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2. INTERAÇÕES ENTRE MARCA E CONSUMIDOR

2.2 Definição de neuromarketing

O neuromarketing é o estudo da neurociência, ou seja, do comportamento do cérebro humano, em relação aos seus hábitos de consumo. Segundo Gonçalves (2013), a todo momento, o cérebro desenvolve e lapida seu próprio universo. É ele quem decide quais informações são dignas de atenção e quais podem ser descartadas de imediato; quem adiciona imagens e mensagens impactantes às nossas recordações e, por fim, quem sentencia a hora de tomar uma atitude. Devido a essas razões, apelos mais eficazes em anúncios publicitários conquistam uma maior atenção cerebral e proporcionam, por consequência, a concessão do público a uma determinada marca, produto, promoção ou mesmo experiência.

Outra descoberta do neuromarketing comprova que os consumidores realmente se tornam fiéis a algumas marcas. Eles não apenas experimentam os produtos, valorizam o bom atendimento e julgam suas decisões como ótimas compras. Além de tudo isso, os consumidores fidelizados se identificam com a logomarca pelos sentimentos e associações que o cérebro construiu através de experiências passadas, armazenadas em seu subconsciente. Essas associações são conhecidas como marcadores somáticos (GONÇALVES, 2013, p. 37).

O inconsciente armazena uma marca ou mensagem publicitária após a informação da mesma ter passado por diversas partes do cérebro, compondo uma memória; são essas memórias que moldam as sensações que temos ao interagir com a marca e seu produto. Através de frases, imagens e experiências acumuladas, nos identificamos positivamente com a marca e passamos a decidir mais facilmente por seus produtos ou serviços. É por isso que muitas marcas se caracterizam com uma grande carga de lembranças.

Um dos conceitos mais intrigantes do neuromarketing é a predisposição: influenciar o comportamento de um indivíduo com a apresentação de várias

sugestões sutis. Isso frequentemente acontece de maneira subliminar; ou seja, o indivíduo fica inteiramente inconsciente de que está recebendo sugestões de qualquer natureza ou que seu comportamento foi afetado de algum modo (DOOLEY, 2012, p. 238).

Para Dooley (2012), o neuromarketing nos ensina que uma experiência consistente ficará inseparavelmente conectada à marca. Se um consumidor for consistentemente satisfeito pelo seu produto ou serviço, aquela experiência prazerosa continuará presa à marca. Por outro lado, experiências ruins também pegam; uma vez que essas associações são estabelecidas, é muito difícil mudá-las.

2.2.1 Familiaridade e apelo emocional

De acordo com Gonçalves (2013), uma vez que se entende o funcionamento da mente humana durante as decisões de compra, torna-se menos complexo desenvolver peças e argumentações textuais que atingem o público correto. Não basta tentar convencê-lo a experimentar seu produto; o que importa é conseguir chamar a atenção, conversar, interagir e se manter no seu subconsciente, tornando- se parte de suas memórias. Essas memórias, quando positivas, liberam dopamina e promovem sensações prazerosas mesmo quando apenas nos lembramos delas. Quando, por exemplo, lemos certas palavras em uma peça publicitária, nosso cérebro faz associações subconscientes entre a mensagem que captamos com lembranças relacionadas que guardamos, sejam elas imagens, sons ou mesmo aromas.

A presença de coisas familiares, mesmo quando não estamos conscientes da exposição, nos faz sentir melhor. [...] Esse efeito está relacionado à fluência, a facilidade com que nossa mente processa as coisas mais familiares. E [...] não é um grande salto sugerir que a exposição inconsciente a símbolos de marcas poderia funcionar do mesmo modo (DOOLEY, 2012, p. 64).

A formação de memórias, em boa parte inconscientes, é um dos principais processos no desenvolvimento humano desde o início da infância; não é nenhuma surpresa, portanto, que sejamos muito mais suscetíveis a anúncios neste período de nossas vidas. Para Parente (2016), a falta de paradigmas permite que as crianças tenham uma capacidade criativa muito superior aos adultos, sendo capazes de criar histórias extraordinárias que fazem sentido apenas em seus próprios universos.

Durante a infância, continua Parente (2016), nos acostumamos a ouvir e a nos encantar com histórias narradas por meio de livros, quadrinhos, filmes, desenhos animados e músicas, que são, cada vez mais, ligadas a personagens comerciais e franquias, efetivamente entrelaçando anúncios às histórias. Estas então se enraízam em nossas mentes e ativam gatilhos mentais quando são lembradas. À medida que crescem, muitas crianças têm sua criatividade desconstruída e substituída pela padronização de percepções e comportamentos sociais, mas não necessariamente perdem a familiaridade que possuem com certas memórias.

