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DELIMITAÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA, OBJETIVOS E

CAPÍTULO II A AUTORIDADE SEGUNDO OS ADOLESCENTES

2.1 DELIMITAÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA, OBJETIVOS E

Considerando que a autoridade se constitui como um elemento essencial e indispensável na formação do indivíduo, tal como sugerem os autores da teoria critica, delimitou-se como tema de pesquisa as relações de autoridade exercidas pelos adultos sobre os adolescentes na escola e na família. A opção por analisar as relações de autoridade nessas esferas decorre da identificação de que tanto a família como a escola são instituições culturais que, segundo Horkheimer (2008), são responsáveis pela formação das qualidades psíquicas dos homens, suas pré-disposições e modos de agir, desempenhando um papel fundamental na manutenção ou dissolução do regime social. Tais instituições culturais são definidas pelo autor da seguinte maneira:

A elas pertence a capacidade, consciente ou inconsciente, codeterminadora de cada passo do indivíduo, de se adaptar e subordinar, a virtude de responder afirmativamente a situações existentes como tais no pensar e no agir, de viver na dependência de ordens dadas e vontade alheia, em suma a autoridade como uma marca da existência inteira (HORKHEIMER, 2008, p. 191).

Contudo, é necessário salientar que este trabalho não apresenta como escopo, e tampouco caberia aqui, apresentar um estudo aprofundado sobre a família6 visto que o objeto de pesquisa limita-se a discutir as relações de autoridade na escola e na família a partir da experiência narrada pelos adolescentes. Dessa forma, as discussões acerca da família apresentadas são limitadas às perspectivas propostas pelo referencial teórico da teoria crítica.

Na concepção de Horkheimer e Adorno (1973), a família constitui-se como uma forma de organização social, pautada em laços de dependência afetiva e material, responsável por garantir as condições de desenvolvimento físico e psíquico de seus membros, assim como a sociabilidade. Para os autores, embora seja inegável o caráter biológico e, portanto, natural da família, esta não pode ser considerada como uma ilha isolada e independente da dinâmica social e a-histórica, tampouco totalmente determinada por ela. A família possui um caráter dialético, pois ao mesmo tempo em que é mediatizada pela sociedade também é necessária

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Discussões mais aprofundadas acerca da instituição família, sob perspectivas sociológicas, antropológicas, psicológicas e filosóficas, podem ser encontradas em Canevacci (1987).

como instituição reprodutora da cultura. Assim, a família contém em si tanto elementos repressores destinados à adaptação do indivíduo às necessidades impostas para a reprodução social como apresenta uma autonomia relativa em relação à sociedade sendo capaz de desenvolver no indivíduo a autonomia. A concepção de família apresentada pela teoria crítica foi responsável pela perspectiva adotada nesta pesquisa de analisar as relações de autoridade não apenas na escola, mas também nesta instituição.

Da mesma forma, a delimitação do adolescente como sujeito da pesquisa não ocorreu de forma aleatória. Considera-se que nessa fase da vida, em que os indivíduos ainda estão em formação e se caracterizam pela imaturidade, as formas de controle são mais rígidas por parte da família devido à intenção de se garantir a inserção de seus membros na lógica da organização social, e, portanto, no mundo da produção capitalista, conforme aponta Giovinazzo Jr. (1999). O autor, tomando como referência os autores frankfurtianos, afirma ainda que:

Se a organização social e a indústria cultural impedem a liberdade e a autonomia, é quando os indivíduos estão na idade juvenil, momento decisivo para a afirmação, que as “castrações” são mais violentadoras. Os jovens e adolescentes encontram-se submetidos a várias instâncias de dominação e entre elas está, também, a escola (GIOVINAZZO JR., 1999, p. 19).

Cabe destacar ainda que as relações de autoridade não ocorrem de forma exclusiva nas relações entre crianças e adolescente e adultos, pais e filhos, professores e alunos, mas está presente em todas as relações de dependência, principalmente, nas econômicas, conforme discutido no Capítulo I. Se tomarmos como referência apenas o espaço escolar, embora não seja possível dissociá-lo da dinâmica social e, portanto, da autoridade econômica, será possível observar que as relações de autoridade se manifestam também entre os alunos. Nesse sentido, Arendt (2011), ao analisar a crise da autoridade na educação, afirma que “ao emancipar-se da autoridade dos adultos, a criança não foi libertada, e sim sujeita a uma autoridade muito mais terrível e verdadeiramente tirânica que é a tirania da maioria” (ARENDT, 2011, p. 230). Ainda segundo a autora, “a autoridade de um grupo, mesmo que este seja de crianças, é sempre consideravelmente mais forte e tirânica do que a mais severa autoridade de um indivíduo isolado” (ARENDT, 2011, p. 230).

