• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 1: INTRODUÇÃO 1.1 JUSTIFICATIVA E RELEVÂNCIA DO ESTUDO PROPOSTO

1.2. DELIMITAÇÃO DA PESQUISA

Inicialmente, pensou-se adotar como estudo de caso a cidade de Belém, capital do Estado do Pará, para realizar as investigações acerca das calçadas de estivas, visto que na cidade existem vários bairros com este tipo de circulação.

Belém é margeada pelo Rio Guamá e pela Baia do Guajará a uma altitude média de aproximadamente 10 m acima do nível do mar. Portanto, a presença de igarapés, várzeas e terra firme são identidades da região. Esta condição refletiu-se no processo da ocupação urbana da cidade onde, de forma espontânea, os primeiros assentamentos formaram-se às margens dos rios. De acordo com Lima (2007) com o passar dos anos, e com o crescimento da cidade, as áreas de terra firme foram sendo ocupadas pela população de maior renda, e a população pobre foi ocupando as áreas alagadas permanentemente e/ ou sujeitas a

4

inundações periódicas, chamadas de baixadas, onde a circulação é realizada por meio de estivas.

No entanto, alguns critérios foram relevantes para que o estudo fosse direcionado a outras situações existentes no estado do Pará. Dentre eles considerou-se que, em Belém, a maioria dos bairros que possuem ocupações tipo palafita são considerados informais, cujos assentamentos apresentam grande precariedade urbanística e ambiental. Diante desta situação, as intervenções públicas para estes bairros, muitas vezes, detêm-se do processo de desapropriação destas áreas, e as ações resumem-se na retirada da população para outros bairros e/ou no recebimento de indenizações pelos terrenos. Muitas vezes, as indenizações são de valores muito baixos, o que inviabiliza a compra de outro imóvel pelos moradores em áreas com condições urbanas apropriadas, o que provoca seu deslocamento para outras áreas de assentamentos informais.

Quando as ações públicas destinam-se à construção de novas moradias, a postura comum é de eliminar as casas em palafitas, aterrar o local e inserir um padrão mais “adequado” à cidade moderna, com a construção de casas de alvenaria e calçadas de concreto que destoam das habitações tradicionais ribeirinhas. Um exemplo deste tipo de intervenção, é o caso do projeto da Vila da Barca (Figura 3) no bairro do Telégrafo, construído em 2007 por meio do programa chamado Palafita Zero do Governo Federal.

Figura 3- Fotos que mostram a contradição: de um lado as casas de palafitas e do outro o projeto da Vila da Barca com casas de alvenaria

Fonte: Própria autora, 2010; RODRIGUES, 2011; PREFEITURA DE BELÉM, 2013.

5

Certamente o projeto trouxe grandes melhorias à população daquela área, mas vale ressaltar também que este planejamento urbano está pautado em um modelo importado, e muitas vezes, não adaptado à realidade local. De acordo com Maricato (2000, p.123) “a importação dos padrões do chamado ‘primeiro mundo’, aplicados a uma parte da cidade (ou da sociedade) contribuiu para que a cidade brasileira fosse marcada pela modernização incompleta ou excludente”.

Em função desses fatos, colocam-se alguns questionamentos: Para planejar uma cidade com moradias e uma infraestrutura urbana apropriada às áreas ribeirinhas, a única solução é o aterramento dos terrenos? Esta solução foi possível para Belém, mas é uma solução para ser replicadas nas cidades e comunidades ribeirinhas erguidas sobre rios, várzeas e manguezais? Será que a acessibilidade, só pode ser resolvida a partir de uma concepção de cidade formal, com calçadas construídas em concreto para atender os requisitos previstos na norma da NBR 9050/2004? Deve-se ainda questionar a validade destas soluções quanto à manutenção da arquitetura vernacular da região e da preservação do meio ambiente natural das áreas ribeirinhas.

Sobre estes últimos aspectos, Geissler et al (2007) explicam que, ocupar, impermeabilizar e adensar o solo, aterrar, extrair água de aquíferos subdunares e de lagoas isento de manejo adequado reverte em impactos negativos a médio e longo prazo para o meio construído. Para estes autores, tipologias como a palafita, consistem em tipo pertinente, uma vez que aliada à devida requalificação do suporte expressa uma edificação que reduz a vulnerabilidade a inundações (GEISSLER et al., 2007).

