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Um dos fatores sempre lembrados a esse respeito tem a ver com o fato de que no momento em que os militares deixaram o poder a

situação econômica do país era preocupante. Anos antes o governo

podia apresentar como trunfo um desempenho espetacular no ter­

reno da economia, o que certamente foi uma das condições para a

euforia e a propaganda em torno do presidente Médici. Nesse sentido

coloca-se sempre, com um certo tom de mágoa, que houve um erro de

cálculo dos militares no que toca às suas reais chances de deixarem o poder de uma forma vencedora. ·0 presidente Médici, de todos os

presidentes, era o mais popular. Ele comparecia ao Maracanã com seu radinho, o que outros talvez não tivessem coragem de fazer, e batiam palmas para ele." Havia o milagre econô:mico, "as coisas pareciam que andavam bem, e então aí devia começar a abertura", Esse foi, segundo a maior parte dos depoentes, um erro estratégico importante, embora vários deles lembrem também que a abertura aí não seria possível, posto que a subversão ainda não estava comple­ tamente sob controle. De toda fanua menciona�se várias vezes que se tivessem deixado o poder nessa ocasião as coisas teriam. sido diferentes. "O grande erro é que quando o governo Médici estava em plena aceitação popular [não se tenha feito] a sucessão presidencial. ( ... ) Os militares sairiam do poder por cima, ( ... ) ele [Médici] teria terminado com a revolução em pleno sucesso. O Brasil crescendo l00A>

ao ano e aparecendo na imagem da mídia internacional como sendo o país do futuro. ( ... ) E o Médici poderia naquele momento terminar e se apresentar candidato à eleição direta que ele seria eleito. ( ... ) Os governos que se seguiram se atrapalharam. muito com a crise do petróleo de 79, agravada em 81, 82, e daí por diante não

acertaram

mais o passo."

Este tipo de comentário nos remete à questão seguinte, que trata da avaliação que esse mesmo conjunto de pessoas faz dos govemos militares.

A

esse respeito, e ainda buscando referendar o acerto de suas posições e de seu desempenho, é freqüente a menção ao fato de que, como

assinalamos, pouco ou nada tenha sido dito em prol de suas realizações. Caminhando nessa direção são também comuns as críticas ao general Figueiredo, interpretado como a figura que mais contribuiu para a deslegitimação dos militares no poder. Como diz um dos depoentes, "do meu ponto de vista o desgaste da revolução foi o governo Figueiredo. ( ... ) não era um homem com capacidade para

ser presidente da República.

(

... ) trabalhava muito pouco. ( ... ) Foi uma fase que eu considero infeliz. Figueiredo teve tudo na mão para dar continuidade ao processo revolucionário e perdeu tudo. Recebeu uma estrutura política com um partido de apoio ao governo, ampla­ mente majoritário. Recebeu uma lei eleitoral altamente favorável. Tudo isso sacramentado pelo Congresso. Ele perdeu tudo isso e perdeu a eleição do sucessor. ( ... ) acho que o último governo da revolução foi um desastre". Este governo unanimemente reconhecido pelos depoentes como desastroso permitiu que fosse obscurecido o saldo positivo das administrações anteriores. Segundo eles, também, esse saldo não seria pequeno. Não vem ao casa listar aqui tudo o que

foi por eles enumerado como realizações que tiveram profundos reflexos no futuro da sociedade brasileira. Pode·se citar en passant que são sempre lembradas as obras nas áreas de comunicações, transportes, industrialização, política científica, entre outras. Por isso mesmo, segundo um deles, "se você olhar, realmente os únicos que disseram a que vieram foram os governos militares. ( ... ) todos eles têm uma seqüência de continuidade. ( ... ) Essas expressões utópicas (Brasil grande', 'Brasil potência', nasceram da revolução. ( . . . ) são expressões típicas da conspiração. Eles [os militares] queriam um Brasil que não fosse socialista, mas que não fosse um Brasil americano". Ou seja, associada a um balanço auspicioso dessas administrações, vem a menção de que graças aos governos militares o país ganhou em termos de soberania nacional e em termos de um formato mais condizente com as aspirações nacio­ nalistas que tanto marcam, particularmente, um setor significati­ vo das forças armadas.

A memória social do país teria, assim, selecionado apenas alguns aspectos que mereceriam ser lembrados e teria apagado outras facetas, exatamente as mais importantes, do ponto de vista dos entrevistados. A memória do país teria silenciado sobre o que de fato precisava ser exaltado. O crescimento econômico do país e o avanço tecnológico observados então não seriam nunca mencionados, a não ser em raras ocasiões e por escassos analistas. Qs ganhos nacionais, dentro desta visão, foram surpreendentes. "Será que ninguém, meu Deus do céu, considera que o país deu um salto para a frente nesses

20

anos? O que era o Brasil naquele tempo?"

Apesar de desabafos deste teor, que explicitam mais uma vez ressentimentos em relação à forma como se teria concebido ultima­ mente o papel dos militares no poder, observa-se também um tipo de autocrítica que, na verdade, aponta novamente para falhas na es­ tratégia dos militares quanto ao prazo pelo qual deveriam se manter no poder. Há que notar que esses são juízos de alguém que olha para trás e tenta reavaliar retrospectivamente qual teria sido a melhor alternativa. Neste exercício de contrafactual, há indicações muito precisas acerca da conveniência de uma estada mais breve no poder. Não só porque, via de regra, o poder desgasta o partido, a instituição ou- a pessoa que o detém, mas também porque este não seria exata­ mente o papel das forças armadas. Para um dos depoentes, o poder militar dirigiu o país durante duas décadas, Ih;'s "não podia ficar esse tempo todo. Não podia. Foi um erro que nós cometemos. Um erro tremendo e eu estou jlUlto. Não me omito no cometimento desse erro",

a nação, política e administrativamente, por

20

anos. Nós não somos

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