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2. AGRICULTURA URBANA

2.5. Os múltiplos impactos da Agricultura Urbana

2.5.1. Dimensões Sociais

O direito à alimentação é reconhecido como direito fundamental mais essencial e primário pelos direitos humanos. A concepção de segurança alimentar vem sendo defendida no nível internacional desde 1948 com a Declaração Universal de Direitos Humanos. A segurança alimentar está relacionada à facilidade de acesso a

alimentos de qualidade e baixo preço, especialmente para aqueles que encontram-se em situações de vulnerabilidade social.

De acordo com a definição da FAO (1996) “segurança alimentar existe quando todas as pessoas, sempre têm acesso físico e econômico suficiente à alimentos nutritivos e seguros de acordo com suas necessidades e preferencias para uma vida ativa e saudável19 (FAO, 1996, tradução nossa). A segurança alimentar está fortemente relacionada às condições de acesso aos alimentos e nos centros urbanos esse acesso é proporcionado através de instrumentos monetários. A grande diferença da população de baixa renda das zonas rural e urbana, é que aquelas que residem no campo tem maior probabilidade de cultivar seus próprios alimentos, enquanto a população urbana é totalmente dependente de recursos monetários para garantir o acesso aos alimentos.

De acordo com Klemesu (2000), o que determinará o acesso aos alimentos para as populações urbanas são: (i) políticas macroeconômicas; (ii) emprego e geração de renda; (iii) preços e mercado dos alimentos; (iv) Agricultura Urbana. Nos períodos de crise econômica e guerra o preço dos alimentos é o que mais sofre inflação em comparação com o custo geral de vida. Portanto, a política macroeconômica pode determinar o acesso aos alimentos e a segurança alimentar. O contexto da macroeconomia pode influenciar o desemprego, o crescimento do êxodo rural, o preço das terras, e, consequentemente o preço dos alimentos e as condições financeiras de acesso aos mesmos pela população (Klemesu; 2000). Dessa forma, os três primeiros determinantes do acesso aos alimentos possui uma grande dependência da política econômica e das políticas sociais. Mas, a Agricultura Urbana pode proporcionar o acesso aos alimentos de forma mais independente aos contextos políticos e econômicos externos.

A relação entre economia, acesso monetário, preço e aquisição de alimentos é muito mais acentuada para famílias de baixa renda podem gastar de 60 a 80% de sua renda com a aquisição de alimentos (Klemesu, 2000). Ademais, grande parte dessas famílias trabalham no mercado informal, com rendimentos irregulares e precariedade nas condições de trabalho. Por isso, é muito importante que além do investimento em

19 Tradução livre do trecho original: “Food security exists when all people, at all times, have physical and economic access to sufficient, safe and nutritious food that meets their dietary needs and food preferences for an active and healthy life” (FAO, 1996).

políticas de geração de renda e emprego, haja investimento em sistemas locais de alimentação que integrem produção e consumo de alimentos, para que esse setor também possa gerar emprego e renda, baratear o custo da produção de alimentos e proporcionar acessos mais diretos aos alimentos (Dobyns, 2004).

Atualmente, o mercado de alimentos opera com longas distâncias entre os locais de produção de alimentos e a venda. Esse deslocamento gera custos adicionais e alta emissão de CO2. Devido ao aumento dos custos da alimentação, a população de baixa renda tem dificuldades em adquirir alimentos de melhor qualidade e fica dependente de alimentos prontos, rápidos, altamente processados e industrializados, especialmente nas grandes cidades (Cohen & Garet, 2010; Klemesu, 2000; FAO, 2015). Por isso, a obesidade também vem aumentando entre as pessoas mais pobres, especialmente em países emergentes e no Norte Global. Segundo a FAO (2013) 1,4 bilhões de pessoas estão com sobrepeso, entre as quais 500 milhões estão obesas.

Diante desse contexto, a Agricultura Urbana vem sendo uma alternativa bastante significativa para a segurança alimentar, pois além de ser uma atividade de produção de alimentos menos dependente do mercado de preços dos alimentos e das condições macroeconômicas, o que pode aprimorar o acesso aos alimentos, ela pode proporcionar mais consciência a respeito da qualidade dos alimentos a serem ingeridos, além de maior liberdade de escolha alimentar de acordo com as preferências culturais e religiosas de cada um (Dobyns, 2004).

Estudos realizados em Zimbabwe, Kenya, Uganda e Haiti indicaram que há menor índice de insegurança alimentar entre as pessoas que praticam agricultura urbana (Mougeot, 2000). A pesquisa realizou uma comparação entre pessoas que praticam agricultura urbana e pessoas que não praticam, e foi identificado que as primeiras consomem maior quantidade de alimentos saudáveis, seus filhos têm alimentação mais equilibrada e elas ainda conseguem fazer uma reserva para comprar alimentos que não poderia adquirir antes, pois há um dispêndio menor em gastos com alimentação (Mougeot, 2000).

Educação e Saúde

As populações das cidades tornaram-se muito distantes dos processos naturais do cultivo de plantas, do ciclo de vida da matéria orgânica, e dos cuidados em geral com a natureza. O resultado é que as culturas urbanas estão marcadas pelos hábitos do desperdício20, pois houve um distanciamento dos ciclos naturais. Portanto, há desperdício de alimentos, água, energia, demasiado uso de embalagens e produção de lixo. Ademais, há pouca preocupação com a qualidade dos alimentos, e muitas pessoas se alimentam de fast food e alimentos altamente processados. O resultado, é que muitos estão sofrendo de obesidade e insegurança alimentar.