Já do ponto de vista da diversidade cultural, Pereira, Silva e Bairros (2011) afirmam que a remoção das palafitas sem uma estratégia de preservação de sua memória representa uma perda na heterogeneidade da cultura, pois juntamente com os problemas ambientais, sociais e sanitários está se retirando da cidade um capítulo da cultura amazônica.

Considerando todas essas questões as investigações acerca das calçadas de estivas foram direcionadas a duas localidades paraenses, ou melhor, dois estudos de casos que apresentam suas construções em palafitas como sendo parte intrínseca da sua configuração urbana: a primeira é a Ilha do Combu, vinculada à Região Metropolitana de Belém; e a segunda é a Cidade de Afuá, localizada no arquipélago do Marajó.

6

Estas localidades, estão situadas em duas ilhas e assistidas sob leis de Área de Proteção Ambiental (APA). De acordo com esta legislação, intervenções urbanísticas como as que ocorreram em Belém, são consideradas inviáveis e intoleráveis, pois as mesmas modificariam drasticamente as condições físicas ambientais e culturais de suas regiões. Esta situação legal confere maior consistência à pesquisa, uma vez que os problemas de acessibilidade espacial nas calçadas ribeirinhas ganham maior visibilidade por representarem uma situação real e complexa que deve ser discutida e resolvida em âmbito nacional.

A escolha destas duas ilhas justifica-se também pelas suas características urbanas distintas, bem como na forma de ocupação e morfologia urbana que as particularizam. Ademais, inclui-se o papel das administrações públicas que influenciam diretamente na qualidade de vida da população, principalmente nos espaços públicos destas localidades. Dessa forma, a busca de soluções para situações diversas é então proposital, pois permite refletir se os parâmetros normativos de acessibilidade para as calçadas de estivas devem ter o mesmo tratamento ou devem ser específicos às situações particulares de cada estudo de caso.

Diante de todas estas situações é que, por meio desses dois estudos de casos almeja-se compreender como poderiam ser atingidas condições de acessibilidade espacial que englobassem o maior número possível de usuários para as calçadas de estivas, visto que estas construções palafitadas, configuram-se essenciais à região de forma conveniente ao seu panorama paisagístico- ambiental2.

Assim, a questão central da pesquisa é: Quais os parâmetros projetuais específicos para a região Amazônica são necessários para gerar melhorias nas circulações peatonais em estivas, considerando a necessidade de ampliar o conhecimento já existente sobre acessibilidade e complementar à Norma NBR 9050/2004? Daqui em diante, esta pergunta, assim como outras mais específicas, irá nortear este trabalho para se alcançar soluções possíveis de acessibilidade espacial e de Desenho Universal adaptado à realidade amazônica.

1.3. OBJETIVOS

2

É importante ressaltar que este trabalho, não pretende desenvolver estudo mais aprofundado com um viés antropológico ou histórico sobre a arquitetura vernacular de estivas, e sim contribuir para a construção de conhecimento técnico sobre acessibilidade espacial numa situação singular.

7

1.3.1. Objetivo geral

O objetivo geral deste estudo é elaborar parâmetros projetuais específicos para garantir a acessibilidade espacial nas calçadas de estivas numa perspectiva do Desenho Universal e contribuir para a complementação das normas brasileiras de acessibilidade.

1.3.2. Objetivos específicos

Para atingir este objetivo geral, a pesquisa deve alcançar os seguintes objetivos específicos:

a. Avaliar as condições de acessibilidade das calçadas de estivas na Ilha do Combu e na Cidade de Afuá;

b. Analisar estudos sobre soluções técnicas e normativas já existentes no Brasil e em outros países para a acessibilidade de calçadas de estivas;

c. A partir de estudos de caso verificar técnicas tradicionais que possam ser aplicadas para complementar os requisitos de acessibilidade previstos na legislação e em normas técnicas já existentes;