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1 CONCEITUAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS E DOS DIREITOS

2.4 A dignidade da pessoa humana

2.4.5 O princípio da dignidade da pessoa humana na jurisprudência (Direito Civil)

A adoção do princípio, na aplicação jurisprudencial, tem sido constante. Exemplificativamente: “A dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos do Estado

216 JOÃO PAULO II. Discurso aos participantes na Sessão Plenária da Congregação para a Doutrina da Fé.

Op. cit., p. 10.

217 ARENDT, Hannah. Responsabilidade e julgamento. Tradução Rosaura Eichenberg. São Paulo:

Companhia das Letras. 2004, p. 126.

218 PARREIRAS, Rodrigo Moraes Lamounier. A dignidade de todos e de ninguém. Revista Júris Síntese, n.

democrático de direito, ilumina a interpretação da lei ordinária”.219

Outras matérias: fornecimento compulsório de medicamentos por parte do Poder Público,220 a nulidade de cláusula contratual limitadora do tempo de internação hospitalar,221 a rejeição da prisão por dívida motivada pelo não pagamento de juros absurdos,222 o levantamento do FGTS para tratamento de familiar portador do vírus HIV,223 dentre muitas outras.

Contrariamente: sujeição do réu em ação de investigação de paternidade ao exame compulsório de DNA,224 com invocação do princípio da dignidade humana.

E, por se tratar de decisão pioneira na matéria, é de se trazer ao exame julgado de primeiro grau, da Justiça Federal em Campinas, de lavra do Juiz Rafael Andrade de Margalho, sobre a concessão de salário-paternidade.225 Tal benefício não consta de previsão legal.

O direito foi reconhecido em favor do pai, que assumiu, sozinho, a criação do filho. Ele apresentou o pedido de licença-paternidade, pela via administrativa, que foi recusado pelo INSS. Buscou o benefício na Justiça, através da Defensoria Pública, em petição assinada por Fernanda Zanetti. O autor relatou que, após o término do relacionamento, sua ex-namorada soube que estava grávida. Ela não desejava a gravidez, por ameaças a seu futuro profissional. Parou de comer e não queria que seus conhecidos soubessem que estava esperando um filho. Ele então a convenceu a morar com seus pais durante a gestação, em Presidente Venceslau, onde foi feito o exame pré-natal. Após o nascimento, mãe e filho retornaram a Campinas. “A mãe da criança não quis vê-lo nem alimentá-lo”, afirmou o pai, na inicial.

Segundo declarou a defensora pública responsável pelo caso, Fernanda Zanetti, “na falta da mãe, não é razoável que a criança fique sem amparo nos primeiros meses de vida,

219

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 9.892/RJ. Relator original Ministro Hamilton Carvalhido, Relator para o acórdão Ministro Fontes de Alencar, DJ 26 mar. 2001.

220 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n. 11.183-PR.

Relator Ministro José Delgado, DJ 04 set. 2000.

221

SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 110.772-4/4-00. Relator Desembargador O. Breviglieri.

222 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 12.547/DF. Relator Ministro Ruy Rosado de

Aguiar, DJ 12 fev. 2001.

223

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 249.026-PR. Rel. Min. José Delgado, DJ 26 jun. 2000.

224 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 71.373/RS. Relator Ministro Marco Aurélio, DJ

10 nov. 1994. SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Apelação Civil n. 191.290-4/7-0. Relator Desembargador A. Germano.

225 O ESTADO DE SÃO PAULO. Juizado Especial Federal de Campinas concede salário-paternidade.

sob a alegação de inexistência de previsão legal, ainda mais quando a diferença trata-se de gênero”.

Houve antecipação de tutela, ao fundamento de que o direito é assegurado constitucionalmente. Foi invocado o princípio da igualdade entre homens e mulheres em direitos e obrigações, nos termos do art. 5º da Carta. E, ainda, foi mencionado o art. 227 da Constituição, pois “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida”, entre outros direitos.

