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CAPÍTULO 4 METODOLOGIA DE PESQUISA

4.2 Modelo de coleta de dados

4.2.2 Definição da estrutura das entrevistas

Uma entrevista em pesquisa qualitativa é uma “conversa” com um propósito e uma estrutura específicos, e pode se considerar uma forma sistemática de questionamento. Entrevistas podem se associar a uma conversa de natureza filosófica, terapêutica, profissional ou de pesquisa investigativa: esta última tem como objetivo o aprendizado a partir do entendimento de temas variados do mundo cotidiano e das diferentes perspectivas

dos atores entrevistados (KVALE, 1996). A entrevista é uma etapa do processo de pesquisa no qual se constrói o conhecimento durante interação dos atores nos papéis por eles desempenhados: entrevistado e entrevistador. Adotou-se a abordagem conceitual apresentada por Kvale (1996), cuja base epistemológica apóia-se em contextos filosóficos e conceitos da pesquisa científica em ciências sociais. Nessa abordagem, considera-se uma entrevista utilizada como instrumento de coleta de dados um tipo particular de “conversa”, pela qual pode-se captar sentimentos, observações, idéias e opiniões do entrevistado a respeito do fenômeno estudado.

Tecnicamente falando, é importante ressaltar que uma entrevista em pesquisa qualitativa é do tipo semi-estruturada, ou seja, não se refere a uma conversa totalmente aberta nem a um questionário altamente estruturado; a entrevista, no contexto da pesquisa qualitativa “é guiada por um roteiro cujo foco são alguns temas principais que poderiam ser objetos de reflexão num conjunto de perguntas sugeridas” (KVALE, 1996, p.27 – tradução nossa).

Buscou-se identificar na abordagem conceitual proposta por Kvale (1996) as técnicas apropriadas para questionar um entrevistado a partir da elaboração de um conjunto de perguntas abertas (roteiro de entrevista). Segundo Kvale (1996), a condução de uma “conversa” orientada por roteiro de uma entrevista de pesquisa deve considerar os seguintes princípios básicos, a partir dos quais se concretiza a entrevista:

• Não existe assimetria de poder entre o entrevistado e o entrevistador. Estes podem se considerar parceiros e estão no mesmo nível de poder, havendo, em geral, um questionamento recíproco sobre a lógica das perguntas e respostas, e da verdadeira natureza sobre o objeto da “conversa”;

• As perguntas contidas no roteiro de entrevista devem se estruturar metodologicamente;

• O roteiro de entrevista deve ter foco na dinâmica que irá produzir na interação entre o entrevistado e entrevistador (pesquisador);

• O entrevistador deve estar atento a tudo que é dito, com o objetivo de entender a construção de significados pelo entrevistado.

Adicionalmente a esses princípios básicos, Kvale (1996, p.30) identifica doze aspectos que devem se considerar na fase de elaboração das perguntas que comporão um roteiro de entrevistas, e na postura do entrevistador durante a sua execução (Quadro 16).

1. Mundo real do entrevistado Uma pesquisa qualitativa foca a vida real cotidiana, no mundo, do entrevistado e as suas relações com esse mundo.

2. Interpretação de significados Uma entrevista procura interpretar o significado do tema central da pesquisa no mundo do entrevistado. O entrevistador deve registrar e interpretar o significado do que é dito e de como é dito.

3. Conhecimento qualitativo A entrevista busca o conhecimento qualitativo expresso em linguagem natural, e não visa a obtenção de dados quantitativos.

4. Descrição das sutilezas A entrevista deve buscar obter sutilezas nas descrições dos diferentes aspectos expressos pelo entrevistado.

5. Especificidade das perguntas A entrevista deve buscar descrições específicas e deve evocar uma seqüência de ações que ultrapassam opiniões gerais.

6. Ingenuidade deliberada Frente ao fenômeno analisado, o entrevistador evita expor idéias preconcebidas e esquemas fixos de interpretação, expondo-se de forma aberta e “ingênua”.

