Por várias vezes se menciona um ressentimento e um sentimento de injustiça por parte da sociedade - uma ingratidão que é também chamada de traição. Com toda razão lembram que o golpe de

1964

não foi uma iniciativa exclusivamente militar. A exemplo de várias outras oca­ siões, os políticos e outros civis se reportaram aos quartéis como tábua de salvação para uma situação de crise. Foram os civis que, nas ruas e nos gabinetes, pediram a intervenção. Isso, é bem verdade, foi feito num momento em que os militares estavam convencidos de que a indisciplina dentro dos quartéis provocada pelos acontecimen­ tos do governo João Goulart geraria problemas de uma envergadura inédita. A indisciplina e a corrosão da hierarquia eram questões que poderiam sercorrigidaa internamente, mas na medida em que foram entendidas como conseqüência do processo político-populista e dema­ gógico do governo, ficava mais fácil sedimentar a interface com a sociedade e atender a um apelo de mudança. Houve efetivamente um chamamento civil para que os militares tomassem o poder. Mas não havia nesse apelo nenhum plano definido de que por lá ficassem. Ou seja, os militares chegaram ao poder de forma legitimada pela sociedade e nele permaneceram sem consentimento explícito, mas também sem nenhuma reação expressiva por parte das elites domi­ nantes. Mais precisamente, a oposição que a ditadura reprimiu foi a mesma oposição que nossas elites, com raras exceções, por muitos anos, queriam ver debelada.

Para melhor elucidar este ponto convém dar voz aos entrevis­ tados e ouvir de que forma esclarecem sua ascensão ao poder. Há entre eles a visão quase unãnime de que foram alçados a essa posição porque houve um "chamamento da sociedade". Nesse sentido são comuns frases do teor das que se seguem, que tentam mostrar as forças armadas como depositárias da confiança dos civis. ·0 que é verdade é o seguinte: nós não fizemos o golpe. Nós fomos obrigados a dar o golpe pelo povo brasileiro. Só fomos depois que o povo foi na frente." A sociedade brasileira teria exigido na rua essa intervenção através daquelas ·passeatas imensas de senhoras no Rio e em São Paulo. Foi aí que pediram ajuda às Forças Armadas". Nesse sentido o mesmo depoente completa: liA revolução não foi feita pelos mili­ tares. Foi feita pelos civis". Como em outras situações na história do país, os militares teriam sido conclamados pela sociedade a interferir de uma forma legítima, de acordo com o seu papel de gnardiães da ordem e da soberania nacional: "( ... ) quando irrompeu 64, as organi­ zações civis, federações de indústrias, de comércio, de agricultura,

ostensiva ou veladamente, apoiavam o golpe. ( ... ) De modo que o Exército foi para a roa, para os campos, para as estradas, para atender a um apelo que era um apelo nacional. Era o apelo das maiorias naquela época. ( ... ) Ninguém pode dizer que foi um golpe militar porque houve enol'llles manifestações civis para derJ:'Ubar o governo João Goulart".

Pode�se observar assim, constantemente, e'ate esforço de recons­ tJ:'Ução do passado tentando mostrar a fOl'llla como se deu a chegada ao poder. Na realidade, como j á dissemos, não se pode dizer que esta versão esteja completamente despida de veracidade. Houve efetiva­ mente uma demanda civil em torno dos militares no sentido de que se posicionassem contra o governo. Mas não se pode esquecer que por parte da corporação houve também um movimento endógeno no sentido de precipitar os acontecimentos, posto que as questões polí­ ticas estavam de fato ganhando dimensões inéditas nos quartéis. Muito provavelmente os problemas de quebra de hierarquia e de indisciplina que então ocorriam poderiam ter sido resolvidos de outra maneira, por uma decisão de disciplina interna. Como se sabe, contudo, essas manifestações de rebeldia interna foram identifica­ das como mais uma evidência da ameaça comunista, tudo confluindo portanto para uma visão de que o quadro institucional era de tal gravidade que só um Exército comandado por chefes reconhecidos, com Castelo Branco e Costa e Silva à frente, poderia contornar a situação de desordem para onde se encaminhava o país.

Embora se justifique que o longo período no poder foi motivado por uma percepção vitoriosa a

postenori

de que aquela intervenção deveria ser "diferente" das outras, é bem verdade que para o conjunto de entrevistados inexistia um projeto de governo no momento do golpe. O golpe aparece como uma medida emergencial, empurrada pelas contingências e pela audácia de alguns militares que tomaram a iniciativa de se rebelar, antecipando-se assim aos fatos dentro dos quartéis, procurando dar concretude a uma aspiração intensa mas ainda dispersa em termos organizacionais. Não obstante, esta deci­ são pela quebra da legalidade não parece ter sido fácil na visão de alguns depoentes: "A posição revolucionária é um comprometimento,

ê um recurso último que a gente procura obviar logo. Não pode ser um estado de espírito pel'lllanente. Eu repito: os políticos conserva­ dores e 08 ditos liberais, a chamada 'bossa nova' udeniBta, não procuraram manter o debate no âmbito parlamentar. Também não tinham a menor capacidade de avaliação quanto à posaibiliaade de o poder escapar de suas mãos. Julgavam que as Forças Armadas, mais

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