Complementando, Silva (2014) considera que muitas coisas nos remetem à infância por já estarem carimbadas em nosso cérebro desde aquela época, quando ainda somos muito mais ávidos por conhecimento e capazes de aprender mais rapidamente do que na fase adulta. Usar elementos que lembram a infância em propagandas é um artifício já antigo que visa criar uma associação emocional com um sentimento saudosista; o mesmo também gera nas próprias crianças a noção de que podem adquirir quase tudo que desejam através da compra.

O aprendizado que as crianças adquirem nos primeiros anos de vida tende a ocorrer de maneira bem intensa [...]. Durante essa fase de desenvolvimento da linguagem, não podemos esquecer outros elementos que são repassados a elas, como os personagens de desenhos animados, que costumam ser utilizados como ferramentas de marketing infantil. Como tais personagens estão presentes nessa etapa marcante do aprendizado das crianças, eles ficarão “impressos” definitivamente na memória delas. E quando elas chegarem à fase adulta, tais imagens acionarão, com frequência, sentimentos daquela época, mesmo que isso não seja percebido de maneira consciente (SILVA, 2014, p. 64).

O nosso querer não é um processo lógico ou racional, afirma Silva (2014), e sim totalmente emocional, ainda mais em crianças. A maioria das coisas que queremos não obedecem a nenhum raciocínio lógico; gostamos por causa das suas cores, do seu formato ou do seu estilo, nos imaginamos usando ou decorando nossas casas com aquele objeto, e criamos uma intimidade quase imediata com ele, que nos leva ao desejo de possuí-lo.

Segundo Gonçalves (2013), anúncios que transmitem emoções fazem o público relembrar cenas de seu passado e associá-las aos produtos e serviços oferecidos. Quando um espectador é atingido pela mensagem de uma história, ele se coloca no lugar do personagem e se torna parte da cena, como se sentisse as mesmas emoções daquele personagem. Com isso, entram em ação os marcadores

somáticos que estabelecem uma conexão entre a memória e a mensagem, conduzindo o cérebro à escolha final. Em outras palavras, as emoções são de suma importância e influenciam diretamente a decisão de compra.

Não é possível separar a razão da emoção, ou seja, por mais que seu consumidor acredite, conscientemente, que toma decisões apenas racionalmente, a ciência afirma o contrário. As emoções sentidas são parte absolutamente indispensável durante os processos racionais de decisão (GONÇALVES, 2013, p. 77-78).

Dooley (2012) acredita que criar anúncios com base emocional pode ser mais difícil, mas vale o esforço. Marcas que estabelecem ligações emocionais com seus consumidores e se tornam as mais desejáveis passam a ser chamadas de marcas apaixonantes ou lovemarks. Elas inspiram a evangelização em seus consumidores fiéis, que as recomendam entusiasticamente a seus amigos e ficam decepcionados com os que não seguem suas recomendações.

Jenkins (2009) vê nas lovemarks a importância do envolvimento e da participação do público em conteúdos de mídia. É comum que hoje os roteiristas pensem em narrativas que criem oportunidades para a participação dos consumidores, que estão sempre utilizando novas tecnologias midiáticas para se envolverem com o conteúdo de suas marcas favoritas.

O que torna um comercial de televisão interessante? Se você acha que são os atrativos de imagem e áudio – ação, som, música, pessoas, cor, entre outros –, você estaria certo. Idem para grandes produções. Um local exótico também poderia ajudar. Todos esses recursos explicam por que os anunciantes adoram a mídia em vídeo, particularmente para criar uma reação emocional no observador (DOOLEY, 2012, p. 177).

Ainda há, porém, uma lacuna entre as concepções das empresas sobre o que constitui uma participação adequada dos fãs e a sensação que eles têm de posse moral sobre a propriedade. Jenkins (2009) relata que as empresas, em sua maior parte, tratam os fãs das propriedades cultuadas como lovemarks como consumidores inspirados, cujas iniciativas ajudam a gerar interesses mais amplos por essas marcas. Consolidar a fidelidade dos fãs pode significar diminuir os controles tradicionais exercidos pela empresa sobre suas propriedades intelectuais, abrindo um espaço mais amplo para a expressão criativa alternativa.

