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1 CONCEITUAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS E DOS DIREITOS

1.3 Direito do Trabalho como expressão dos Direitos Humanos

2.1.2 O Direito Natural na Idade Média

Depois, no arco da história, surgiram Tomás de Aquino, Agostinho, os padres da Igreja (Agostinho, inclusive); Santo Tomás de Aquino e a Escolástica; Suarez e Francisco de Vitória, precedendo Grotius.

A exposição clássica e não superada da concepção cristã do Direito Natural — ensina Bobbio97 — está na “Summa Theologica” de Santo Tomás de Aquino.

A lex aeterna é a razão divina que governa o mundo: a lei natural é participatio legis aeternae in rationali criatura.98

A lei natural é o modo como uma ordem cósmica, emanada de Deus, manifesta-se naquele aspecto da criação que é a criatura dotada de razão, isto é, o homem.99 A lei natural consta de um preceito único e genérico do qual a razão deduz todos os outros. Esse preceito muito genérico consiste na máxima bonum faciendum, male vitandum, que prega fazer o bem e evitar o mal.100

Bobbio, no trecho acima, conclui com a transcrição de Santo Tomás101: “E sobre isto se fundamentam todos os demais preceitos da lei da natureza, pois tudo o que deve ser feito ou evitado, segundo a razão prática dos homens, está sujeito aos seus princípios.”102

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MARITAIN, Jacques. Os Direitos do Homem. Op. cit., p. 57.

97 BOBBIO, Norberto. Locke... Op. cit., p. 38.

98 AQUINO Santo Tomás de. Summa theologica, q. 91, art. 2, apud BOBBIO, Norberto. Locke... Op. cit. 99 COTTA, S. Il Conceto di legge in San Tommaso d’Aquino. Turim, 1955, apud BOBBIO, Norberto.

Locke... Op. cit.

100 AQUINO Santo Tomás de. Summa theologica, q. 91, art. 2, apud BOBBIO, Norberto. Locke... Op. cit. 101 Ibidem.

Logo, a filosofia do século XVIII a propósito dos Direitos Humanos (Direito Natural, lei não escrita) não surgiu do nada.

Para a grande corrente que atualizou o tomismo, Maritain à frente, o ser humano é um ser dotado de inteligência e, como tal, age compreendendo o que faz, tendo assim o poder de determinar por si mesmo os fins que pretende.103 Cumpre-lhe, pois, ficar de acordo com os fins que são necessariamente exigidos por sua natureza.

Alceu Amoroso Lima, no prefácio à obra de Maritain, salienta que o autor passou da filosofia pura para a filosofia política, “consideravelmente” a pedido do Papa Pio XI, que estava alarmado com a extensão da filosofia política totalitária do fascismo e do nazismo. A grande preocupação foi atualizar os princípios aparentemente contraditórios da filosofia aristotélico-platônica com o princípio fundamental da primazia da pessoa humana, como sendo o elemento mais perfeito da criação.

O homem tem objetivos que correspondem a uma constituição natural e que são os mesmos para todos os integrantes da espécie. Como é dotado de inteligência e vontade, determinando seus próprios objetivos, cumpre-lhe ficar de acordo com os fins necessariamente exigidos pela sua natureza.

Há, em virtude da própria natureza humana, uma ordem ou uma disposição que a razão humana pode descobrir, e segundo a qual a vontade humana deve agir a fim de se por de acordo com os fins necessários do ser humano. A lei não escrita, ou o Direito Natural, não é outra coisa.

A natureza deriva de Deus; a lei não escrita deriva da lei eterna, que é a própria Sabedoria criadora. Portanto — para os filósofos da antiguidade e os pensadores que os sucederam, no tempo —, a ideia da lei natural ou da lei não escrita estava ligada (neles e para eles) a um sentimento de piedade natural, ao respeito sagrado expresso por Antígona.

A afirmativa cabal de Maritain é a de que basta acreditar na natureza humana e na liberdade do ser humano para se persuadir de que há uma lei não escrita, e de que o Direito Natural é algo tão real na ordem moral quanto as leis do crescimento e do envelhecimento na ordem física.