“Os princípios da dignidade humana e da proteção à infância devem preponderar sobre o da legalidade estrita”.226

Outra publicação trouxe o relatório desse processo nos seguintes termos:

No dia 15.08.2012, o JEF de Campinas decidiu conceder salário- paternidade, em antecipação de tutela, a requerente que teve que se afastar do trabalho para cuidar de filho recém-nascido. O autor da ação alega que, após o término de um breve relacionamento com a mãe da criança, foi surpreendido com a gravidez da moça, que não a desejava, diante da ameaça que a situação poderia representar a seu futuro profissional. O requerente, no entanto, amparou a moça, proporcionando- lhe abrigo na casa de seus pais e a possibilidade de realizar o pré-natal. Após o nascimento da criança, no entanto, a mãe não quis ver o bebê nem amamentá-lo. Dessa forma, o pai teve que assumir os cuidados com o recém-nascido e entrou na justiça alegando que precisa de tempo livre para atender às necessidades do filho, pedindo uma licença-paternidade nos moldes da licença-maternidade concedida usualmente pelos empregadores à empregada gestante. Antes de procurar a justiça, o autor solicitou a concessão do benefício junto ao INSS, tendo sido informado que, por falta de previsão legal, seu pedido só poderia ser atendido por meio de uma ação judicial. Tentara também obter uma licença- paternidade remunerada, junto ao seu empregador, conseguindo anuência apenas para um afastamento não remunerado. A decisão levou em consideração o princípio da igualdade entre homens e mulheres em direitos e obrigações, conforme o art. 5º da CF/1988. Também se baseou em que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito à liberdade e convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, segundo o art. 227 da Carta Magna. O juiz federal adotou ainda como amparo à sua decisão o art. 392-A da Consolidação das Leis do Trabalho e o art. 71-A da Lei nº 8.213/1991. O requerente obteve o direito a manter-se afastado de seu trabalho habitual pelo prazo de 120 dias, facultando ao empregador estender esse prazo para 180 dias, conforme acordo ou convenção coletiva, nos moldes deferidos à gestante do sexo feminino, a contar da intimação do empregador, sem prejuízo de sua remuneração, a qual deverá corresponder ao último salário integral percebido pelo segurado.

O atual empregador está autorizado a realizar as deduções do valor pago a título de salário-paternidade, das contribuições previdenciárias futuramente realizadas sobre a folha de salários.227

2.5 Direitos Humanos. Dignidade da pessoa humana. Objeção de consciência e Direito positivo. Jurisprudência

O conceito de objeção de consciência não é trazido, pelo Direito positivo, de modo explícito. Está — isto sim — inserido nos princípios consagrados pelo legislador, sobretudo na Carta Política.

A Constituição Federal dispõe, no art. 5º, inciso VI, que: “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.

O conceito de “liberdade de consciência”, portanto, é de ser considerado também (e especialmente) com a possibilidade de estabelecimento de limites, pelo próprio cidadão.

Para a Escolástica, a consciência é faculdade que o Ser divino concedeu ao ser humano, em face do Direito Natural, ínsito à própria natureza. Diz a cada homem, independente de raça, nação, país ou época: “evite o mal, faça o bem”.

Portanto, não é lícito ao Estado interferir nessa esfera particular de cada cidadão. A objeção de consciência indica o grau de consciência social em um Estado, a liberdade dos cidadãos desse mesmo Estado.

Reale,228 ao examinar a constitucionalização do Direito Civil (particularmente na Constituição Federal de 1988), faz referência à “consequencialização experiencial” dos valores sociais básicos.

Menciona que os adeptos do Direito Natural clássico, especialmente da escola aristotélico-tomista, já admitiam a existência de direitos inatos e eternos, aos quais se deveriam submeter os dispositivos da Lei Civil, mas já agora valores há que se universalizaram como expressão da própria experiência social.

E esses valores adquiriram tamanha força que eles, na imanência mesma da vida coletiva, já atuam “como se” fossem inatos. O autor faz referência aos valores da pessoa humana e da democracia. Mais recentemente, ao valor da ecologia.

Nomeia tais valores como “invariantes axiológicas”, que é o superamento do relativismo pelo reconhecimento de que há valores que se projetam no cenário cultural

227 SÍNTESE: Newsletter Jurídica, n. 3.004, 22 ago. 2012.

como algo de estável e definitivo, não sujeito à erosão do tempo.