Como podemos observar, o estudo do comportamento do consumidor traz vantagens significativas para as empresas que investem em apelos emocionais e

sociais em suas campanhas de marketing, visando a fidelização de seus clientes desde a formação de suas primeiras memórias no decorrer da infância. Porém, enquanto as empresas apenas se beneficiam de seus status e do incentivo desenfreado ao consumo que proporcionam, são os próprios consumidores que estão sujeitos a sofrer as consequências dessas atitudes, tornando-se dependentes e consumistas.

2.2.2 Consumo compulsivo

Um dos maiores malefícios que a diversificação do mercado trouxe para a nossa sociedade foi dar espaço a um fenômeno chamado de consumo compulsivo. Como o termo sugere, trata-se do impulso por parte do consumidor de comprar exageradamente, consumir muito mais do que o necessário para o seu sustento e gerar gastos que vão além da sua condição financeira. Segundo Gonçalves (2013), a neurociência explica que, quando passamos por períodos estressantes ou livres de motivação, estamos sujeitos a buscar conforto em marcas e objetos de consumo, de modo a nos assegurar de que algo está funcionando corretamente em nossas vidas.

Já pensou na sensação de conquista ao comprar um bem de consumo que você tanto queria? Aos poucos, essa sensação prazerosa parece se dissolver, mas aí logo vem outra compra e uma nova realização, um novo estímulo, como se seu corpo pedisse bis ao ato consumista. Essa é a mais pura verdade. A cadacomprarealizada,a plateiacerebralenlouquece,com milhões de neurônios gritando bis em coro e avassaladoramente (GONÇALVES, 2013, p. 43).

Segunda Silva (2014), a compra impulsiva é realizada sem nenhum planejamento prévio, de maneira totalmente irracional, e seu único objetivo é a satisfação imediata de uma vontade que é momentânea e passageira. Muitos dos itens adquiridos nem sequer chegam a ser usados antes de serem esquecidos, pois o grande prazer vem do ato da compra e não necessariamente da posse. Nos piores casos, os consumistas fazem de tudo para esconder suas aquisições impulsivas de outras pessoas, atitude semelhante à de pessoas que sofrem de outros transtornos.

É possível também que o consumo excessivo se dê pelo motivo inverso: mostrar às outras pessoas o que você possui. Nesse contexto social, o poder aquisitivo torna-se uma ferramenta de elevação de status. “Quando não compramos

coisas que são validadas pelo marketing como necessárias à felicidade, nos sentimos excluídos e até mesmo fracassados e deprimidos” (SILVA, 2014, p. 25).

Pouco após o ato desenfreado de consumo e a realização de suas consequências, é comum que o consumidor desenvolva um sentimento de arrependimento denominado por Silva (2014) como ressaca. Trata-se da sensação desagradável que ocorre depois de um momento de diversão que acabou custando caro demais; um sentimento de culpa, vergonha, frustração. A ressaca pode evoluir para uma fissura crescente, resultando em um novo descontrole ou ainda em uma síndrome de abstinência, caso o desejo por consumo não seja realizado.

Arrependimento é uma emoção, e é também uma punição que impingimos a nós mesmos. O medo do arrependimento é um fator considerado em inúmeras decisões tomadas pelas pessoas (“Não faça isso, você vai se arrepender” é uma advertência comum), e a experiência real de arrependimento é familiar (KAHNEMAN, 2012, p. 368).

Dooley (2012) observa que dedicar tempo demais pensando na compra e realizar muitas pesquisas pode provocar remorso no comprador; mesmo quando você acredita ter feito a escolha certa, ainda está ciente dos defeitos no produto que comprou e das vantagens oferecidas pela concorrência. Consumistas tendem a aproveitar muito mais ofertas e promoções em comparação a pessoas mais regradas; mesmo assim, a maioria dos consumidores compra apenas produtos simples por impulso enquanto decide por produtos mais complexos com muita reflexão.

Silva (2014) conclui que, apesar de sofrerem as consequências de sua forma de consumo, os compradores abusivos não vivem apenas em função disso; eles conseguem manter um grau de funcionalidade em suas vidas pessoais, sociais e profissionais. Há também as pessoas que são capazes de transformar seus impulsos por consumo em algo positivo; uma forma de se aproximar de outras pessoas e compartilhar experiências com quem sente os mesmos desejos e interesses. Essa mudança na atividade do consumidor, que pode ser resultado da ação de uma lovemark ou mesmo da força de vontade dos próprios consumidores, é um dos princípios que deu origem à cultura da convergência.