7. Foco no tema A entrevista tem um foco em um tema particular, mas não é rigorosamente estruturada com questões padronizadas.

8. Ambigüidade das respostas As declarações e respostas dos entrevistados podem parecer muitas vezes ambíguas, refletindo contradições no mundo real no qual vivem.

9. Mudanças de significados O processo de se entrevistar pode produzir novas idéias, levando o entrevistado a rever ou mudar suas interpretações e significados relativos ao tema durante o curso da entrevista.

10. Sensibilidade das entrevistas Diferentes entrevistados produzirão diferentes declarações em relação a um mesmo tema, em função dos seus conhecimentos, ou sensibilidade, em relação às perguntas realizadas durante a entrevista.

11. Situações interpessoais O conhecimento produzido durante uma entrevista é função da interação interpessoal entre entrevistado e entrevistador.

12.Experiência positiva Uma pesquisa bem conduzida pode ser uma experiência rara e enriquecedora para o entrevistado, que pode obter novas idéias para a sua própria vida.

Quadro 16 – Orientações para elaboração das perguntas do roteiro de entrevistas.

Fonte: Adaptado de Kvale (1996).

Para a condução da coleta de dados em campo, construiram-se três roteiros de entrevista contendo perguntas elaboradas a partir da abordagem conceitual descrita. Marshall e Rossman (1999) sugerem que um grau de sistematização dos roteiros de entrevistas é uma boa prática quando muitos entrevistados participam do processo de coleta de dados.

No contexto desta pesquisa, para cada pergunta elaborada pretendeu-se o foco do aprendizado sobre a perspectiva do entrevistado quanto ao desempenho do portal de serviços públicos eletrônicos. Construíram-se as perguntas de forma a deixar que o entrevistado pudesse se sentir à vontade para se expressar espontaneamente, e que respondesse por meio de pequenas histórias ou narrações. Essa lógica fez com que a

seqüência de perguntas realizadas ao longo da entrevista emergisse como uma conseqüência natural das próprias respostas do entrevistado, tendo sempre o roteiro das entrevistas apenas como uma referência. Apresentam-se os roteiros detalhados no Apêndice A, e um esquema conceitual da criação dos roteiros para as entrevistas semi- estruturadas na Figura 24.

GRUPO CIDADÃO / EMPRESAS

GRUPO CIDADÃO / EMPRESAS IMPLEMENTADORES DE TIIMPLEMENTADORES DE TI GESTORES PÚBLICOSGESTORES PÚBLICOS Mundo real dos grupos sociais relevantes

Roteiros das entrevistas

Elaboração do roteiro com base no esquema conceitual proposto por Kvale (1996) Questão-problema

da pesquisa

Perguntas da entrevista

Figura 24 – Criação dos roteiros para as entrevistas.

Fonte: Elaborado pelo autor.

Finalmente, estruturar entrevistas e entrevistados em pesquisas qualitativas requer que o pesquisador atue segundo alguns princípios éticos. Kvale (1996), Marshall e Rossman (1999), e Miles e Humberman (1984) tratam extensivamente das implicações éticas associadas aos aspectos de concordância do entrevistado, confidencialidade e conseqüências da análise em pesquisas qualitativas, já que consideram a investigação por meio de entrevistas uma questão moral. No contexto deste trabalho, a natureza das perguntas contidas nos três roteiros elaborados não conduziu a nenhuma situação em que se necessitasse estabelecer regras explícitas para tratar questões éticas, tampouco estabelecer um conjunto de valores morais para realização das entrevistas; todas as entrevistas realizadas transcorreram sem nenhum problema dessa natureza. Mesmo assim, incorporaram-se considerações éticas aos procedimentos de entrevistas: esclarecimentos

realizados na parte introdutória da entrevista, explicação do objetivo do trabalho, e garantia de manutenção do anonimato, bem como solicitação da concordância dos entrevistados para o registro do conteúdo da conversa e sua transcrição.