A supremacia de tais valores consta de várias disposições da Carta. E, quanto à pessoa humana, há, no art. 5º, inciso X, a consagração da inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem.

Na doutrina, considera-se a objeção de consciência sob dois aspectos: como derivação evidente do direito de todo ser humano à liberdade de consciência ou simples exceção à norma, exigindo restrição.

Para a primeira corrente, o direito de objeção de consciência traz a imagem de “ilegalidade mais ou menos consentida”. Navarro-Valls declarou o seguinte:

Só numa concepção totalizante do Estado a objeção de consciência pode ser vista com desconfiança, precisamente porque ocupa um lugar central, não lateral, no ordenamento jurídico, pela mesma razão e da mesma forma como é central a pessoa humana.

Os poderes públicos são obrigados a promover uma adaptação razoável aos deveres de consciência dos cidadãos sem prejudicar o interesse público superior. O Tribunal Supremo dos Estados Unidos expressou isto muito bem: “Se existe uma estrela fixa em nossa constelação constitucional, é que nenhuma autoridade, do patamar que seja, pode determinar o que é ortodoxo em política, religião ou em outras matérias opináveis, nem pode forçar os cidadãos a confessar, de palavra ou de fato, a sua fé nelas”.229

Há jurisprudência. O Tribunal Europeu de Direitos Humanos decidiu (em 1982) que, para que se considere uma objeção de consciência, é indispensável que a convicção ou a crença que a motiva proceda “de um sistema de pensamento suficientemente estruturado, coerente e sincero”.230 Na Inglaterra, a Câmara dos Lordes, na sentença do caso Williamson (2005), aduz que uma crença, religiosa ou não, para ser considerada como objeção de consciência válida, tem que ser “coerente com padrões elementares de dignidade humana”, e se referir a “problemas fundamentais” e não a “questões triviais”; precisa de um “certo grau de seriedade e importância”.231

Estas características existem mais facilmente em crenças de fundo religioso, já que implicam um sistema coerente de crenças. Talvez por isso a objeção de consciência caminhou, historicamente, em paralelo com a liberdade religiosa, constituindo uma das suas dimensões mais destacadas. Naturalmente, a liberdade de consciência não se esgota no

229 NAVARRO-VALLS, Rafael. A objeção de consciência e a dignidade da pessoa. Entrevista em 1º mar.

2011. Disponível em: <http://www.zenit.org>. Acesso em: 21 nov. 2012.

230 Ibidem. 231 Ibidem.

âmbito das convicções religiosas. Existem outras de caráter filosófico, deontológico etc., que também alimentam as objeções de consciência.232

Há de se considerar, ainda, a possibilidade de adoção de outros critérios, quanto aos limites de objeção de consciência. Navarro menciona “o nível potencial de perigo social dos comportamentos”.233 Na hipótese de omissão em face da norma (que obriga a fazer ou a deixar de fazer), representa perigo social menor. São indicadas, entre outras ações: não abortar, não integrar júri; não assistir a certas aulas, etc. Todavia, não é o que acontece com as objeções que conduzem a procedimentos comissivos, ou seja, a atitude positiva, ativa (que proíbe a ação ou comportamento).

Há exemplo sempre citado: a decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos da América, no caso Reynolds v. United States, 98 U.S. (8 Otto.) 145 (1878).

Discutiu-se a alegação de não incidência das leis penais, por motivo de consciência, aos adeptos da Igreja Mórmon, que praticavam a poligamia. A Suprema Corte dos Estados Unidos, no caso Reynolds, rejeitou a pretensão deste — que invocou razões de consciência —, no sentido de que as leis penais sobre a poligamia não teriam vigência para os fiéis cuja religião admitisse tal prática. A poligamia, conforme o tribunal, “contradiz a ordem pública ocidental que exige que o casamento seja monogâmico”.234

George Reynolds era membro da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias — The Church of Jesus Christ of Latter-Day Saints (LDS Church) — e foi acusado de bigamia, durante a vigência do Morrill Anti-Bigamy Act. Convolou matrimônio com Amelia Jane Schofield, embora estivesse ainda casado com Mary Ann Tuddenham, no então território de Utah.

