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1 CONCEITUAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS E DOS DIREITOS

2.2 O Direito Natural na Patrística e na Escolástica

2.2.1 Definição do tema; autores

Cumpre esclarecer que, por “Escolástica”, entende-se o conjunto de elaborações filosóficas dos chamados doutores da Igreja, ao longo da história, notadamente na Idade Média (do século IX ao século XVII), que buscam conciliar as verdades de fé (as verdades

121 RICOEUR, Paul. Cruzada de heróis anônimos pelo planeta. Entrevista realizada por Napoleão Sabóia. O

Estado de São Paulo, 04 fev. 2001.

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HABERMAS, Jürgen. Teologia da Idade Média e genealogia dos Direitos Humanos. O Estado de São

Paulo, 24 abr. 2005.

reveladas) com a razão humana. Dessas elaborações, a Igreja seleciona aquele conjunto de doutrinas que compõem a chamada filosofia perene; sempre sob a autoridade do seu magistério supremo, o Santo Padre e o Colégio Episcopal.

Alguns importantes nomes do pensamento escolástico que engrandeceram sobremodo a doutrina da Igreja merecem referência, como, por exemplo: Alcuíno de York (735-804), Santo Anselmo (1033-1109), Pedro Lombardo (1100-1160), São Bernardo (1090-1153), Santo Alberto Magno (1200-1280), São Boaventura (1217-1274), São Tomás de Aquino (1225-74) e João Duns Scotus (1308), entre outros grandes filósofos.

A literatura patrística (ou, Patrística, singelamente) constitui o conjunto dos escritos dos primeiros autores da era cristã. A partir de 95 d.C., foram conhecidos como “pais da Igreja”, em face à sua lealdade à doutrina. Defendiam a fé, a liturgia, os costumes e os dogmas cristãos.124

É dividida em três períodos, considerando-se como marco histórico o Concílio de Nicéia (324 d.C.).

Geralmente são incluídos os autores seguintes: Abércio de Hierápolis (século II); Aristides de Atenas (século II); Atenágoras de Atenas (século II); Boécio (século VI); Evágrio Pôntico (século IV); Hermas de Roma (século II); Pápias de Hierápolis (século I); S. Agostinho de Hipona (século IV); S. Ambrósio de Milão (século IV); S. Arsênio da Capadócia; S. Atanásio de Alexandria (século IV); S. Basílio de Cesaréia (século IV); S. Bento de Núrsia (século VI); S. Cipriano de Cartago (século III); S. Cirilo de Jerusalém (século IV); S. Clemente I de Roma (século I); S. Efrém da Síria (século V); S. Gelásio I, papa (século V); S. Gregório de Nissa (século IV); S. Hipólito de Roma (século III); S. Inácio de Antioquia (século II); S. Ireneu de Lião (século II); S. Jerônimo (século IV); S. João Damasceno (século VIII); S. Justino de Roma (século II); S. Leão Magno (século V); S. Pacômio de Tabenési (século III); S. Policarpo de Esmirna (século II); S. Teófilo de Antioquia (século III); S. Urbano I, papa (século III); S. Zeferino, papa (século II); Taciano da Síria (século II); Tertuliano de Cartago (século III).

O “Dicionário Patrístico” assim esclarece:

Foi o título de “Pai” (“Padre”) que forjou o termo “patrologia”, depois, o de “patrística”, dois termos vizinhos, mas que tendem a distinguir-se. O criador do termo “patrologia” foi o luterano J. Gerhard (1637) em seu estudo póstumo “Patrologia sive de primitivae ecclesiae christianae

124 VERITATIS SPLENDOR: memória e ortodoxia cristã. Disponível em: <http://www.veritatis.com.br>.

doctorum vita ac lucubrationibus opusculum” aparecido em Jena em

1653; o livro vai de Hermas a Belarmino.

