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lá em casa cultivava a autoflagelação A gente era uma família

modesta. Uma classe média modesta. Nunca passamos necessidade de comida, de saúde, sempre o velho arrumava um jeito de a gente passar férias em Petrópolis, mas em pensões baratas) em Teresópo­ lis, em hotéis modestos. Na minha família, por exemplo, as meias eram serzidas. Quem vai serzir meias hoje? Os livros escolares passavam do irmão mais velho para o mais moço. Tanto o velho como a velha nunca cultivaram esse espírito arrivista de chegar e levar vantagem em cima dos outros".

No relato de nossos entrevistados, seus pais tinham posições políticas consideradas na época de direita. Muitos haviam apoiado a subida dos militares ao poder, e não aprovavam a forma de atuação política dos filhos. Entretanto, havia um respeito pela escolha que eles haviam feito. Os pais em muitos momentos demonstravam orgulho pela atuação dos filhos, por mais que a escolha fosse perigosa, viam os filhos como heróis.

A

fala hoje do pai com enorme admiração. Lembra que ele unão concordava em gênero, número e grau com a nossa opção, maS no fundo achava que a gente estava resistindo à ditadura, embora não fossem aqueles os meios mais adequados. O povo não estava lutando, 08 jovens estavam se sacrificando inutil� mente". O pai de A passou a enfrentar todas as críticas que parentes e amigos faziam a seus filhos, pois além de

A,

sua filha e um outro filho participavam da luta armada. Essas críticas se acentuaram principalmente quando foram conhecidos OB nomes dos guerrilheiros banidos do país.

A

conta que certa vez. seu pai encontrou·se com um juiz que era seu amigo e este lhe perguntou: "Então, seus filhos eram aqueles terroristas que saíram banidos do Brasil?", Sua resposta foi: "Não, eles não são terroristas". Ao que o amigo respondeu: 1/ Ah! São turistas". Nesse momento o pai disse: "Não, apenas eles estão lutando pela vitaliciedade dos juízes, que vocês perderam e não souberam resistir". A diz que o pai (era advogado

)

os defendia nas auditorias com muito orgulho, embora no fundo considerasse suas ações políti­ cas um delirio, um desvario. Havia sempre o medo de os filhos morrerem nas mãos da repressão militar.

E,

que teve que enfrentar a ruptura com o pai quando passou para a clandestinidade, recebeu seu apoio e solidariedade no momen­ to em que foi p

r

esa e torturada. Os pais ficaram aniquilados, princi­ palmente quando viram o grau de violência a que tinha sido subme­ tida. "Meu pai dizia: 'No dia que você for presa, não vou mexer uma palha

.

. .' E na prisão, a primeira visita que eu recebi foi dele .

.

, E aí foi um impacto incrível, ele chorando de

um

lado, eu do outro, inclusive o.s torturadores presentes, e eu comecei a contar as coisas que tinham acontecido comigo, e ele falou: 'Não, minha flIha, não

conta mais que eu não quero ouvir, só quero saber o seguinte, qual é a coisa mais importante que eu posso fazer por você?' Eu falei: 'Me tirar da PE, é o que eu quero.' Ele disse: 'Pode deixar que eu vou fazer tudo que eu posso para conseguir isso.' E realmente, ele se empenhou enormemente. Naquela época era dificílimo qualquer tipo de pis· tolão, digamos ( ... ), mas ele conseguiu ... "

A maioria dos pais ofereceu apoio e solidariedade aos filhos, foi visitá-los na cadeia, contratou advogados, buscou amigos que pudes­ sem ajudar a interferir em sua libertação ou na obtenção de melhores condições de prisão, suportou toda sorte de humilhações.

Mas houve também um outro tipo de reação diante da ameaça de prisão dos filhos, que foi a de tentar convencê· los a se entregarem à polícia) pois eles, os pais, seriam os fiadores diante da polícia ou doe militares do bom comportamento dos filhos. Essa atitude se manifes· tou no início do movimento de guerrilha, quando ainda não se haviam instaurado os métodos de repressão mais violentos, envolvendo a tortura e o assassinato dos presos.

Ser guerrilheiro ou ser terrorista

IIMovimento de guerrilha" e "luta armada" são denominações utiliza­ das por nossos entrevistados ao caracterizarem a ação política da qual participaram. Entretanto, os militares, os órgãos de segurança e os jornais falavam em "subversão", "terrorismo", "atos de terror" e chamavam esses jovens de "subversivos" ou "terroristas",

É

certo que não existe consenso, entre os cientistas sociais, quanto à def"mição e à distinção entre esses termos. Guerrilha, guerra revolucionária, terrorismo são denominações que se referem à vio­ lência política prolongada. A guerrilha é uma modalidade particular de conflito que se instala quando uma organização fraca ataca um poder mais forte tentando se fortalecer pelo uso da violência, ou seja, procurando investir na força para aumentar a própria força.7 A guerrilha Ile caracteriza pela recusa do combate frontal e decisivo e por ataques constantes ao inimigo num espaço limitado, criando um

sentimento de insegurança.

O terrorismo é um método de ação que implica a recusa das mediações ou negociações, substituídas pela ação violenta.

É

uma estratégia que pode ser usada por grupos ou pessoas com ideais políticos totalmente diferentes. Apesar da divergência de objetivos, observa -se uma grande semelhança entre os meios empregadós pelos terroristas de extrema esquerda e extrema direita.8

o terrorismo ut.iliza os

meios

de comunicação como sua tribuna.9

Tem como instrumentos

a destruição, a ameaça ou o assassinato de adversários, em nome da obtenção de direitos políticos - caso da guerrilha no Brasil e em diversos países da América LaÜna - ou de direitos nacionais - caso dos baseos, dos irlandeses e dos palestinos. Há

ainda

o caSo de minorias dentro de países onde predominam instituições democráticas que falam em nome da

democracia

mas agem contra a democracia. São exemplos as Brigadas Vermelhas da Itália,

o

Baader·Meinhof da Alemanha, a Action Directe da Fl-ança

e

grupos japoneses.

Nosso conjunto de depoimentos mostra que os entrevistados têm

dificuldades

em ac

e

itar a comparação de suas ações con1 as dos

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