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2. AGRICULTURA URBANA

2.1 Definição e Conceitos

O termo Agricultura Urbana representa uma contradição de ideias do que vem sendo construído a respeito das típicas atividades das zonas rurais e urbanas. No imaginário coletivo das nossas sociedades contemporâneas a agricultura é uma atividade associada aos ambientes rurais, e as atividades dos setores de serviços e indústria são associadas às zonas urbanas (Pnud, 1996; Mougeot, 2001; Duchemin, 2013). O termo Agricultura Urbana remete, portanto, a uma integração entre as ideias relacionadas a esses dois espaços (Duchemin, 2013).

A definição mais clássica a respeito da AU é aquela que a compreende como um sistema de produção e distribuição de alimentos produzidos nas regiões intra e periurbanas. De acordo com Mougeot (2001):

A AU é uma indústria localizada no interior (intraurbana) ou nas franjas (periurbana) de uma cidade ou metrópole, que cultiva ou cria animais, processa e distribui uma diversidade de produtos alimentícios e não-alimentícios, (re) utilizando uma grande quantidade de recursos humanos e materiais, produtos e serviços encontrados no interior e ao redor daquela área urbana, fornecendo, em contrapartida, recursos materiais e humanos, produtos e serviços de larga escala para aquela área urbana15 (Mougeot, 2001, p. 10,

tradução nossa).

Essa definição tem sido utilizada por diferentes organizações internacionais, governos e pesquisadores, muito embora a FAO e o Pnud utilizem o termo Agricultura Urbana e Periurbana (AUP), e autores como Duchemin (2013) e Opitz (2015) discordem da associação entre AUP como um fenômeno da AU. A defesa pela utilização do termo AU para designar os diferentes tipos de agricultura praticados nas regiões intra e periurbanas justifica-se pelo fato dessas produções estarem próximas da concentração de mercados de consumo e do ecossistema urbano (Mougeot, 2001) e, muitas vezes, enfrentarem vazios institucionais e falta de apoio governamental pelo fato de não se enquadrarem nas dinâmicas da zonagem rural favoráveis à agricultura (Bryld, 2002). Nas palavras de Mougeot (2001): “A principal característica que

15 Tradução livre do trecho original “UA is an industry located within (intraurban) or on the fringe (periurban) of a town, a city or a metropolis, which grows or raises, processes and distributes a diversity of food and non-food products, (re-)using largely human and material resources, products and services found in and around that urban area, and in turn supplying human and material resources, products and services largely to that urban area” (Mougeot, 2001, p. 10).

distingue a AU da agricultura rural é a sua integração com a economia e o sistema ecológico urbano16” (Mougeot, 2001, p. 10, tradução nossa).

Entretanto, Duchemin (2013) e Opitiz (2015) argumentam que as agriculturas praticadas nesses dois ambientes urbanos assumem características distintas, pois, frequentemente, as agriculturas das regiões periurbanas assumem características de produção alimentar comercial e as agriculturas das regiões intraurbanas são mais associadas às hortas comunitárias, que não necessariamente produzem alimentos em larga escala para fins comerciais. Outro argumento defendido por Duchemin (2013) é que a Agricultura Urbana, praticada nas regiões intraurbanas, se constituem muito mais como um movimento social do que como uma ação de produção alimentar. Porém, apesar dessas controvérsias a respeito da integração ou junção dos termos Agricultura Urbana e Periurbana, nessa pesquisa adotaremos a perspectiva de Mougeot (2001) por três motivos principais.

