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Estruturas institucionais e de serviços para AU

2. AGRICULTURA URBANA

2.7 Estruturas institucionais e de serviços para AU

O apoio à Agricultura Urbana não envolve apenas a ação dos governos locais, mas a ação de múltiplos stakeholders (de Zeeuw et. al., 2000), pois essa prática requer muitos serviços e apoios, conforme será mais detalhado adiante. Além disso, a AU não se enquadra em setores tradicionais de políticas públicas setoriais e requer uma articulação trans e inter-setorial (Bryld, 2003). Para que seja possível compreender os serviços necessários para a AU serão apresentados alguns estudos que estruturaram as necessidades de articulação institucional e regulamentar para essa atividade.

A partir da realização de diferentes estudos de caso no campo da AU, os autores Bryld (2003) e de Zeeuw et. al. (2000) identificaram que o primeiro passo

para a institucionalização e formação de estruturas de apoio para a AU é a legalização dessa atividade, pois há cidades que consideram ilegal a realização de agricultura em ambientes urbanos (Mbayer & Moustier, 2000; Halloran & Magid, 2013). Ainda assim, embora algumas cidades tenham regulamentações que instituam a AU como atividade legal, o suporte institucional para essa atividade é muito incipiente e a falta desse apoio pode prejudicar os impactos positivos da AU. De acordo com Bryld (2012) quando não há apoio e gestão de riscos para a AU, essa atividade pode provocar doenças como tuberculose, câncer e disenteria, quando praticada em solos contaminados ou quando utiliza-se água e composto contaminados.

Por isso, é necessário criar um aparato institucional de modo que a AU seja incluída nas políticas urbanas de alimentação e outras políticas públicas por meio da participação democrática, além de construir uma articulação entre múltiplos

stakeholders. “ A criação de um bom quadro de governança e políticas públicas não

pode ser iniciado, entretanto, ao menos que a Agricultura Urbana seja legalizada (Bryld, 2012 p. 84, tradução nossa)24. Assim que a AU torna-se uma atividade legal e regulamentada é importante que haja uma estrutura de governança que seja estabelecida entre múltiplos setores com base na articulação de diferentes políticas públicas (de Zeeuw et al. 2000).

De acordo com de Zeeuw et al. (2000) é fundamental produzir “uma análise cuidadosa sobre o contexto específico antes de desenhar e defender/reivindicar medidas de políticas públicas para a agricultura urbana” (de Zeeuw et al. 2000, p.64, tradução nossa)25. As dinâmicas da AU podem variar muito de local para local e, por essa razão, é muito importante analisar as especificidades locais da AU para que as intervenções de políticas públicas sejam mais adequadas ao contexto local. A partir desse diagnóstico, os autores propõem que as intervenções sejam realizadas em três principais áreas: “políticas públicas de uso e ocupação do solo; políticas públicas de segurança alimentar e saúde; e políticas públicas ambientais26 (de Zeeuw, et. al., 2000, p. 165, tradução nossa).

24 Tradução livre do trecho original: “Creating this good governance policy framework, however, can not be initiated unless urban agriculture is legalized (Bryld, 2012, p. 84).

25 Tradução livre do trecho original: “First, it’s crucial to produce a “careful analysis of the specific context before designing and advocating policy measures for urban agriculture” (de Zeeuw, et. al. 2000, p. 164).

26 Tradução livre do trecho original: “urban land use policy; urban food security and health policy; and environmental policy” (de Zeeuw, et. al. 2000, p. 165).

É muito comum que os assuntos e regulamentações relacionadas ao acesso e uso da terra para atividades de AU estejam fragmentadas em diversas regulamentações. Mas, alguns autores defendem que é necessário incluir a AU nas Leis de Zoneamento e no Plano de Desenvolvimento Urbano das cidades (de Zeeuw et. al. 2000; Wooten e Ackerman, 2011) e modificar as legislações existentes de uso e ocupação do solo impedem a viabilidade de atividades de AU (Brown e Jameton, 2000; McClintock et.al 2012). Para que a AU seja uma atividade integrada às dinâmicas da cidade ela também deve ser promovida em terras públicas e privadas para uso temporário com base na gestão participativa desses espaços (de Zeeuw et. al., 2000; Reynolds 2008; ).

As políticas de uso e ocupação do solo também devem prever a inclusão dos dados relacionados a essa atividade nas estatísticas oficiais, conforme argumentam Zeeuw et. al. “O reconhecimento da agricultura como uma forma legítima de uso do solo urbano poderia ser medida através de indicadores, como a inclusão das atividades de agricultura urbana em estatísticas oficiais, em surveys de uso de terras urbanas e nas bases de dados sobre uso do solo na cidade27” (de Zeeuw, et. al. 2000, p. 166, tradução nossa).

