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U As idéias excessivamente otimistas podem dar muito prejuízo àqueles que vão segui· las Mas as idéias pessimistas são

terríveis! Podem causar um dano terrível, podem atrasar a

exploração de petróleo ou a exploração mineral em décadas,

até em séculos! O sujeito enfiou na cabeça que no Rio Grande

do Norte só tem areias, como em Marajó também só tem areia,

que aquilo não tem nada ... Esse é o termo que a gente usa:

'Aquilo não tem nada!' Esta idéia vai permeando a mentali­

dade de todos, inclusive dos mais jovens, e aquele sítio não vai

ter nada. De repente aparece um sujeito que diz: 'Vai ter, sim.'

Chega lá e às vezes descobre ( ... ) Então, o preconceito, sem

uma análise mais cuidadosa ou sem a informação completa, o

preconceito na exploração de recursos naturais, principal­ mente petróleo - não digo principalmente recursos minerais, de maneira geral -, é um tremendo ... Nós temos esse pecado de preconceito, nós, profissionais, em maior ou menor grau." (Campos, Carlos Walter Marinho. 1988, p. 58 e 59.)

A referência à adoção dos contratos de risco para a exploração de petróleo, em 1975, oferece também a oportunidade para o entrevis­ tado se estender sobre a transformação do comportamento adminis­ trativo da atividade uma veZ submetido a pressões competitivas:

"O contrato de risco, de certa maneira, embora muita gente não reconheça isso, criou uma certa competição. Nós ficamos com nosso espírito aguçado no sentido de fazer primeiro aquilo que, se não fizéssemos, outros fariam. E não queríamos que outros fizessem. Não que eu fosse contra o contrato de risco visceralmente. Mas, como responsável pela exploração no Brasil durante 20 anos, eU também não queria que outros fizessem isso na minha frente: queria chegar sempre na frente, claro. E acho que isso foi muito benéfico. A mensuração deste comportamento em termos de resultados vai ser feita no futuro. Os ânimos ainda estão muito acirrados em termos de nacionalismo, seja o que for que consideremos ser nacionalis­ ta, para fazermos um julgamento bastante preciso desses contratos de risco. A minha opinião é que eles forçaram uma situação: primeiro, atingimos e consolidamos o nível tecnoló­ gico na área de exploração ao nível internacional. Isso nós fizemos .. ." (Campos, Carlos Walter Marinho. 1988, p. 41 e 42.) Por fim, as entrevistas podem revelar interpretações importantes sobre a dinâmica organizacional da empresa:

"A princípio eu era um pouco contra a criação de um novo órgão, não porque fosse contra o Gecam ... Você tem a estrutura formal, mas é impressionante a administração brasileira! A estrutura formal não funciona; tem-se que criar um órgão, como {oi criado um órgão na época da construção das grandes refinarias, o Geop, e foi criado o Gecam. Aliás, aqui para nós, eu devia saber disso ... Na ocasião eu fui meio contra o Gecam, mas na verdade é isso que acontece: para uma obra desse tamanho, tem-se que criar um órgão informal. Porque o órgão

formal está muito sujeito à rotina, à burocracia etc." (Campos, Carlos Walter Marinho. 1988, p.

179.)

Com a utilização desses depoimentos, pensamos haver concluído de forma satisfatória nossa promessa: demonstrar as possibilidades proporcionadas pelo uso do registro oral para a constituição de uma

história organizacional.

A construção do arquivo oral

Para que o banco de depoimentos orais possa cumprir a tarefa aqui descrita, algumas condições importantes têm de S�l"' satisfeitas: uma boa relação com as fontes t:radicionais e um controle extenso sobre a produção da informação.

Assim, é necessário, em primeiro lugar, unl conhecimento amplo, em termos de temas e da empiria examinada, da bibliografia pre­ existente, para que a entrevista não reproduza infonnações ou inter­ pretações que já são de domínio público ou de fácil obtenção por outros meios (caso típico de cifras e datas). Em segundo lugar, este trabalho fornece indicações para o mapeamento de áreas de investi­ gação ainda não cobertas anteriormente ou daqueles aspectos que podem ser examinados com mais proficiência através dos depoimen­ tos. Evidentemente, após a realização do depoimento, ele mesmo pode fornecer pistas adicionais à investigação, retro alimentando todo o processo. O importante é evitar_ um certo espontaneÍsmo na condu­ çào da entrevista e possuir alguma concepção prévia quanto aos rumos que darão melhores resultados.

A conjugação destas tarefas deve ser completada, do ponto de vista formal, através da elaboração de um projeto de pesquisa bem articulado. Além de servir como a matriz dos roteiros de entrevistas ou de eventuais textos de análise, este projeto deve apresentar algumas características especiais. Primeiro, ele deve contemplar o maior número possível de linhas de investigação, ou seja, não se pode esquecer que o objetivo do projeto não é fornecer materiais para uma pesquisa em particular, mas sim para várias linhas possíveis de trabalho, além, evidentemente, de preservar seu caráter memorialís­ tico. No caso presente, por exemplo, ao lado de questões específicas quanto ao funcionamento administrativo das empresas, também foram recolhidas informações relativas à origem social dos entrevis­ tados, acerca do ensino técnico e, quando possível, sobre experiên­ cias em outras agências estatais ou empresas prjvadas.

