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fala hoje sobre ontem O tempo transcorrido entre o acontecimento e

o ato de relembrar pode mesmo levar o depoente a uma reflexão mais profunda e até a mudanças em sua maneira de pensar e de ver o fato antigo.

É

principalmente por lidar com a subjetividade e a memória humana, considerada falha e seletiva, que a história oral tem sido questionada.

A

tendência geral é à maior aceitação dos documentos que compõem o arquivo escrito tradicional, Bem se levar em conside­ ração que esses documentos também são repletos de subjetividade.

O

importante é se ter em mente que o depoimento oral também é um documento pleno de significados e que o cruzamento entre os dois tipos de registro só pode ser enriquecedor. O general Muricy tinha essa percepção, ao se apresentar munido de documentos e ao men­ cioná-los na entrevista, exatamente quando começa a relatar a conspiração contra João Goulart e as crises políticas que ocorreram no país devido ao afastamento de Costa e Silva e Pedro Aleixo e à escolha do novo presidente militar .

• Aliás, o Carlos Chagas fala mais ou menos nisso. Mas a minha proposta, com a minha assinatura, consta do meu arquivo. Tenho cópias de toda a documentação."

(p. 713.)

"Mas vamos voltando à escolha. Chegou a notícia da contes­ tação do Menso, que reagiu com uma carta ao Lira, contra o modo como se fez a escolha ...

A

carta está aí no arquivo. n

(p. 731.)

o depoimento do general Muricy aborda fatos políticos ampla­ mente divulgados e bem conhecidos. Sua maior contribuição não são revelações bombásticas nessa área.

A

meu ver � o que o depoimento apresenta de novo para o acervo do CPDOC é a descrição do funcio­ namento da corporação militar, seus valores, suas regras, sua buro­ cracia.

É

uma fonte que ajuda a compreender melhor os meandros do Exército, a maneira como alguns de seus membros vêem os problemas políticos brasileiros dos últimos anos e, principalmente, como um grupo "revolucionário" chega ao poder, implanta um regime forte e mantém-se no comando do país por vários anos apesar das divisões internas e da reação civil.

É

também a expressão do interesse em justificar o comportamento desse grupo, sobretudo no movimento de

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e na sucessão de Costa e Silva

;

num momento em que o país vivia a abertura política e o poder das forças armadas estava em declínio.

Notas

1 Ficha técnica: Tipo de entrevista: história de vida; Entrevistadores: Aspásia Ca­ margo, Ignez Cordeiro de Farias e Lucia Hippolito; Levantamento de dados e roteiro: Lucia Hippolito; Local: Rio de Janeiro -RJ; Data: fevereiro li maio de 1981; Duração: 57h2Ominj Fitas cassete: 58; Páginas digitadas: 768.

2 No dia B de fevereiro de 1954, devido a rumores de que o ministro do Thabalho JOãl) Goulart proporia um aumento de l()()O;& para o salário mínimo, um longo memorial assinado por 42 coronéis e 39 tenentes-coronêis íoi encaminhado ao ministro da Guerra, general Ciro do Espírito Santo Cardoso, em protesto contra fi exigüidade dos recUl'sosdestinarlos ao Exército e fi duplicação do salário mínimo. Entre os signatário8 do documento, que passou 8 ser conhecido por Manifesto dos coronêis, figuram andais ligados à Cruzada DemocrátictL. agrupamento da ala militar conservadora que dirigia

o Clube Militar. O manifesto provocou as exonerações de João Goulart e do general

Espírito Santo Cardoso.

3 No dia 30 de agosto de 1009 reuniu-se o Alto Comando das Forças Armadas para decidir o que fazer frente à crise provocada pela doença do presídente Costa e Silva.

Principal condutor do processo de substituição do presidente, o Alto Comando era formado pelos três ministros militares, o chefe do EME, o chefe do Estado-Maior da Armada, o chefe do Estado-Maior da Aeronáutica e o chefe do Estado-Maior das Forças. Armadas (Emia). O secretário da. reunião, sem direito a voto, foi o general Jaime Portela, chefe do Gabinete Militar da Presidência da República.

4 No dia 15 de setembro de 1969, em reunião do Alto Comando do Ex.ército, formou·se uma comissão encarregada de sintetizar o pensamento da cúpula do Exêrcito sobre o encaminhamento do processo sucessório. Integravam essa comissâo os generais Mu· ricy, Eml1io Garrastazu Médici e Jurandir Bizarria Mamede. A partir de relatórios apresentados, decidu-am indicar para a Presidência da República o mais votado em pleito realizado entre os oficia.is-generais das três armas. O nome escolhido foi o do general Médici, com base no criterio de antigüidade.

5 Crunargo, Aspásia. Os usos da história oral e da história de vida: trabalhando com elites políticas. Dados, 27 (1): 5-28, 1984.

6 Voldman, Daniele. Dêftnitions et usages. Les Cahiers de 1'lHTP (21), novo 1992. 7 Na introdução de Meio século de combate: diálogo rum Cordeiro de Farias (Camargo, Asptisia & Gôes, Walder de (orga.). Rio de Janeiro, Nova Fronteira., 1981. p. 28), diz Aspásia Camargo: "( ... ) teria sido impossível manter disciplinada SUa memória. Esse não era seu feitio, e nem nós esperávamos dele um relato ordenado e conciso. ( ... ) Dispúnhamos de um roteiro exaustivo, elaborado para orientar o fluxo tempol'al do relato. Mas esse roteiro foi sistematicamente subvertido pela livre associação que induzia o marechal a saltos íneaperados para trás e pat"8 a mnte que deixaram os acontecimentos fora de ordem"'.

8 A.�pásia Camargo diz que os líderes são cautelosoa M responder sobre questões que

possam minar suas relações com seu pares, enfraquecer alianças existentes, ou ameaçar sua posiçã.o na. sociedade. Hesitarão em dar informações que prejudiquem a integridade ou segurança do grupo. Serão certamente mais generosos ao revelar as contradições e fragilidades dos grupos a08 quais se opõem. Em resumo, comportam·se como atores sociais racionais, perfeitamente col18cientes de suas posiçôes e interesses

estabelecidos. Ver Camargo, Aspásia. Op. cito

9 PoUak, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, 2 (3): 3-15, 1989.

Ouvindo os militares: imagens de um

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