A Agricultura Urbana pode proporcionar o contato com o ciclo de vida dos alimentos, e as pessoas podem perceber como é o crescimento das plantas e o funcionamento dos agro-ecossistemas (Krasny & Tidball, 2009). Através das hortas comunitárias e das hortas domésticas, esse contato pode ser realizado pela população em geral, que não necessariamente são agricultores profissionais. Nesse engajamento, também há um processo de educação e aprendizagem a respeito do cultivo e cuidado dos plantios, além do conhecimento de uma diversidade maior de plantas e alimentos, suas funções e propriedades (Wegmuller e Duchemin, 2010; Krasny & Tidball, 2009).

Esse processo de aprendizagem pode ocorrer através da troca de saberes, experimentação e participação de oficinas educativas. Turner (2011) identifica que a experiência com horticultura urbana produz processos de incorporação de vivências atribuídas de sentidos relacionados à saúde, contato com a natureza e pertencimento comunitário. Esse processo de incorporação de práticas e sentidos resulta em sentimentos de maior pertencimento e integração com os ciclos da natureza. Ademais, a incorporação desses processos também resulta em um fortalecimento da preocupação a respeito dos efeitos da ingestão de alimentos naturais no próprio corpo (Turner, 2011).

Essas experimentações e aprendizagens também produzem efeitos na saúde dos participantes, pois escolhas por uma alimentação mais diversificada e de maior quantidade de alimentos in natura pode reduzir os índices de doença (Ribeiro et.al. 2015). Estudos demonstraram que a prática de horticultura causa impactos na saúde física e mental das pessoas. Na saúde física, pois as pessoas que participam de hortas

20 O relatório Food Wastage Footprint da FAO (2013) indica que um terço dos alimentos produzidos no mundo são desperdiçados.

ou de outros tipos de práticas de AU tendem a transformar a sua alimentação realizando opções para uma alimentação saudável e mais diversificada (Ribeiro et.al. 2015, Wakefield et.al.2007; Zeza e Tasciotti, 2010), além de praticar mais exercícios físicos (Wakefield et.al.2007). Esse conjunto de práticas pode contribuir para a saúde preventiva, assim como demonstra um estudo realizado por pesquisadores da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo ao identificar que pessoas que participam de atividades de horticultura urbana obtiveram quedas na incidência de doenças (Ribeiro et.al. 2015).

A prática de AU também influencia na saúde mental e psicológica, pois há uma grande incidência de depoimentos de pessoas que relataram apresentar melhora em quadros de depressão ao participar de hortas comunitárias (Ribeiro et.al. 2015; Armostrang, 2000), tanto por conta da prática de agricultura como por conta da maior socialização com os participantes de hortas comunitárias (Ribeiro et.al. 2015). Essas constatações foram construídas com base em estudos de caso (Ribeiro et.al. 2015, Wakefield et.al.2007) e surveys (Armostrang, 2000; Zeza e Tasciotti, 2010).

Fortalecimento Comunitário e Lazer

Diferentes pesquisas identificaram que as hortas comunitárias tem o potencial de fortalecer os laços e as interações sociais entre as pessoas envolvidas na prática de agricultura (Wegmuller e Duchemin, 2010; Kurtz, 2013; Holland, 2004) além de aprimorar o senso de pertencimento comunitário e maior colaboração comunitária para questões coletivas (Armstrong, 2000). Um survey aplicado em 60 hortas comunitárias na cidade de Nova Iorque identificou que em 33% das hortas, as pessoas se envolveram em outros compromissos comunitários por meio de seus engajamentos nas hortas comunitárias. E esse envolvimento é quatro vezes maior em regiões de baixa renda, onde há maior presença de afrodescendentes (Armstrong, 2000).

A associação da prática de horticultura urbana e lazer também é bastante presente nas práticas de AU, especialmente naquelas onde os objetivos dessa atividade não estão necessariamente relacionados à geração de renda (Wegmuller e Duchemin, 2010; Holland, 2004). Esse contexto é muito mais marcante em países da América do Norte e da Europa, embora também esteja presente com menor representatividade em países da América Latina.

Empoderamento das Mulheres

Muitos estudos mostram que a participação das mulheres na agricultura urbana é maior do que a dos homens em países da África e da América Latina (Havorka, Ngenga, et.al. 2009, Mougeot, 2000; Nugent, 2000). Em alguns países, especialmente no Sul Global, fortalecer as condições para a Agricultura Urbana e as possibilidades de geração de renda pode impactar, portanto, o fortalecimento da autonomia e o poder das mulheres. A Fundação RUAF publicou um livro específico sobre a gênero e agricultura urbana, cujo título é “Women Feeding Cities: mainstreaming gender in urban agriculture and food segurity” (Havorka, Ngenga, et.al. 2009). Nesse livro são abordados a atuação das mulheres em diversos países como Ghana, Uganda, Senegal, Kenya, India, Perú, Argentina, México, Zimbabwe, e Filipinas.