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2. AGRICULTURA URBANA

2.5. Os múltiplos impactos da Agricultura Urbana

2.5.3 Dimensões Ambientais

A configuração da habitação da humanidade no planeta Terra está sendo marcada por um modo de vida majoritariamente urbano. Em um século a população urbana saltou de 15% para 53% (ONU, 2014). O modo de vida urbano tem transformado completamente a relação entre os seres humanos e os ecossistemas. Os hábitos urbanos são os principais responsáveis pela drenagem dos recursos naturais e má gestão dos resíduos sólidos produzidos nas cidades causam graves problemas ambientais. Com isso, a sustentabilidade do planeta depende, portanto, da sustentabilidade das cidades (Deelstra & Girardet, 2000).

De acordo com Deelstra e Girardet (2000), a agricultura urbana pode ser benéfica para o meio ambiente. Ela pode contribuir para o aprimoramento do microclima, gestão da água, biodiversidade, conservação do solo, redução do desperdício, e conscientização das pessoas. Os autores Deelstra e Girardet (2000) explicam a relação entre a AU e os efeitos ambientais positivos, conforme é descrito abaixo.

Desperdício e reciclagem

As pessoas que vivem nas cidades se afastaram do ciclo dos alimentos, feito pela plantação, colheita, culinária e compostagem das sobras de alimento, que por sua vez, nutrem o solo para plantios cada vez mais ricos e saudáveis. Com isso, grande parte dos habitantes urbanos não sabem mais como surgem os alimentos e para onde vai todo o lixo produzido. Um dos resultados disso, é o desperdício de alimentos, que chega a ser 30% do total de alimentos produzidos (FAO, 2013), conforme já foi mencionado. Grande parte do lixo produzido vai para as águas doces e salgadas.

Com isso, as águas estão poluídas, pois além do descarte do lixo nos córregos, há falta de tratamento do esgoto. Ademais, cerca de 90% dos agrotóxicos, utilizados para produzir alimentos para as cidades, vai para rios e lençóis freáticos (Prizendt, 2014). Deelstra e Girardet (2000) mencionam que o sistema de funcionamento urbano vai de encontro ao ecossistema, onde cada saída ou produção de matéria de um organismo é a entrada para outro. No nosso sistema houve uma multiplicação exacerbada de saídas e as entradas não estão sendo suficientes para manter o ciclo do ecossistema. Em suas palavras:

O sistema linear metabólico de muitas cidades contemporâneas são insustentáveis. Ele é profundamente diferente do metabolismo da própria natureza do ecossistema, que poderia ser vinculado a um grande círculo: cada saída de um organismo é também a entrada, que renova e sustenta o ambiente de vida como um todo. (...) Produções/saídas urbanas vão precisar ser observadas como entradas cruciais no sistema de produção urbana, adotando uma rotina de reciclagem e compostagem de materiais orgânicos para o uso na agricultura22 (Deelstra & Girardet, 2000, p. 51, tradução nossa).

22 No original: “The linear metabolic system of most contemporary cities is unsustainable. It is profoundly different from the metabolism of nature’s own ecosystems, which could be linked to a large circle: every output by an organism is also an input, which renews and sustains the whole living environment. Urban planners and educators should make a point of studying the ecology of natural

O estudo de Deelstra e Girardet (2000) propõe, portanto, que a agricultura urbana seja planejada de forma integrada aos sistemas de compostagem e reciclagem das cidades. Assim, o matéria orgânica pode ser transformada em adubo para a AUP, e os materiais a serem reciclados também podem ser úteis para sistemas de gotejamento, para servir de vasos para produção, etc.

Preservação da água e combate às secas e às inundações

O investimento em áreas verdes e na agricultura urbana também podem contribuir para a diminuição de tempestades, inundações e seca, pois essas áreas irão proporcionar maior absorção de água (Deelstra & Girardet, 2000). Além disso, a reutilização das águas podem ser usadas para regar as hortas e há inúmeras técnicas de captação de água de chuva que podem ser mais exploradas nas cidades.