A opção por analisar as relações entre os adolescentes e os adultos na escola e na família é resultante da concepção de que os segundos são fundamentais no processo de formação do indivíduo, conforme apontou Freud (2007). Considera-se, portanto, que os adultos se constituem como referência para as novas gerações, mesmo quando se caracterizam como modelos autoritários. Dessa forma, é necessário destacar que tanto a definição do tema

como a delimitação do problema de pesquisa tiveram como base teórica a teoria crítica da sociedade.

Sendo assim, a pesquisa foi desenvolvida a partir do seguinte problema : qual a relação que os adolescentes, do 9º ano de duas escolas da rede municipal de ensino de São Paulo, desenvolvem com a autoridade exercida sobre eles na escola e na família e qual a compreensão que expressam sobre a autoridade?

Dessa questão principal decorrem as seguintes:

1. Como os adolescentes expressam a experiência com a autoridade na escola e na família?

2. Como os adolescentes reagem diante da autoridade a qual estão submetidos na escola e na família?

Em decorrência do problema apresentado, definiu-se como objetivo geral da pesquisa: analisar a relação que os adolescentes, do 9º ano de duas escolas da rede municipal de ensino de São Paulo, desenvolvem com a autoridade exercida sobre eles na escola e na família e a compreensão que expressam sobre autoridade. Como objetivos específicos foram definidos:

1. Descrever e examinar, por meio do que expressam os adolescentes, como se caracteriza a experiência destes com a autoridade na escola e na família;

2. Analisar o posicionamento dos adolescentes frente à autoridade a qual estão submetidos na escola e na família;

A formulação das hipóteses tem como referência a apropriação que os autores frankfurtianos fizeram da teoria freudiana, segundo a qual, a autoridade teria uma importância decisiva na formação do ego, instância do aparelho psíquico responsável pela razão, reflexão e, portanto, pela capacidade crítica do indivíduo. Segundo Freud (2007), o ego é resultante de diferenciação progressiva do id, instância esta fonte de toda libido na qual estão contidas as paixões e o princípio do prazer e que foi modificada pela influência direta do mundo externo. Sendo assim, o ego procura aplicar essa influência do mundo externo sobre o id, esforçando- se para substituir o princípio do prazer pelo princípio da realidade. No Complexo de Édipo, processo em que ocorre a identificação da criança com o pai e a internalização da sua autoridade, o ego sofre uma gradação da qual se forma o superego, parte da estrutura psíquica

responsável pela auto-observação e pela consciência moral, e que se constitui na instância com a principal influência na repressão dos instintos. Assim, enquanto o ego, como representante da realidade, tende a garantir progressivo domínio sobre as pulsões, o superego tem como papel algo similar ao de um juiz ou censor.

De acordo com Freud (2007), o superego, como portador dos preceitos e da coerção do pai, cuja moralidade possui uma qualidade severamente restritiva, caracteriza-se pela capacidade de se manter a parte do ego e de exercer poder sobre ele, uma vez que remete para a lembrança da antiga fraqueza e dependência do ego. Segundo o autor, ao longo do desenvolvimento da criança, “o papel do pai é exercido pelos professores e outras pessoas colocadas em posição de autoridade; suas injunções e proibições permanecem poderosas no ideal do ego e continuam, sob a forma de consciência, a exercer a censura moral” (FREUD, 2007, p. 38). Entretanto, “à medida que o ego fica mais forte, [...] pode tornar-se mais resistente às influências de tais identificações” (FREUD, 2007, p. 49).

Para os autores da teoria crítica, o fortalecimento do ego frente ao superego, representante das normas e regras sociais, significa a possibilidade de o indivíduo resistir criticamente às influências exteriores contrárias aos seus interesses. Numa sociedade injusta, pautada pela racionalidade tecnológica que submete a individualidade do homem a uma organização social coordenada em grande escala e os predispõe a aceitar e introjetar os ditames do aparato, tal como apontado por Marcuse (1999), o fortalecimento do ego e, portanto, da capacidade crítica perante a realidade social mostra-se extremamente necessária, embora apresente poucas condições para isso devido a forte pressão exercida sobre os indivíduos pela sociedade e as condições oferecidas para a sua formação. Tal concepção está presente nas hipóteses desenvolvidas nesta pesquisa, conforme delimitadas abaixo:

1. A autoridade exercida pelos adultos sobre os adolescentes é reduzida a expressões de autoritarismo, manifestadas nas exigências acríticas de observância e obediência às regras e na indiferença, por parte dos adolescentes, diante do que é imposto;

2. A autoridade exercida pelos adultos não é capaz de desenvolver a autonomia nos adolescentes, mas se limita apenas à adaptação destes a realidade imposta pela estrutura social.