Reynolds arguiu, perante a Suprema Corte que a sua convicção, para a bigamia, estava fundamentada em quatro razões: o grand jury não fora legalmente constituído; as impugnações que apresentou contra a atuação de dois jurados foram impropriamente rejeitadas; não foi permitido o depoimento de Amelia Jane Schofield porque esta também fora indiciada e, finalmente (mas importantíssimo), era sua convicção religiosa a da possibilidade de casar-se por muitas vezes, ao mesmo tempo.

Os mórmons, acreditando que a lei era inconstitucional, privando-os da livre prática de sua religião, escolheram ignorar o Morrill Anti-Bigamy Act. Esforços foram realizados,

232 NAVARRO-VALLS, Rafael. Op. cit. 233 Ibidem.

234

ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Supreme Court. Reynolds v. United States. 98 U.S. 145, out. 1878. Disponível em: <http://law2.umkc.edu/faculty/projects/ftrials/conlaw/reynoldsvus.html>. Acesso em: 29 ago. 2012.

nos subsequentes anos da promulgação do referido Ato, contra as leis que não permitiam a bigamia. A Presidência da Igreja concordou em indicar uma pessoa para um test case, que seria levado perante a Suprema Corte, para determinar a constitucionalidade da lei antibigamia. Reynolds, que era secretário no escritório do Presidente da Igreja, concordou em assumir o encargo, na condição de acusado. O advogado providenciou numerosas testemunhas para poderem afirmar que era casado com duas esposas. Foi indiciado pelo crime de bigamia perante o grande júri, em 23 de outubro de 1874. Foi condenado à prisão; ao cumprimento de trabalho pesado e à multa de quinhentos dólares. A Corte do território de Utah manteve a condenação.

Reynolds foi indiciado na Corte Distrital, no Terceiro Judicial District do Território de Utah, sob a seção 5352 dos Revised Statutes, que dispunha:

Toda pessoa que tenha esposo ou esposa viva, que se casar com outra(o), seja esta solteira ou casada, no Território, ou em qualquer outro local sob jurisdição dos Estados Unidos, é culpada de bigamia, e será punida com multa de não mais de quinhentos dólares, e será presa por não mais que cinco anos.235

O fundamento essencial da Suprema Corte, para manter a condenação — já que os demais argumentos que foram mencionados pelo recorrente não apresentam interesse para a finalidade deste estudo — é o da rejeição da tese sustentada pelo acusado, de convicção religiosa ou objeção de consciência. Reynolds alegou que era mórmon e era seu dever religioso, como membro masculino da Igreja, praticar a poligamia, se possível.

A Corte reconheceu que, sob a Primeira Emenda, o Congresso não poderia votar leis que proibissem o livre exercício da religião. Afirmou que, nada obstante, a lei que proíbe a bigamia não estava incluída entre aquelas que limitam o referido exercício. O fato que era admitido (o de um cidadão casar-se com apenas uma pessoa) provinha desde o tempo do Rei James I, da Inglaterra, no Direito consuetudinário. E a Lei dos Estados Unidos baseou-se no Direito bretão.

Nada obstante a Constituição não definir religião, a Corte investigou a história da liberdade religiosa nos Estados Unidos. Nessa ordem, a Corte mencionou carta de Thomas Jefferson, na qual havia distinção entre crença religiosa e ação que resultou da crença

235 “Every person having a husband or wife living, who marries another, whether married or single, in a

Territory, or other place over which the United States have exclusive jurisdiction, is guilty of bigamy, and shall be punished by a fine of not more than $500, and by imprisonment for a term of not more than five years.” (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Op. cit.).

religiosa. Ao antecedente “permanece unicamente entre o homem e o seu Deus” segue que: “o poder legislativo do governo atinge ações, somente, e não opiniões”.

A Corte argumentou que se a poligamia fosse permitida, alguém poderia, eventualmente, também aduzir que o sacrifício humano seria parte necessária de sua religião, e “permitir isso seria fazer acreditar que doutrinas religiosas professadas seriam superiores às leis do país, resultando que cada cidadão pudesse legislar para si”.

A Corte afirmou que o significado e o verdadeiro espírito da Primeira Emenda é o de que o Congresso não poderia legislar contra opinião, mas poderia legislar contra ação.