O filósofo distingue ainda a lei do conhecimento da lei. A dificuldade está — e aqui é reflexão pessoal — em que se afirma que a lei natural está escrita no coração do homem (em profundidades secretas). Maritain reconhece: essa metáfora tem causado muitos 102

“Et super hoc fundantur omnia alia praecepta legis naturae, ut scilicet omnia illa facienda vel vitanda

pertineant ad praecepta legis naturae, quae ratio practica naturaliter apprehendit esse bona humana.”

prejuízos. Assim como no positivismo, de afirmação kantiana, o autor menciona que, como preâmbulo e princípio da lei natural, “o único conhecimento prático que todos os homens têm natural e infalivelmente em comum, é que é necessário fazer o bem e evitar o mal”.104 Mas cabe prosseguir na análise que Maritain menciona:

A lei natural é o conjunto das coisas que se devem e que não se devem fazer, dele decorrentes de uma maneira necessária e pelo fato somente de que o homem é homem, abstraindo de qualquer outra consideração. Que todos os erros e todas as aberrações sejam possíveis na determinação dessas coisas, isso prova somente que nossa visão é fraca e que nosso julgamento pode ser corrompido por acidentes sem conta. Observava Montaigne maliciosamente que o incesto e o latrocínio têm sido considerados ações virtuosas por certos povos, com o que Pascal se escandalizava; e nós nos escandalizamos de que a crueldade, a denúncia dos pais, a mentira ao serviço do partido, o assassínio dos velhos ou dos doentes sejam levados em conta de ações virtuosas pelos jovens educados segundo os métodos nazistas. Nada disso prova contra a lei natural, do mesmo modo que um erro de soma nada prova contra a aritmética, ou que os erros dos primitivos, para quem as estrelas era buracos na tenda, que recobria o mundo, nada provam contra a astronomia.105

É oportuno mencionar que esse texto foi elaborado em 1943, sob a fortíssima influência social, jurídica e histórica da assim chamada Segunda Grande Guerra Mundial.106 As alterações da concepção, atualmente, podem ser medidas pelas decisões do

104 MARITAIN, Jacques. Os Direitos do Homem. Op. cit. 105 Ibidem, p. 61.

106 O jornal “Correio da Manhã”, do Rio de Janeiro, em 04 de março de 1964, estampava, na página 4, notícia

das agências UPI-AP-CM, oriunda de Limburg e de Varsóvia, na Polônia. Relatava que o médico nazista Hans Hefelman, de 58 anos de idade, que estava sendo julgado no processo de eutanásia, em Limburg, como acusado de haver participado de “assassínios misericordiosos” de 73 mil pessoas durante a guerra, havia declarado na véspera que os doentes mentais deviam ser mortos para dar lugar aos soldados feridos e às vítimas de ataques aéreos. O acusado — prossegue o relatório — não disse em nenhum momento que o objetivo da ação, denominada T-4 no código nazista, fosse “purificar a raça” e afirmou que os seus superiores

haviam achado mais humano matar todos os doentes mentais para impedir que se repetisse a situação criada

durante a primeira guerra mundial, quando esses doentes morriam de fome nos hospitais. Hefelman revelou que tinha um interesse filosófico na eutanásia e assinalou que em uma só oportunidade houve complicações no cumprimento de ordem de “assassínio misericordioso”. Adiantou também que todas as pessoas vinculadas ao programa T-4 foram postas sob a lei marcial e não lhes restava assim outro remédio senão acatar as ordens. Hans Hefelman disse ainda que “não redigiu as ordens” para a ação e que isto era atribuição da seção encarregada do programa de “mortes por misericórdia” na chancelaria de Berlim. Informou que Philip Bouhler, chefe da seção, e o professor Karl Brandt, médico pessoal de Adolf Hitler, tinham autorização para selecionar os médicos que teriam o encargo de decidir quem deveria “ser eliminado como indigno de viver”. Bouhler se suicidou ao ser preso no fim da guerra e Brandt foi enforcado, em cumprimento de sentença do Tribunal de Nuremberg. Tanto Bouhler como Brandt, segundo Hefelman, discutiram o programa de eutanásia com vários ministros de gabinete e destacados professores, especialmente psiquiatras, e Martin Borman, secretário pessoal de Hitler e um dos homens mais influentes da hierarquia nazista, sugeriu em determinado momento que o programa “mortes por misericórdia” deveria ser supervisionado por gauleiters nazistas. O Cardeal Stevan Wysynski, em um sermão feito ontem em Varsóvia, referindo-se às recentes notícias sobre o processo de Lemburg, declarou que talvez toda a Alemanha tenha estado enferma sob o nazismo e devesse, assim, ser julgada. Falou sobre o abuso de autoridade e sugeriu um código de ética para os políticos e