I. Significado dos termos. 1) O termo “patrologia” quer expressar sobretudo o estudo histórico e literário (vida e obras) dos escritores antigos. Certo número de historiadores, a fim de incluir todos os autores da Igreja, sejam ortodoxos sejam heterodoxos, preferem falar de “História da literatura cristã” (Harnnack) ou “eclesiástica” (Berdenhewer), título adotado por numerosas obras contemporâneas, de origem e tendências diversas (Batiffol, Puech, Labriolle, Bardy, Moricca, Pellegrino). Na origem, “patrística” era um adjetivo, subentendendo teologia. Apareceu no século XVII entre os teólogos luteranos e católicos, que distinguiam a teologia em “bíblica, patrística, escolástica, simbólica, especulativa”. Aqueles que hoje lhe dão preferência estudam as idéias e as doutrinas mais do que o aspecto filológico e literário. Basta folhear as novas edições dos textos patrísticos, como as Sources chrétienes, para perceber esta mudança. 2) Os antigos não traçaram uma fronteira rígida entre a antiguidade cristã e a Idade Média; com facilidade deram eles o nome de “Padres” aos escritores posteriores, como no caso das antigas Bibliothecae Patrum, que vão até o séc. XV e XVI. Até mesmo Mabillon ainda considera S. Bernardo como “o último Padre”. Migne seguiu este exemplo em sua Patrologia (para grande desespero de J. B. Pitra). Os modernos fixam limites mais precisos. Para eles em geral os Padres terminaram com Gregório Magno ou Isidoro de Sevilha para os latinos, com João Damasceno para os gregos. Alguns desejam incluir também Beda o Venerável e o Bizantinismo.125

À força de repetição, entende-se como verdadeiro truísmo a consideração da Idade Média, como a “Idade das Trevas”. E, consequentemente, visualiza-se que foi período histórico de grande retrocesso; pobreza; ignorância e todo cortejo que segue às desgraças (peste, fome, etc.).

Todavia, surgem estudiosos que concluem pela utilidade das crenças, que encorajam as pessoas a trabalhar duro e enriquecer. A religião não sufocou as ideias econômicas e científicas — ela as nutriu.

Para o sociólogo Rodney Stark, “a Igreja reconheceu a dignidade do trabalho livre antes da maioria das outras culturas. Ela valorizou a propriedade privada e sublinhou a igualdade essencial dos seres humanos, a despeito de suas rendas e situações desiguais”.126

Assim escreveu David Brooks:

O que explica o sucesso? Que forças levam algumas nações e indivíduos a avançar e enriquecer, enquanto outros ficam estagnados? Estas são as questões mais importantes nas ciências sociais hoje. Na arena acadêmica, estudiosos gladiadores brandem livros e oferecem teorias.

De um lado estão os deterministas materiais. Jared Diamond, com seu

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BERARDINO, Ângelo Di. Dicionário patrístico de antiguidades cristãs. Tradução Cristina Andrade. Petrópolis-RJ: Vozes, 2002. Verbeta “Patrologia-Patrística”, p. 1.103.

popular Armas, Germes e Aço, diz que o Ocidente ficou rico não por causa de alguma superioridade inata, mas porque os europeus tinham, por acaso, os tipos certos de plantas. Felipe Fernández-Armesto, com seu tomo Civilizations (Civilizações), argumenta que o sucesso é determinado pelo clima e pela geografia. (Jared Armond, em Armas, Germes e Aço, encontrou no determinismo geoecológico as fontes da hegemonia mundial européia a partir da Idade Moderna).

De outro lado estão os deterministas culturais. Thomas Sowell argumenta que os grupos étnicos desenvolvem suas próprias habilidades e valores e prosperam ou sofrem à medida que competem, conquistam e migram. Em sua grande obra, “A Riqueza e a Pobreza das Nações”, David Landes mostra como os costumes culturais moldaram os impérios europeus e a Revolução Industrial. (Victor Davis Hanson, em Por Que o Ocidente Venceu traçou uma linha de continuidade entre a Grécia clássica e os EUA para explicar o sucesso militar das sociedades ocidentais com base nas idéias de individualismo e liberdade).