Definido, assim, o projeto de pesquisa, outra série de cuidados deve ser dedicada a um problema de caráter mais prático, a seleção dos depoentes. Sempre que possível, é bom evitar depoentes ocupados com tarefas executivas muito absorventes. Seriam excelentes fontes de informação se pudessem dispor de tempo para refletir sobre elas e relacioná·las a experiências anteriores. A não ser por insistência da instituição patrocinadora em registrar o depoimento deste indiví­ duo ou por sua própria determinação, esta é uma situação que deve ser evitada. Por contraste, o entrevistado ideal deve dispor de tempo, possuir uma carreira longa e diversificada dentro da in8ti�uição) passando por áreas técnicas e gerenciais. Algumas características pessoais, como a disposição para a exposição oral e capacidade de reflexão, devem ser investigadas por ocasião dos contatos prévios às entrevistas.

Por outro lado, é crucial que o entrevistador mostre algum conhecimento relativo às áreas de atuação do depoente e, quando este tiver uma trajetória eminentemente técnica, domine parcialmente seu jargão profissional. A entrevista pode simplesmente não

sair

do patamar das generalidades, com explicações inúteis repetindo·se, caso o pesquisador não disponha dessa habilidade.

Outro aspecto importante no que se refere à condução da entre­ vista é a detecção de versões "estilizadas" de certos acontecimentos internos e

externos

e da tentativa de subestimar os conflitos internos da organização. Não é raro que, por não dispor de informação precisa, o entrevistado recorra a versões correntes ou simplificadas de deter­ minados fatos. Nessa circunstância, é necessário distinguir se ele realmente dispunha de fontes efetivas de informação, se está sim­ plesmente repetindo a interpretação habitual ou se não desej a reve· lar o que realmente pensa sobre o assunto. Do mesmo modo, é freqüente o esforço para minimizar o grau do conflito interno. Assim, a descrição de disputas internas muitas vezes subestimará a dissen­ são realmente existente.

Organizado com estes cuidados, um projeto de história oral pode funcionar como um precioso instrumento de investigação histórica.

Referências bibliográficas

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Notas

1 "Je voudrais traiter ici uniquement de ce que les sciences de l'organisation peuvent apporter à l'histoire. Il ne s'agit pS8 tant de proposer une 'nouvelle alliance' à l'histoire que de lui suggérer uu nouvel objet: le8 orgarusatioOB, sur lequel les historiens puissent travailler en commun avec des chercheurs de ces sciences. En pennanence duns leurs travaux le8 historiens rencantrent des organisations ... " (Friedenson, 1989, p. 463.)

2 Também sobre a ciência econômica, o impacto dessas novas considerações é recente e pode ser claramente percebido na chamada corrente "institucionalista". Ver North, Thmglas C. Organizations, learning and institutional change. 1990. Part lI, chap. 9.

3 Parijs, Phillipe van. 1986. capo 2.

4 "No doubt the reader will soon discover that people are not left out of Macro-orga·

nizatwnal behavwr. But instead of focusing on individual behaviol"S per se, w� will attempt to reveal patterns of behavior across collections of organizational illembera that are influenced by the large social stnlctures of orgaruzation and environment.

in perspective than the traditional paychological treatment of the field." (Milea, 1980, p. 4).

5 "Many theories in a conaequential tradition treat outcomes. aa a functionally necessary collBequence of environmental conditions (at equilibrium). They assume that the processes of history are efficient in driving organizations to unique equilibria

relatively quickly. As a result, such theories are relatively uninterested in time paths

to equilíbrio or in the details of historical development. They are substantially indifCerent to understanding the processes or mechanisIDS that translate environmental Ímperatives into action. Tbe traditions of organizational device re­ search, on the other hand, are traditions of understanding the mechanisms by which

outcomes are realized, even when correct predictions can be made without such understanding. And those traditions embrace the proposition that history ia often inefficient in the seUSe that it has multiple equilibria and moves toward those equilibria relatively slowly ... "(March, 1988, p. 16.)

6 "Some early treatments of organizational decision-making, particularly in econo­ mies, viewed orgaruzations as aetors possessing attributes commonly assigned to single individuals, partieularly a coherent, well-definedset ofpreferences. But forthe most part, deeision-making in organizations has been seen as involving multipleactors with inconsistent preferences, thus a political system." (Mruoch, 1988, p. 5, tradução do autor.)

7 "If scientific progress is mcasured by simplifieation, thia is a story ofretrogression. From a simple perspective of anticipatory, consequential, rntionru choice, we have gone to a recognition of Lhe limitations of rationality, then to concern for internai conflict, then to history dependent conceptions of 1uJ.man action, and finalIy to an aWB.l"€uess ofthe proCound ambiguities surrounding action in organizations."(M"arch, 1988, p. 15, trodução do autor.)

8 �Rcccnt interest in the eonfusions of history in organizations has focused especially on the ways in which well·known human bias in inference and attribution are

observed, and Caeilitated, by the strueture of organizations and the ways in which they make decisions. Organizational arrangements eonfound the interpretation ofhistory most clearly through systems ofhierarchical promotions, with their powerful potential for superstitious learning on the part of succeBsful managera and their biogra­ phers."(March, 1988, p. 13·4.)

9 "There ia a second link between the study of organization populatiollB and historicm research. Ecologicol research requíres an understanding of the institutional contexts

of organization populations. Such information can come from interviewing those familiar with the organizations in question; it ean come from the available historio­ graphy; it can be gleancd from the popular press. Whateverthe source, good research on the dynamics of organizational populations, which may be highly quantitative sLudies, reli€s on qualitative studies for realistic specification of models arul useful researchdesign." (Hannan & Freeman, 1989, p. 10, tradução do autor.)

Um troupier na política: entrevista

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