e. STF, relativamente ao direito de sobrevida do nascituro, na hipótese de má-formação congênita. Ou, ainda, na discussão sobre a assim conhecida eutanásia piedosa. Mais: esterilização remunerada; autorizações de procriar negociáveis; autorizações de poluir negociáveis; despejo de lixo nuclear; sangue à venda; mercado de refugiados; direitos de imigração à venda.107

Já em setembro de 1967, no prefácio à terceira edição da obra, Alceu de Amoroso Lima escreveu que se considerava o filósofo “ultrapassado”. Todavia — afirma Tristão de Ataíde —, o que importa “é a essência do pensamento político de Maritain e suas consequências para a revolução pacífica, mas profunda, a que todos aspiramos na sociedade injusta e obsoleta do burguesismo moribundo em que nos encontramos”.108

Para o prefaciador referido, sucedem-se as revoluções; sucedem-se os sistemas filosóficos de sinal contraditório. De um lado, o existencialismo, como um subjetivismo total, que acaba no marxismo sartriano, de negação da pessoa humana como entidade substancial. De outro, o estruturalismo como uma subordinação também total das pessoas ao sistema etnológico que a determina e é considerado como um novo eleatismo (a primazia da imobilidade sobre a mobilidade heraclitiana) e um novo conservadorismo, atacado pelos marxistas. Alceu de Amoroso Lima encerra o prefácio com os termos seguintes:

E ao cabo de todas as contendas, o que resta é a perenidade de uma colocação orgânica, equilibrada, racional e humana, como esta que Maritain, magistralmente, analisa, neste livro profético e de atualidade constante, acima das controvérsias ideológicas e das vicissitudes políticas.109

A indagação sobre o que, afinal, é o naturalismo, encontra, em Vialatoux, a definição seguinte:

O naturalismo é a doutrina filosófica que reduz a natureza interior à natureza exterior, a intenção à existência fenomenal, a finalidade ao mecanismo. Designa-se também, com razão, pelo termo de naturalismo, a “mentalidade”, que mais ou menos clara e conscientemente, tende na prática a essa redução. Considerada especialmente na ordem humana, é o estadistas, afirmando que “o principal fundamento para existência de autoridade é o objetivo de realizar o

bem comum”. (Cf. SCHREIBER, Bernhard. Os homens por trás de Hitler. Disponível em:

<http://conspireassim.wordpress.com/2008/08/06/os-homens-por-tras-de-hitler>. Acesso em 21 nov. 2012).

107 SANDEL Michael J. O que o dinheiro não compra: limites morais do mercado. Tradução Clóvis

Marques. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.

108 MARITAIN, Jacques. Os Direitos do Homem. Op. cit. 109 Ibidem, p. 12.

naturalismo a doutrina que reduz a natureza moral a uma natureza física e que coloca sob o império das leis de uma física social (terceiro sentido mencionado, da palavra lei) as leis políticas e as leis morais (primeiro e segundo sentidos da palavra lei). Sob esse império, torna-se a Moral uma “ciência dos costumes”, no sentido positivista da palavra ciência, isto é, uma física dos costumes e, em última análise, um mecanismo dos costumes. Sob esse império, ainda, torna-se a Política um técnica natural, uma função de engenheiro, em última análise uma “arte mecânica”, a arte de submeter a sociedade ao governo das leis naturais de uma física social -fisiocracia, empirismo organizador... Integrar a ordem “moral e política”, o direito natural e o direito positivo na ordem física e colocar todas as leis sob o império único das “leis naturais”. Eis a pretensão da filosofia naturalista”.110