Embora a AU tenha o potencial de inferir em múltiplas dimensões para além da produção de alimentos, diferentes pesquisas demonstraram que a AU contribui para a segurança alimentar e a saúde preventiva da população urbana (Smit et al. 1996; Klemesu, 2000; Mougeot, 2015). Tendo em vista a importância da AU para o sistema urbano de alimentação, de Zeeuw et.al. (2000) propõem que os principais serviços para AU sejam integrados nas políticas de saúde e de segurança alimentar. Os autores defendem que a Política Urbana de Segurança Alimentar deve incluir serviços como assistência técnica e treinamentos, serviços de crédito; assistência para articulação entre produtores e mercados locais de alimentação; promoção de pequenas empresas de Agricultura Urbana, promoção de cursos de formação e educação para AU; gestão de riscos relacionados ao solo, água e ar.

Finalmente, de Zeeuw et.al. (2000) argumentam que a AU deve ser incluída em políticas públicas ambientais para promover métodos de agricultura ecológica e

27 Recognition of agriculture as a legitimate form of urban land use could be measured by indicators, such as the inclusion of urban agriculture activities in official statistics, in urban land use surveys and in the city land use data base (de Zeeuw, et. al. 2000, p. 166).

orgânica, além de promover a articulação da agricultura com sistemas ecológicos de captação de água de chuva e reaproveitamento de águas cinzas, compostagem. Assim, os autores defendem que as políticas de AU devem se estruturar em três áreas principais: Políticas Públicas de Terras e Uso do Solo; Políticas Públicas de Saúde e Segurança Alimentar; Políticas Públicas Ambientais. O quadro abaixo ilustra os principais serviços necessários para a AU nessas três principais áreas mencionadas.

Políticas de Terras, Uso e Ocupação do Solo Políticas de Saúde e Segurança Alimentar Políticas Ambientais Remoção de restrições legais que impedem AU

Acesso à assistência técnica, pesquisas agrícolas e treinamentos Promoção da compostagem e reuso de água integradas às práticas de AU Integração da AU no Plano de Desenvolvimento Urbano Serviços de crédito Promoção de métodos ecológicos de agricultura Destinação de terras públicas e privadas para AU Assistência para articulação entre produtores e mercados locais de alimentação Promoção de cursos de formação e educação para AU Gestão de riscos relacionados ao solo, água e ar

Quadro 2 Estrutura de serviços e políticas públicas para AU

Fonte: elaboração própria com base nas propostas de Zeeuw et.al. 2000

É importante ressaltar que essa divisão é realizada para que seja possível compreender que a AU é uma atividade que requer diferentes tipos de serviços e requer um tratamento inter-setorial. Porém, o enquadramento desses serviços nos setores do governo local pode variar de cidade para cidade. Em São Paulo, por exemplo, os serviços de AU já foram incluídos no setor de políticas públicas ambientais, posteriormente no setor das políticas locais das Subprefeituras e, atualmente, os principais serviços de AU encontram-se na Coordenadoria de

Segurança Alimentar e Nutricional, que faz parte da Secretaria do Trabalho, Desenvolvimento e Empreendedorismo.

Em Rosário, na Argentina, o Programa de Agricultura Urbana foi incluído na Secretaria de Promoção Social (de Zeeuw & Dubbeling, 2009). Em outras cidades como Nairobi (Kenya), Accra (Gana) e Villa Maria do Triunfo, Lima (Peru), há um departamento específico para agricultura (de Zeeuw & Dubbeling, 2009). Na Cidade do Cabo (África do Sul) e em Bulawayo (Zimbabwe) foi criado um Comitê Inter-Setorial para Agricultura Urbana, Produção e Consumo (de Zeeuw & Dubbeling, 2009). Além disso, muitos serviços são oferecidos por ONGs nessas cidades e em algumas delas como Nova Iorque e Montreal, essas organizações são as principais protagonistas dos serviços para AU.

2.7.1 O enfoque da ação pública: uma proposta de ampliação das perspectivas de políticas públicas para AU

Como a AU é uma atividade que envolve múltiplos setores e está relacionada às dinâmicas locais de interação social e institucional, essa atividade pode ser gerida e institucionalizada de diferentes formas. Além disso, diferentes tipos de organizações da sociedade civil também participam da dinâmica de ação política e de oferecimento de serviços. Contudo, embora haja diferenças na forma em que a gestão dos serviços públicos esteja organizada, há uma semelhança em relação aos serviços necessários a essa atividade. Por isso, as propostas de organização desses serviços em três principais áreas, conforme a proposição de De Zeeuw (2000) é importante para compreender o panorama dos serviços básicos necessários para essa área. Ainda assim, as propostas de políticas públicas para AU sugeridas por De Zeeuw (2000) serão adaptadas para a perspectiva da Sociologia da Ação Pública, conforme foi apresentado na seção teórica. A principal razão dessa escolha deve-se ao fato de muitos desses serviços serem oferecidos não apenas por políticas públicas, mas também por ações de ONGs, cooperativas, universidades e empresas públicas ou privadas.

Tendo em vista essa perspectiva, a construção da tipologia de modelos de ação pública para a AU terá como base tanto as estruturas institucionais do Estado que

permitem ou restringem as ações de AU, como as estruturas dos serviços básicos para esse setor, que podem ser oferecidos por diferentes organizações (públicas, privadas e não-governamentais).