Navarro-Valls afirma ainda que, em princípio, a objeção de consciência é um direito fundamental que, inclusive, ampara a chamada consciência errônea. O Estado não é competente para avaliar as motivações que movem as consciências dos seus cidadãos.

Mas é evidente que, em muitos casos, o objetor age movido por uma lei natural que está acima da lei positiva. Isso não é uma anomalia. Quando fez meio século do início daquele drama judicial que foram os julgamentos de Nuremberg, discutiu-se e observou-se que, ao se rejeitar a tese da “obediência devida” à lei nacional-socialista e às autoridades quando ordenam atrocidades, o que se potencializou foi a função ética, que, na teoria clássica da justiça, corresponde à consciência pessoal. Nuremberg demonstrou que a cultura jurídica ocidental se fundamenta em valores jurídicos radicais, por cima de decisões de eventuais maiorias ou imposições plebiscitárias.236

A elaboração jurídica de um direito humano é um processo longo e, às vezes, doloroso. Aconteceu com as liberdades de expressão e religiosa, com o direito à não discriminação por questões raciais e, agora, está acontecendo com o direito à objeção de consciência.

Enfim, por mais elevada que seja a sensibilidade que um determinado Direito tenha para com o respeito à liberdade de consciência, é claro que, em alguns casos, não poderão conciliar-se por completo os bens jurídicos em conflito; ou seja, a norma jurídica não poderá ser adaptada, na sua totalidade, às exigências morais de consciência de todos os cidadãos. Nesse tipo de situação, o ideal é evitar respostas simplistas de caráter negativo. O poder político deve fazer um esforço de flexibilização para encontrar as soluções menos lesivas para a consciência do objetor.

No âmbito europeu, a Resolução n. 1.763 (2010) da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa estabelece a clara proibição de coagir ou discriminar pessoas ou

instituições que se recusem, por qualquer razão, a participar ou colaborar num aborto voluntário, eutanásia ou em qualquer ato que cause a morte de um feto ou embrião humano. Ao mesmo tempo, convida os Estados-membros a desenvolverem uma normativa que tutele em sua plenitude a objeção de consciência ao aborto, garantindo aos profissionais de saúde o direito de se absterem em todo tipo de práticas abortivas ou de eutanásia.

A ementa da Resolução estabelece, com clareza impar, a objeção de consciência: “O direito de objeção de consciência na assistência médica oficial, legal”.

1. Nenhuma pessoa, hospital ou instituição poderá ser coagida, responsabilizada ou discriminada, de qualquer forma, pela recusa no atendimento, acomodação, assistência ou submissão ao aborto, procedimento abortivo, eutanásia ou qualquer ato que poderia causar a morte do feto ou embrião, por qualquer razão.

2. A Assembleia Parlamentar enfatiza a necessidade de afirmar o direito à objeção de consciência juntamente com a responsabilidade do Estado, em assegurar, em tempo hábil, que os pacientes tenham acesso à assistência médica oficial. A Assembleia está preocupada com o fato de que a utilização não regulamentada da objeção de consciência pode afetar de modo desproporcional as mulheres, notadamente aquelas de baixa renda ou de áreas rurais.

3. A grande maioria dos membros do Conselho da Europa regulamentou adequadamente o direito à objeção de consciência. A prática da objeção de consciência pelos profissionais da saúde está submetida a enquadramento jurídico e político exaustivo e preciso, garantindo que os interesses e direitos dos usuários individuais dos serviços médicos legais são respeitados, protegidos e satisfeitos.

4. À vista da obrigação dos estados-membros de assegurar o acesso ao atendimento médico oficial, legítimo, e de proteger o direito à saúde, assim como a obrigação de garantir o respeito à liberdade de pensamento, consciência e religião dos profissionais da saúde, a Assembleia convida os estados-membros do Conselho Europeu a desenvolver regras abrangentes e claras que definam e regulamentem a objeção de consciência no sentido da saúde e dos serviços médicos, que contenham: 4.1 garantia do direito de objeção de consciência relativamente à participação no procedimento médico em questão;

4.2. garantia de que os pacientes sejam informados de qualquer objeção de consciência em tempo hábil, e encaminhados a outro profissional da