O primeiro é que essa distinção entre os tipos de agricultura praticadas em zonas urbanas e periurbanas podem variar de cidade para cidade. Em algumas cidades há hortas com fins comerciais em regiões intraurbanas e há hortas comunitárias ou sítios produtivos que participam do movimento social da Agricultura Urbana. O segundo motivo é aquele já defendido anteriormente: as agriculturas praticadas em regiões intra e periurbanas estão próximas de contextos culturais, sociais e comerciais dos centros urbanos, o que pode favorecer a proximidade com os mercados ou com os movimentos sociais da AU, assim como pode enfrentar vazios institucionais. O terceiro motivo deve-se ao fato da definição de Mougeot (2001) a respeito da AU incluir produtos alimentícios e alimentícios. O autor refere-se aos produtos não-alimentícios como compartilhamento de saberes, serviços e até mesmo do fortalecimento de vínculos relacionais Mougeot (2001), o que significa que essa definição não se restringe apenas à produção alimentar comercial, mas também aos seus produtos subjetivos, muitas vezes presentes de maneira mais enfática nas hortas comunitárias.

Partindo dessa definição a respeito da Agricultura Urbana, é preciso mencionar que há diferentes definições a respeito dos tipos de AU na literatura. As

16 Tradução livre do trecho original: The lead feature of UA, which distinguishes it from rural agriculture is its integration into the urban economic and ecological system (Mougeot, 2001, p. 10).

definições foram classificadas por diferentes autores de acordo com variáveis distintas, conforme demonstra o quadro abaixo:

Variáveis Principais Tipos de AU Autores Localização regional ✓ Peri-urbana

✓ Intra-urbana Mougeot (2000) Tipo de propriedade ✓ Privado ✓ Semi-público ✓ Público Dubbeling (2004) Objetivo ✓ Subsistência em contexto de crise ou guerra ✓ Comercial ✓ Lazer

✓ Misto (intersecção entre dois tipos anteriores)

Cabannes (2004)

Perfil dos agricultores, tipo de produção e localidade

✓ Agricultores domésticos e produção de subsistência ✓ Agricultores familiares ✓ Empreendedores individuais ✓ Agricultores peri-urbanos com

produção diversificada

Moustier e Danso (2006)

Múltiplas, com base em diferentes tipologias de AU

✓ Micro-fazendas dentro ou ao redor da casa

✓ Hortas comunitárias ✓ Hortas institucionais

✓ Fazenda produtiva de pequena escala

✓ Pecuária de pequena escala ✓ Fazendas de pequena escala de

produções especializadas ✓ Empresas agrícolas de grande

escala

Dubbeling et. al. (2011)

Regionais, contextos locais do Norte Global ✓ Residenciais ✓ Allotment17 ✓ Guerrilla ✓ Coletivas ✓ Institucionais ✓ Sem fins lucrativos ✓ Com fins lucrativos

McClintock (2014)

Regionais, América do Norte e Europa, incluindo contextos de influência francófona, como França, Bélgica e Quebec (Canadá)

✓ Hortas de proximidade (sacada, jardim frontal ou dos fundos) ✓ Hortas familiares ✓ Hortas comunitárias ✓ Hortas coletivas ✓ Hortas compartilhadas ✓ Hortas institucionais ✓ Hortas produtivas/econômicas Duchemin (2013)

Quadro 1 Definições de tipos de AU

Fonte: elaboração própria

Nessa pesquisa, investigaremos o fenômeno da AU de maneira mais ampla na revisão da literatura e na definição da tipologia de ação pública para a AU. Nas unidades de análise selecionadas, compostas pelos municípios de São Paulo, Toronto

17 É um tipo de horta muito comum na América do Norte, onde as pessoas alugam um canteiro para cultivar alimentos em terrenos públicos ou semi-públicos.

e Montreal, serão tratados com maior profundidade os tipos de AU voltados para atividades comunitárias e comerciais, de acordo com as especificidades de cada local. As hortas individuais, escolares e medicinais, realizadas em espaços domésticos, escolas ou em espaços de tratamento de saúde serão mencionadas quando necessário, porém serão menos aprofundadas. Além disso, a criação de pequenos animais nas cidades também terá menor profundidade, embora essa questão seja mencionada de forma tangencial.