Agora, outro peso pesado acadêmico entrou na arena. Em seu novo livro, “The Victory of Reason” (A vitória da razão), o sociólogo Rodney Stark, da Universidade Baylor, argumenta que o Ocidente enriqueceu porque inventou o capitalismo. Isto não é novo. O inusual é sua descrição de como o capitalismo se desenvolveu.

A visão convencional, adotada pela maioria de seus colegas deterministas culturais, é a de que, durante o Renascimento e a Reforma, os europeus se livraram da autoridade da Igreja Católica. Quando um mundo secular foi criado ao lado do mundo sagrado, quando a liberdade intelectual substituiu a obediência à autoridade, o resultado foram o capitalismo e os avanços científicos.

Essa teoria, diz Stark, não se encaixa nos fatos. Na verdade, o capitalismo se desenvolveu na Idade Média e as inovações importantes foram obra de pessoas no âmago da fé. A religião não sufocou as idéias econômicas e científicas — ela as nutriu.

Stark baseia-se nas recentes pesquisas que reverteram antigos preconceitos sobre a chamada Idade das Trevas. Ainda em 1983, o estimado historiador Daniel Boorstin pôde escrever um capítulo sobre a Idade Média intitulado “A Prisão do Dogma Cristão”.

No entanto, quanto mais aprendemos, mais percebemos que a maior parte do progresso que associamos ao Renascimento ou a épocas posteriores na verdade aconteceu durante a Idade Média. Um século antes de Copérnico, Jean Buridan (cerca de 1300-1358) escreveu que a Terra era uma esfera girando em torno de um eixo. Buridan, um reitor da Universidade de Paris, foi sucedido por Nicole d’Oresme (1323-1382), que explicou por que a rotação da Terra não produz vento. Outros escolásticos medievais fizeram descobertas semelhantes em economia e tecnologia. Quinhentos anos antes de Adam Smith, Santo Alberto Magno explicou o mecanismo de preços como aquilo que “os bens valem segundo a estimativa do mercado na hora da venda”.

Mosteiros e conventos católicos surgiram como empreendimentos capitalistas, servindo não apenas como centros de manufatura e comércio, mas também como casas de investimento. E engenheiros inventaram ou comercializaram uma vasta série de tecnologias: a bússola, o relógio, o barco de fundo redondo, a carroça com freio e eixo dianteiro, a roda hidráulica, os óculos e assim por diante.

Estas inovações e descobertas, argumenta Stark, não foram obra dos novos seculares, e sim de pessoas com um senso do sagrado claramente cristão. A teologia católica lhes ensinara que Deus havia criado o

Universo segundo leis universais que a razão podia descobrir.

Ensinara que o conhecimento e a História avançam progressivamente, e por isso as pessoas deveriam olhar para o futuro, não para o passado. A Igreja reconheceu a dignidade do trabalho livre antes da maioria das outras culturas. Ela valorizou a propriedade privada e sublinhou a igualdade essencial dos seres humanos, a despeito de suas rendas e situações desiguais.

Essa história é importante hoje (e não só porque Alberto Magno sabia

mais sobre reconciliação de fé e razão, há 700 anos, do que os falsos guerreiros culturais sabem agora). Ela é importante porque, lidemos com

a pobreza no mundo ou em casa, não basta simplesmente libertar as pessoas e supor que elas buscarão automaticamente a prosperidade econômica. As pessoas precisam ser imbuídas de certas crenças, como as de que o futuro pode ser melhor que o presente e os indivíduos têm o poder de moldar o próprio destino.

As idéias e a cultura impulsionam as civilizações. A Igreja Católica nutriu um dos mais impressionantes saltos econômicos da história humana. Hoje, enquanto o catolicismo se espalha pela África e pela China, é importante compreender as crenças que encorajam as pessoas a trabalhar duro e enriquecer.127