A seca nas cidades tem acontecido por diversas razões, sendo que as principais causas ambientais da falta de água são o desmatamento das florestas, as monoculturas e os pastos para gado (Guimarães, 2014; Prizendt, 2014). Mas, o excesso de asfalto e concreto também contribuem para essa situação, pois com a falta de terra e plantas, a água das chuvas não é permeabilizada pelos solos. O município de São Paulo, por exemplo, foi historicamente conhecido como “terra da garoa”. Porém, há alguns anos, a cidade vive simultaneamente situações de seca e de grandes tempestades. Entre muitos outros motivos, o excesso de asfalto, a destruição das nascentes de água decorrentes das construções e a falta de áreas verdes dentro da cidade são alguns dos fatores que contribuíram para a atual situação de seca.

systems. On a predominantly urban planet, cities need to adopt circular metabolic systems to assure their own sustainability and the long-term viability of the environments on which they depend. Urban

outputs will need to be regarded as crucial inputs into urban production systems, with routine recycling

and composting of organic materials for re-use on local farmland. Very up-to-date methods for recycling urban wastes into nutrients for urban and urban-fringe farming and gardening are now available to us” (Deelstra & Girardet, 2000, p. 51).

Aquecimento global, microclima e poluição

A agricultura urbana ou espaços verdes em cidades podem contribuir para o equilíbrio do clima, pois há impactos no aumento da humidade, redução de temperatura, captura de gases e poeira, emissão de O2, quebra de vento e proteção contra a radiação solar. No Cairo, por exemplo, a poluição do ar foi reduzida drasticamente com a agricultura urbana e plantação de árvores. Já em Sofia, a agricultura urbana obteve grande melhora para o microclima.

Consequentemente, a Agricultura Urbana também pode contribuir para a redução do aquecimento global e da poluição de diversas maneiras. Primeiramente, caso os alimentos de consumo sejam produzidos no próprio local, há uma redução do transporte de alimentos, que produz CO2 e tantas outras substâncias que poluem o ar. Em segundo lugar, as plantas podem reduzir a quantidade de CO2 no ar, pois elas captam CO2 e devolvem O2 ao ambiente. Além disso, quando as plantas estão em fase de crescimento elas capturam mais CO2. A agricultura urbana, portanto, está constantemente captando CO2, pois os alimentos estão constantemente na primeira fase de crescimento e podem capturar mais CO2 do que uma floresta tropical (Deelstra & Girardet, 2000: p.54).

Conservação do solo

A plantação de alimentos e árvores favorece a qualidade do solo e a produção de composto através de alimentos orgânicos também contribui para a fertilidade e qualidade do solo. Nas cidades de Accra (Ghana), e Dakar (Senegal), o fortalecimento da Agricultura Urbana proporcionou a estabilização do solo contra a erosão hídrica e eólica.

Exemplos de práticas de inovação em sustentabilidade

Diferentes cidades têm articulado práticas de AU com outras atividades ambientais como a transformação do lixo orgânico em adubo e o reaproveitamento de águas cinzas23. Em Santiago de los Caballeros, na República Dominicana, o IDRC, juntamente com o governo local e o Centro de Estudos Urbanos e Regionais (CEUR)

23 Água cinza é aquela proveniente do uso domestico para lavar louças, roupas ou tomar banho. Essa água é considerada própria para ser reutilizada na agricultura.

implementou um projeto de agricultura urbana e resíduos sólidos, transformando esses resíduos em matéria orgânica para as hortas.

Inicialmente, foi criado um Sistema de Informação Geográfica (GIS), um mapa que identificava os locais de agricultura urbana, locais ociosos e depósitos de lixo irregulares. O município tinha capacidade para recolher apenas um terço do lixo produzido. Através do mapeamento, o município lançou o Programa de Agricultura Urbana para promoção da reciclagem do lixo orgânico e redução da pobreza que passou a articular a gestão dos resíduos sólidos e a agricultura urbana (Mougeot, 2006).

Na Jordânia, calcula-se que cada pessoa tenha acesso a 200 metros cúbicos de água por ano, sendo que é estimado que pessoas que tenham acesso a menos de 100 metros cúbicos de água por ano estão vulneráveis à extrema pobreza e sofrem de problemas de saúde. Diante desse contexto, na cidade de Amman, pesquisadores desenvolveram um sistema de reaproveitamento de água das casas redirecionando as águas das cozinhas e dos banheiros para um dreno. Uma média de 15% dessa água tem sido utilizada para regar as hortas e o uso dessa água pra a agricultura representou o aumento de 10 a 40% da renda das pessoas. Com isso, o Ministro do Planejamento construiu mais 700 sistemas no resto do país e a tecnologia também se tornou um negócio local (Mougeot, 2006).