homem a quem considerava "seu mestre". Ora, independência é a
palavra-chave de uma instituição como o Banco Central, e Ísso em
qualquer país do mundo. No Brasil, essa questão ganhou um relevo
todo especial em 1989, ano em que
Sêrealizaram as entrevistas de
Denio Nogueira e de Octavio Gouvêa de Bulhões. A sucessão presi
dencial, bem como o fracasso dos sucessivos planos econômicos,
apontavam para o risco de uma hiperinflação,
o que,naturalmente,
colocava em foco o papel do Banco Central como o "guardião da
moeda". A isso se juntou o escândalo financeiro que determinou, em
junho desse ano, o afastamento de Elmo Camões - "amigo' do
presidente Sarney - da presidência do banco. O debate sobre a
atuação do Banco Central se acirrou no início de 1993, quando aliás
se complementou a entrevista de Denio Nogueira para a edição do
seu livro. Analistas do agravamento da atual crise brasileira
têmidentificado como um dos seus principais componentes a falta de independência do Banco Central: em jogo, as possibilidades e os limites dessa independência frente a poderosas pressões políticas e econômicas.30 Ao ressaltar a atitude "independente" que tomou em defesa da criação do seu banco central, Denio buscou indicar que esse seria o componente básico que orientaria a nova instituição desde o momento original da sua criação. Independência que, como fez ques tão de frisar, foi conquistada a um preço muito alto, pois não só desafiou o 'Imestre" Bulhões - seu "chefe" no Conselho de Economia e na Fundação Getulio Vargas - como também viu ameaçada a possibilidade de ocupar um alto cargo na hierarquia do governo. A moral da história que Denio buscou passar é clara: a criação do Banco Central, longamente discutida havia décadas, deveu-se finalmente ao fato de se ter "o homem certo no lugar certo". Como ele bem resumiu: "Fui o presidente do Banco Central porque eu criei o Banco Central, até mesmo contra a vontade do ministro Bulhões."31
O 'Iantigo" envolvimento de Denio Nogueira com a discussão da reforma monetária - como consultor da Sumoc (195&,59) e como membro do Grupo de Trabalho Miguel Calmon, encarregado de apresentar sugestões ao projeto de refol'!lla bancária em tramitação no Congresso (1962) - ter·lhe·ia assim permitido formular alguns conceitos de "banco central independente". Sobre a reação contrária que manifestou à idéia de Bulhões de apenas criar o Conselho Monetário em vez do Banco Central, Denio procurou demonstrar que essa concepção advinha dessas experiências passadas:
"Como consultor da Sumoc em 5&'59, pude assistir como funcionava o Conselho, em que todos os membros eram pares entre si, com exceção do ministro da Fazenda, e todos eles tinham um ciúme danado do seu setor. Enquanto a Sumoc, por exemplo, tomava medidas monetárias num sentido, a Carteira de Câmbio ou a de Redesconto desfaziam aquilo.( ... ) Isso eu disse ao Bulhões mais de uma vez, porque ele era o criador da Sumoc: 'A falha da criação da Sumoc é esta.
É
preciso que um órgão independente defenda a moeda e se imponha, inclusive, perante o ministro da Fazenda, fique acima do ministro da Fazenda na defesa da moeda.'''32Embora procurasse demonstrar que i á tinha delineado o perfil ideal do Banco Central na sua cabeça, Demo Nogueira ressaltou, ao mesmo tempo, que o desenho final da nova instituição resultou de negociações que envolveram "demoradas" consultas e "valiosas" co-
laborações. Ao recuperar essas negociações, Denio mapeou as "resis tências" e os "apoios", estabelecendo um campo de embate onde identific,)u os " opositores" e os "aliados" do Banco Central. Mesmo consagrando a tradição que coloca o Banco do Brasil como um dos principais focos de resistência à criação do banco - "os funcionários do Banco do Brasil tinham receio de que, com a criação do Banco Central, viessem a perder sua autonomia e portanto o prestígio de que gozavam"33 -, Denio Nogueira identificou no setor econômico urbano contrário ao controle monetário, em especial a Fiesp, o maior opositor da criação do Banco Central:
"A Fiesp não queria o Banco Central. E a prova disso é que depois, no governo Costa e Silva, e mais ainda no governo Geisel, o Banco Central foi totalmente descaracterizado."3i Na avaliação de Denio Nogueira, os modelos econômicos adotados pelos governos que se seguiram ao de Castelo Branco - tanto o "milagre" de Delfim, quanto o "Brasil Grande" de Geisel - viveram
/là custa da expansão monetária". Daí, a clara associação que buscou estabelecer entre o afastamento da equipe econômica castelista e o fim da independência do Banco Central.
Sobre a posição do setor rural, tradicional sorvedouro de créditos públicos subsidiados e força poderosa no Congresso por onde deveria tramitar o projeto de criação do Banco Central, o depoimento de Denio Nogueira buscou esclarecer um dos aspectos mais controver tidos desse projeto, ou seja, aquele que determinou o ingresso do BC na área do crédito rural, atribuindo-lhe, portanto, funções de fomen to. Denio Nogueira relembrou assim este episódio:
"Quando fui para Brasília parar o projeto Nei Galvão e pôr o outro no lugar, eu precisava convencer os deputados. Busquei então o conselho de deputados amigos( ... ) e eles me diziam o seguinte: 'Você não precisa conversar com todos os deputa dos( ... ) o Herbert Levy é o 'papa' no Congresso dos assuntos econômicos. Se você não convencer o Herbert Levy, não conse gue criar o Banco Central( ... ) : Fui conversar com o Herbert Levy e ele me disse: lEu voto no Banco Central) se você criar o Banco Rural: Eu aí virei·me para ele: 'Mas, deputado( ... ) o que nós precisamos é de um sistema que institucionalize o
crédito rural.( ... ) Eu me comprometo com o senhor, logo que o Banco Central estiver criado, a mandar para o Congresso um projeto de lei institucionalizando o crédito ruraL' Ele disse: