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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ELAINE APARECIDA PEREIRA

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Academic year: 2018

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

ELAINE APARECIDA PEREIRA

AS RELAÇÕES DE AUTORIDADE NA ESCOLA E NA FAMÍLIA

SEGUNDO OS ADOLESCENTES

MESTRADO EM EDUCAÇÃO: HISTÓRIA, POLÍTICA, SOCIEDADE

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ELAINE APARECIDA PEREIRA

AS RELAÇÕES DE AUTORIDADE NA ESCOLA E NA FAMÍLIA

SEGUNDO OS ADOLESCENTES

Dissertação

apresentada

à

Banca

Examinadora da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, como exigência

parcial para obtenção do título de MESTRE

em Educação: História, Política, Sociedade,

sob a orientação do Prof. Doutor Carlos

Antonio Giovinazzo Jr.

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BANCA EXAMINADORA

_________________________________

_________________________________

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, inicialmente, ao meu amor Fábio Rodrigues que sempre me incentivou a realizar este trabalho, por acreditar na minha capacidade e por estar ao meu lado em todos os momentos desta jornada. Sem ele não teria alcançado meu objetivo.

Aos meus pais, Vera Lúcia Marchiori Pereira e Márcio Elias Pereira, por serem exemplos, a vida inteira, de luta, de perseverança, de consciência crítica e de solidariedade.

À minha melhor amiga, Maria Helena Felipe de Oliveira, pelo incentivo, apoio, atenção e paciência dedicadas a mim nos momentos mais difíceis deste trabalho.

Ao meu avô, José Elias Pereira, que por meio das histórias contadas sobre as experiências incríveis de nossa família com Lampião, Getúlio Vargas e a 2ª Guerra Mundial, foi fonte de inspiração para que eu me dedicasse aos estudos na área das humanidades, e a minha avó, Luzia Pereira da Silva, que sempre cuidou de mim.

A toda a minha família e amigos pelo incentivo e pela compreensão nos momentos em que estive ausente.

Ao CNPq e a CAPES pela concessão de bolsa de estudos que viabilizou a realização desta pesquisa.

A todos os professores do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade, da PUC-SP, que contribuíram para a minha formação.

À Betinha, secretária do programa EHPS, pela atenção, paciência, carinho e dedicação.

Aos professores Odair Sass e Marian Ávila de Lima e Dias pelos apontamentos que tanto contribuíram para esta pesquisa.

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RESUMO

Esta pesquisa, de natureza empírica, tem por objetivo analisar a relação que adolescentes do 9º ano do Ensino Fundamental desenvolvem com a autoridade exercida sobre eles na escola e na família e a compreensão que expressam sobre autoridade. Para tanto, a pesquisa foi realizada em duas escolas da rede municipal de ensino de São Paulo, ambas situadas em regiões com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), porém com pontuações distintas no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Utilizou-se como procedimento de coleta de dados o grupo focal, além da aplicação de questionário contendo questões abertas e fechadas. Os sujeitos da pesquisa foram 12 alunos – seis meninas e seis meninos – do 9º ano do Ensino Fundamental. Esta pesquisa tem como referencial teórico as ideias de alguns autores da teoria crítica sobre autoridade. Os escritos de Horkheimer e Marcuse contribuíram no sentido de situar o conceito de autoridade na modernidade, mediante a relação que este estabelece com o conceito de indivíduo livre na filosofia burguesa. A partir desses autores discute-se também a função da família como instituição responsável por desenvolver nos indivíduos certas disposições exigidas pela vida social. Com base nas ideias de Adorno discute-se os conceitos de formação, autoridade esclarecida e autoridade não esclarecida, assim como os tabus que acompanharam o magistério na história. O estudo foi desenvolvido com base em duas hipóteses: 1) a autoridade exercida pelos adultos sobre os adolescentes é reduzida a expressões de autoritarismo, manifestadas nas exigências acríticas de observância e obediência às regras e na indiferença, por parte dos adolescentes, diante do que é imposto; e 2) a autoridade exercida pelos adultos não é capaz de desenvolver a autonomia nos adolescentes, mas se limita apenas à adaptação destes a realidade imposta pela estrutura social. Os resultados da pesquisa indicam que os adolescentes encontram-se numa posição de heteronomia frente à autoridade exercida sobre eles, tanto na escola como na família, e que valorizam e anseiam pela autoridade mesmo quando esta se manifesta na forma de autoritarismo; além disso, a autoridade presente nas instituições é legitimada pelos adolescentes por ser considerada como um elemento importante para a sua formação e adaptação às exigências sociais.

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ABSTRACT

This research paper, empirical in nature, aims to analyze the relationship adolescents in the 9th grade of Elementary School develop towards authority exercised over them, in school and in their families, as well as their understanding of authority. The research was conducted in two local government-run schools in São Paulo, both located in regions having a low Human Development Index (HDI), even though their scores on the Index for Basic Education Development (IDEB) differed. The focus group was used in the data collection procedure, along with a questionnaire containing open-ended and close-ended questions. The subjects under study consisted of twelve students - six girls and six boys – in the 9th grade of Elementary School. For the purpose of this research paper, ideas taken from authors of the critical theory on authority were used for its theoretical framework. The writings of Horkheimer and Marcuse contributed towards situating the concept of authority in modern days, through the relationship it establishes with the concept of individual freedom in a bourgeois philosophy. Also based on these authors, the role of the family is discussed as an institution responsible for developing certain requirements of social behavior in individuals. Based on the ideas of Adorno, the concepts of training, enlightened and non- enlightened authority are discussed, as well as taboos applying historically to teaching. The study was developed based on two hypotheses: 1) the authority exercised by adults over adolescents is reduced to an authoritarianism expressed by uncritical demands for observance of rules and obedience, and an indifference on the part of adolescents to that which is imposed on them; and 2) the authority exercised by adults is not able to develop independence in adolescents, but is limited to their adapting to the reality imposed on them by the structure of society. The results of this research work indicate that adolescents are in a position of heteronomy where the authority exerted on them, both at school and within the family is concerned, and that they value and crave for authority even when it is manifested in the form of authoritarianism; moreover, the authority exercised on them by institutions is legitimized by adolescents, since it is considered an important contribution towards their training and adaptation to the requirements of society.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 10

CAPÍTULO I - A AUTORIDADE NA SOCIEDADE MODERNA ... 18

1 A TENSÃO ENTRE INDIVÍDUO E SOCIEDADE ... 18

1.1 A DIALÉTICA DA AUTORIDADE: O CONCEITO E SUAS CONTRADIÇÕES ... 18

1.2 A AUTORIDADE NA FILOSOFIA BURGUESA E NA PERSPECTIVA CRÍTICA DA SOCIEDADE ... 21

1.3 O INDIVÍDUO NA SOCIEDADE BURGUESA: A DIALÉTICA PRESENTE NA RELAÇÃO ENTRE INDIVÍDUO E SOCIEDADE ... 26

1.4 AUTORIDADE E LIBERDADE SOB A RACIONALIDADE TECNOLÓGICA ... 30

1.5 AUTORIDADE E EDUCAÇÃO ... 35

1.5.1 A importância da autoridade para a formação do indivíduo ... 35

1.5.2 O papel da escola na formação dos indivíduos ... 39

CAPÍTULO II - A AUTORIDADE SEGUNDO OS ADOLESCENTES .... 47

2.1 DELIMITAÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA, OBJETIVOS E HIPÓTESES ... 47

2.2 MÉTODO ... 47

2.2.1 Instrumentos de pesquisa ... 51

2.2.2 Caracterização das escolas ... 54

2.2.3 Caracterização dos sujeitos da pesquisa ... 59

2.2.4 Coleta de dados ... 61

2.2.5 Observações sobre a coleta de dados ... 67

2.3 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ... 68

2.3.1 Autoridade como organização ... 69

2.3.2 Responsabilização ... 82

2.3.3 Experiência ... 88

2.3.4 A reação dos adolescentes diante da autoridade na escola e na família ... 108

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 115

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 119

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Pontuação média alcançada no IDEB referente ao Ensino Fundamental (ciclo I) ... 56 Tabela 2 Pontuação média alcançada no IDEB referente ao Ensino

Fundamental (ciclo II) ... 56 Tabela 3 Composição do IDH nos distritos da cidade de São Paulo onde se

localizam as escolas pesquisadas, com maiores e menores valores ... 57 Tabela 4 Caracterização dos sujeitos participantes da amostra ... 60 Tabela 5 Caracterização das composições familiares dos sujeitos da pesquisa .... 61 Tabela 6 Local onde os adolescentes passam a maior parte do tempo quando

não estão na escola ... 70 Tabela 7 Atividades realizadas pelos adolescentes quando estão em casa ... 70 Tabela 8 Tempo que os adolescentes gastam diariamente ajudando a família no

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LISTA DE QUADROS

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INTRODUÇÃO

Este estudo incide sobre a relação que os adolescentes – do 9º ano de duas escolas da rede municipal de ensino de São Paulo – desenvolvem com a autoridade exercida sobre eles na escola e na família e tem como referencial teórico a teoria crítica da sociedade. O interesse em desenvolver esta pesquisa é decorrente da experiência que tive como professora de História para o Ensino Fundamental II e Ensino Médio em escolas públicas durante uma década: três anos na rede estadual de São Paulo na condição de professora temporária e sete anos na rede pública municipal de ensino de São Paulo como professora efetiva. Nesse período, em decorrência da instabilidade da carreira do magistério, principalmente para o professor iniciante, e da própria estrutura organizacional de atribuição de aulas, tive a oportunidade de lecionar em 16 escolas, 11 delas na rede pública municipal de ensino, situadas no extremo leste da cidade de São Paulo, região considerada, segundo o Mapa da Exclusão/Inclusão Social na cidade de São Paulo/20001 coordenado por Sposati (2000), de alto grau de exclusão social.

Essas escolas, embora apresentassem características distintas umas das outras, resultantes da sua história, de sua forma de organização, das peculiaridades do grupo de professores e gestores e do próprio local onde estão situadas, vivem problemas semelhantes como a indisciplina, a violência, a dificuldade do trabalho pedagógico, o baixo desempenho escolar, a falta excessiva de professores, o aparente desinteresse do aluno pela escola e outros. Com exceção de apenas três escolas, entre todos os problemas citados, a indisciplina mostrava-se como o mais preocupante. Cenas de desrespeito às regras das instituições como as agressões físicas e verbais entre os alunos, a depredação de patrimônio público e os conflitos entre alunos e professores ocorriam diariamente.

A indisciplina apresentava-se como o maior problema nessas escolas, visto que grande parte do trabalho pedagógico era comprometido em decorrência dela. Ao se tornar uma questão central, a indisciplina passou a ocupar grande parte do tempo das reuniões entre os professores, tomando o espaço que deveria ser destinado a outras questões pedagógicas importantes para a melhoria do desempenho escolar dos alunos. Nessas reuniões, diante da questão da indisciplina, era comum na manifestação dos professores a atribuição de culpa, principalmente à família, pelo comportamento dos alunos considerado prejudicial ao trabalho

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docente. Nesse sentido, eram frequentes algumas frases dos professores como: “esses alunos são assim porque a família não deu educação”, “essa nova geração não quer saber de nada”, “esses alunos não tem limites” e “os alunos fazem o que querem porque o ECA– Estatuto da Criança e do Adolescente – os protege”. Expressões como essas, ao mesmo tempo em que

demonstravam um profundo sentimento de impotência dos professores frente à realidade, também indicavam que o problema era visto pelos docentes como algo externo a escola e que, portanto, a instituição seria vítima dessa situação.

De outra parte, assim como os professores, muitos alunos também reclamavam da falta de disciplina e se mostravam mais exigentes e severos do que muitos docentes. Suas

insatisfações eram expressas em frases como: “esse professor é ‘mole’, deixa os alunos

fazerem o que querem” ou, diante de situações de indisciplina envolvendo outros, enfatizavam

não sei porque a escola não expulsa logo esses alunos” e “a escola não deveria deixar esses alunos assistirem aula”. As manifestações de professores e alunos diante de situações de indisciplina indicavam que ambos se limitavam a responsabilizar as instituições e os indivíduos – como a família, a escola, os alunos e os professores – por tais comportamentos.

O fato de a indisciplina se mostrar generalizada nas escolas, tomando uma proporção que, em determinados momentos, envolvia até mesmo aqueles alunos aparentemente mais adaptados às exigências escolares, suscitou uma série de questões como: 1) a indisciplina teria como causa fatores externos ou internos ao ambiente escolar?; 2) de que forma a escola estaria contribuindo para propagar a indisciplina entre os alunos?; 3) qual a responsabilidade da família perante o comportamento indisciplinado de seus filhos?; e 4) quais consequências o comportamento indisciplinado dos alunos traria para as suas vidas? Essas questões estiveram presentes durante todo o meu percurso no magistério e, em parte, foram responsáveis pelo meu ingresso no mestrado. Tais questionamentos, assim como o contato com as ideias de alguns autores da teoria crítica da sociedade (Adorno, Horkheimer e Marcuse) sobre a relação entre autoridade e formação, foram responsáveis por definir como tema de pesquisa a relação que os alunos adolescentes estabelecem com a autoridade.

De acordo com estes autores, o enfraquecimento da autoridade nas instituições responsáveis pela formação dos indivíduos – como a família e a escola – deve ser compreendido a partir da sua relação com a estrutura social. Portanto, não é possível analisar

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verdadeira autoridade, afirmada na dependência econômica, continua sendo determinante nas relações sociais, influenciando também as relações de autoridade nas instituições responsáveis pela formação dos indivíduos.

As relações de autoridade na educação escolar são influenciadas ainda, conforme aponta Adorno (1995d), pelo próprio colapso da cultura à medida que esta não cumpriu a promessa de impedir a barbárie entre os homens, mas, ao contrário, contribuiu para a sua reprodução e a perpetuação da miséria. Tomando como referência as ideias de Freud, os autores da teoria crítica, consideram a autoridade esclarecida um elemento essencial no processo de formação dos indivíduos, sendo fundamental para a constituição da sua autonomia e emancipação, assim como para impedir a barbárie. Tais questões serão retomadas e aprofundadas na apresentação do referencial teórico no capítulo I.

Para a delimitação do problema de pesquisa foi realizado levantamento de estudos, no Banco de Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), que discutem a autoridade, docente ou escolar, no Ensino Fundamental e Médio. Nesse sentido, cabe destacar que não foram incluídas pesquisas que analisam a questão da autoridade no Ensino Superior ou Técnico. A busca foi realizada a partir das palavras-chave:

‘autoridade da escola’, ‘autoridade do professor’, ‘autoridade docente’ e ‘autoridade e educação’. Com base na leitura dos resumos das pesquisas foram selecionados 34 trabalhos que apresentam como objeto de estudo a autoridade do professor ou a autoridade escolar no ensino básico. Além deste levantamento, também foram reunidos artigos sobre autoridade e educação escolar a partir da leitura dos resumos dos artigos apresentados nos Grupos de Trabalhos (GTs) da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd)2, assim como nos periódicos disponíveis no site Scientific Electronic Library Online (SciELO), utilizando as mesmas palavras-chave empregadas na busca de pesquisas no Banco de Teses da CAPES. No total foram encontrados 15 artigos, nove no site SciELO e seis nos GTs da ANPEd. Destes, quatro foram desconsiderados visto que o conteúdo baseava-se em pesquisas já identificadas no Banco de Teses da CAPES. Entre teses, dissertações e artigos levantadas nos bancos de dados citados acima, foram encontrados 45 trabalhos.

Dentre os 45 trabalhos encontrados sobre autoridade e educação escolar, observou-se, por meio dos resumos, que a maior parte deles concentrava-se em quatro temas principais: 1) a relação de poder entre professor e aluno no processo de ensino e aprendizagem (nove); 2)

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as representações ou discursos de professores e alunos acerca da autoridade docente (sete); 3) a relação entre a autoridade do professor (ou escolar) e a indisciplina ou violência na escola (treze); e 4) a relação entre autoridade e formação3 (quatro). Os outros 12 trabalhos discutem a autoridade a partir de diferentes abordagens como o prestígio da profissão docente, a relação entre a autoridade e a crise na educação, a postura do professor, o que é autoridade, entre outras. Os levantamentos realizados possibilitaram constituir um panorama geral sobre os trabalhos que envolvem o tema e identificar que o assunto ainda é pouco explorado, embora se perceba que o interesse dos pesquisadores tem aumentado nos últimos anos, se comparado à grande quantidade de trabalhos acadêmicos produzidos no país, principalmente na última década, com a expansão dos cursos de pós-graduação stricto sensu. Entre todos os trabalhos levantados, tomou-se como foco de interesse,

especificamente, aquelas pesquisas que tratam a questão da autoridade a partir da “visão” de

alunos do Ensino Fundamental e Médio. Apenas três foram identificadas: Rayagnani (2007), Vieira (2009) e Ohlweiler (2010). O interesse por trabalhos que analisam a perspectiva dos alunos acerca da autoridade é decorrente da experiência docente, relatada acima, na qual muitos alunos adolescentes demonstravam ter expectativas quanto ao exercício da autoridade docente na regulação das suas condutas no espaço escolar. Vale destacar ainda que entre as três pesquisas, Rayagnani (2007) e Vieira (2009) analisam, paralelamente à concepção de alunos e também de professores sobre a autoridade.

As pesquisas que discutem a autoridade a partir da “visão” do aluno apresentam

como objeto de estudo problemas diversos, como as representações sociais dos alunos e professores sobre a autoridade, autonomia e autoritarismo, o desenvolvimento da noção de autoridade docente nos alunos (RAYAGNANI, 2007), os aspectos que caracterizam o educador como uma referência de autoridade (VIEIRA, 2009) e a identificação das figuras de autoridade pelas crianças nas relações de poder na escola e na família (OHLWEILER, 2010). Os autores utilizam referenciais teóricos diversos, mas, principalmente, Hannah Arendt para tratar da questão da crise da autoridade na modernidade, e Foucault para analisar

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as relações de poder na sociedade e no espaço escolar; além de alguns autores da Psicologia, como Piaget que discute o desenvolvimento moral na criança, e outros. Os dados foram coletados nessas pesquisas a partir de diferentes procedimentos: questionários, entrevistas, discussões com os sujeitos, por meio da apresentação de situações-problema envolvendo casos de indiciplina na escola (RAYAGNANI, 2007), análise de cartas enviadas aos professores que os alunos mais admiravam (VIEIRA, 2009), de quadrinhos da personagem Mafalda4 e outros desenhos representando cenas de autoridade (OHLWEILER, 2010).

A questão da autoridade é abordada nas três pesquisas como um aspecto essencial do processo pedagógico, mas que não se constitui de forma isolada no interior da escola, ao contrário, está relacionada à própria dinâmica social. O trabalho de Ohlweiler (2010) aponta para a existência de uma crise da autoridade decorrente do declínio das instituições sociais, que não resulta numa perda total da autoridade, mas no seu enfraquecimento. De acordo com o resultado de sua pesquisa, a autoridade hoje se constitui de forma mais sutil do que as experimentadas em gerações anteriores, assim, as figuras de autoridade, que em outras décadas se apresentavam fixas, atualmente possuem uma legitimidade que é transitória, uma vez que o campo do poder está sob constante disputas e negociações, havendo estratégias de resistência por parte das crianças.

A fragilidade da autoridade, no entanto, parece não excluir o reconhecimento da sua necessidade por parte dos alunos, conforme aponta Vieira (2009). Segundo o resultado da pesquisa dessa autora, os alunos valorizam a autoridade à medida que esta oferece segurança e garante o trabalho pedagógico. Quanto à legitimidade da autoridade docente, a pesquisa de Vieira (2009) indica que sua sustentação está pautada nas demonstrações de competência, respeito pelos alunos e imposição da disciplina. Na investigação realizada com crianças, conforme aponta o resultado do trabalho de Ohlweiler (2010), há uma distinção entre as figuras de autoridade na família e na escola. Na primeira, a autoridade é relacionada às funções de cuidado, proteção e sustento e na segunda, como espaço de organização, cuidado e disciplinamento. Rayagnani (2007), por sua vez, conclui que a noção de autoridade varia de acordo com a idade. Suas análises sobre as representações da autoridade de professores e alunos, baseadas em Piaget, mostraram ainda que estas aparecem de forma distinta entre crianças e adultos, indicando que a noção se submete a um processo psicogenético de desenvolvimento.

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Os resultados das pesquisas empíricas apresentados acima contribuíram para mostrar que na perspectiva dos alunos do Ensino Fundamental e Médio, a autoridade é um elemento da relação professor-aluno considerado necessário como força reguladora do processo de ensino e aprendizagem. Nesses trabalhos, no entanto, com exceção de Ohlweiler (2010), os objetivos das pesquisas apresentam-se restritos às relações de autoridade estabelecidas no âmbito escolar, desvinculadas das relações desenvolvidas em espaços de educação não escolar, como na família. Portanto, apenas um desses trabalhos analisa concomitantemente as relações de autoridade no âmbito familiar e no espaço escolar. Tal constatação contribuiu para que o interesse desta pesquisa se voltasse também para a discussão das relações de autoridade entre adolescentes e adultos no âmbito familiar, além do espaço escolar.

Problema de pesquisa

A partir das leituras dos estudos descritos acima e com base no referencial da teoria crítica, delimitou-se como problema de pesquisa a seguinte questão: qual a relação que os adolescentes, do 9º ano de duas escolas da rede municipal de ensino de São Paulo, desenvolvem com a autoridade exercida sobre eles na escola e na família e qual a compreensão que expressam sobre a autoridade?

Dessa questão principal decorrem as seguintes:

1. Como os adolescentes expressam a experiência com a autoridade na escola e na família?

2. Como os adolescentes reagem diante da autoridade a qual estão submetidos na escola e na família?

Objetivos

Objetivo geral da pesquisa foi definido nos seguintes termos: analisar a relação que os adolescentes, do 9º ano de duas escolas da rede municipal de ensino de São Paulo, desenvolvem com a autoridade exercida sobre eles na escola e na família e a compreensão que expressam sobre autoridade. Como decorrência, os objetivos específicos são:

1. Descrever e examinar, por meio do que expressam os adolescentes, como se caracteriza a experiência destes com a autoridade na escola e na família;

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Hipóteses

1. A autoridade exercida pelos adultos sobre os alunos adolescentes é reduzida a expressões de autoritarismo, manifestadas nas exigências acríticas de observância e obediência às regras e na indiferença, por parte dos adolescentes, diante do que é imposto;

2. A autoridade exercida pelos adultos não é capaz de desenvolver a autonomia nos adolescentes, mas se limita apenas à adaptação destes a realidade imposta pela estrutura social.

Procedimentos de pesquisa

Para realização da coleta de dados optou-se pela utilização de dois instrumentos de pesquisa: grupo focal e questionário. O grupo focal e a aplicação do questionário foram realizados com 12 alunos do 9º ano do Ensino Fundamental em duas escolas da rede municipal de ensino de São Paulo.

Os dados coletados foram analisados com base nas contribuições teóricas de Adorno, Horkheimer e Marcuse. Além dos autores da teoria crítica da sociedade, a pesquisa apresenta, ainda, as discussões teóricas sobre a relação entre autoridade e educação realizadas por autores de diferentes áreas do conhecimento, como Arendt na filosofia, Durkheim na sociologia, Freud na psicologia, entre outros. Tais autores foram selecionados por serem considerados como pensadores de referência no que se refere ao tema da autoridade e sua relação com a formação dos indivíduos.

A presente dissertação está organizada em duas partes: capítulo I e capítulo II.

No capítulo I, será apresentado o referencial teórico da pesquisa a partir das seguintes discussões teóricas: 1) a dialética presente no conceito de autoridade; 2) a autoridade nas perspectivas da filosofia burguesa e da crítica da sociedade; 3) o conceito de indivíduo na filosofia burguesa e a tensão existente na relação entre indivíduo e sociedade; 4) a relação entre autoridade e liberdade na sociedade moderna, organizada sob a racionalidade tecnológica; 5) a importância da autoridade na formação do indivíduo; e 6) o papel da escola na formação dos indivíduos.

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investigados; 7) o processo de coleta de dados; 8) os resultados da pesquisa; e 9) a análise destes.

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CAPÍTULO I

A AUTORIDADE NA SOCIEDADE MODERNA

1 A TENSÃO ENTRE INDIVÍDUO E SOCIEDADE

1.1A DIALÉTICA DA AUTORIDADE: O CONCEITO E SUAS CONTRADIÇÕES

Para a filosofia burguesa, a libertação do homem está diretamente relacionada à luta contra as autoridades. Essa concepção deve-se a contraposição que o pensamento liberal burguês estabeleceu entre a razão de cada indivíduo, como fonte legítima de direito e verdade, e a autoridade da tradição. De acordo com essa filosofia, a ação dos homens deve ser orientada apenas pela razão e não por qualquer autoridade uma vez que o uso das próprias faculdades intelectuais garantiria que a autoridade não se apresentasse como uma ameaça à liberdade individual (HORKHEIMER, 2008). Essa concepção, de que autoridade e liberdade se encontram em contraposição, continua presente na sociedade ainda hoje e contribui para dificultar a compreensão acerca da dialética expressa no conceito de autoridade.

Segundo Horkheimer (2008), a definição abstrata do conceito de autoridade contém em si elementos contraditórios adquiridos em consequência de mudanças históricas. Assim, a relação de autoridade, entendida como dependência aceita, pode tanto significar uma situação de autoritarismo, quando a sujeição dos homens a uma instância alheia contraria os seus próprios interesses, como também pode significar o atendimento ao interesse real e consciente de indivíduos e grupos.

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como elemento constitutivo das relações sociais pode fundamentar tanto a submissão cega e servil quanto a disciplina do trabalho necessária em uma sociedade em ascensão.

De acordo com Marcuse (1972), a relação de autoridade contém dois elementos essenciais: a liberdade de vontade, pautada no reconhecimento e aceitação do portador da autoridade, que não se baseia na simples coerção, e a submissão da própria vontade, do pensamento e da razão à vontade de Outro. Assim, para o autor, “na relação de autoridade, a liberdade e a não liberdade, a autonomia e a heteronomia são concebidas conjuntamente e

unificadas na pessoa única do objeto da autoridade” (MARCUSE, 1972, p. 56). Ainda, a liberdade não é concebida em contraposição a autoridade, mas está contida na relação de autoridade, pois:

O reconhecimento da autoridade como uma força essencial da prática social remonta as raízes da liberdade humana: significa (em sentido sempre diferente) a renúncia à autonomia (de pensamento, vontade, ação), significa subordinação da própria razão e da própria vontade a conteúdos predeterminados, e isso de tal modo que tais conteúdos não constituem apenas “material” para a vontade transformadora do indivíduo, e sim que constituem, tais como são, normas obrigatórias para a sua razão e vontade (MARCUSE, 1972, p. 56).

A contradição presente no conceito de autoridade se expressa, portanto, nas próprias condições objetivas em que as relações de autoridade se manifestam, como melhora ou piora das condições materiais para aqueles que se subordinam a ela, conforme aponta Horkheimer (2008), assim como na própria subjetividade, em que há a presença concomitante da liberdade e da submissão na ação daqueles que se submetem à autoridade ao reconhecer a sua importância social, como indica Marcuse (1972). Nesse sentido, Adorno (1995c) concebe o conceito de autoridade como um conceito essencialmente psicossocial.

O reconhecimento da autoridade como uma força essencial da prática social também está presente no pensamento de Freud (2011). Segundo esse autor, a autoridade é necessária para a civilização, pois a renúncia das satisfações irrestritas de todas as necessidades instintuais dos indivíduos, que colocam em risco a civilização e o próprio homem, só ocorre por meio do medo da autoridade. Para Freud (2011), a finalidade da vida para os homens constitui-se na busca da felicidade permanente. Desse modo, o aparelho psíquico do homem é dominado pelo programa do princípio do prazer que desde o começo da vida demanda a satisfação irrestrita de todas as necessidades instintuais. O programa de ser feliz, no entanto, é irrealizável, pois não se pode alcançar tudo o que se deseja. A felicidade é limitada pela própria constituição do corpo humano, pelo mundo externo ao homem e pelas relações com outros seres humanos. Sendo assim, a possibilidade da vida em comunidade só foi garantida

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afastam a nossa vida daquela de nossos antepassados animais, e que servem para dois fins: a

proteção do homem contra a natureza e a regulação dos vínculos dos homens entre si”

(FREUD, 2011, p. 34). Essas atividades e valores, que possibilitaram ao homem colocar o ambiente em que vive a seu serviço, protegendo-o da violência das forças naturais e, além disso, garantindo a regulação das relações humanas, constituem a cultura.

Essa regulação é necessária, pois, caso contrário, as relações sociais “estariam sujeitas

à arbitrariedade do indivíduo, isto é, aquele fisicamente mais forte as determinaria conforme

seus interesses e instintos” (FREUD, 2011, p. 40). A submissão do indivíduo ao poder da comunidade, cuja responsabilidade é garantir que pela ordem legal ninguém se torne vítima da força bruta, exigiu do homem o sacrifício de seus instintos e a restrição de sua liberdade individual. A humanidade, desde então, se depara com a tarefa de achar um equilíbrio adequado entre as exigências do indivíduo e aquelas do grupo, pois ao mesmo tempo em que garantiu o cultivo das atividades psíquicas mais elevadas, como as realizações intelectuais, científicas e artísticas, também exigiu a renúncia dos instintos (FREUD, 2011). O autor aponta ainda que ante essas duas tendências – as exigências e necessidades do indivíduo e as do grupo – a autoridade se afirma em defesa tanto dos interesses do indivíduo como dos interesses coletivos da civilização, garantindo a sua perpetuação, pois, embora a liberdade do indivíduo fosse maior antes de qualquer civilização e, portanto, antes de qualquer forma de autoridade, ela ainda não possuía valor, uma vez que não havia condições para defendê-la.

A dialética presente nas relações de autoridade, conforme apontam os autores acima citados, se refere, portanto, a tensão entre indivíduo e sociedade, uma vez que o homem necessita viver em grupo, e para tal precisa se sujeitar a alguma forma de autoridade que acaba por limitar a sua liberdade e autonomia. A autoridade como relação de dependência aceita e legitimada pelos homens, no entanto, por vezes é associada à ideia de autoritarismo, como negação dos interesses dos indivíduos. Segundo Sennett (2012), a rejeição à autoridade advém do medo da própria autoridade na medida em que esta passou a ser entendida como uma ameaça à liberdade, tanto na família como na sociedade em geral.

Para Horkheimer (2008), uma definição geral do conceito de autoridade, como categoria fundamental para a compreensão da história humana, seria vazia na medida em que para compreendê-lo é necessário relacioná-lo com todas as outras definições de sociedade. Nesse sentido, o autor afirma que:

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Assim, a compreensão do conceito de autoridade, conforme apresentado pela filosofia burguesa, ou seja, como contraposição ao conceito de liberdade, só pode ser compreendido a partir da própria teoria em que foi desenvolvido, em conexão com os outros conceitos gerais e específicos, e da realidade objetiva em que se manifestam, conforme será discutido a seguir.

1.2 A AUTORIDADE NA FILOSOFIA BURGUESA E NA PERSPECTIVA CRÍTICA DA SOCIEDADE

Segundo Marcuse (1972), na época moderna a filosofia burguesa colocou a autonomia do indivíduo como centro de sua teoria e empreendeu todos os esforços para justificar as contradições e antagonismos entre a liberdade prática do indivíduo e a sua não liberdade social, entre a autonomia interna e a heteronomia externa. A defesa da autonomia do indivíduo, entendida como contraposição à autoridade, resultou na presença de tendências antiautoritárias dentro da doutrina cristã e burguesa da liberdade. As antinomias presentes na relação entre indivíduo e sociedade são abordadas por diversos pensadores como os protestantes Lutero e Calvino, além de Kant e Hegel.

O protestantismo luterano e calvinista foi responsável por imprimir à doutrina cristã da liberdade uma tendência antiautoritária na medida em que defendia a libertação do indivíduo em relação à submissão as autoridades vigentes, especialmente, a autoridade de uma igreja internacional centralizada, o poder central e o feudalismo tradicional. Essa atitude

antiautoritária defendida pelo protestantismo tinha como objetivo a “libertação da consciência

em relação às inúmeras normas religiosas e éticas para assegurar o caminho livre às classes

em ascensão” (MARCUSE, 1972, p. 59). Para a doutrina cristã da liberdade, esta não é possível na realidade objetiva, uma vez que o homem já é livre antes mesmo da sua história real, pois como cristão possui o livre-arbítrio, embora esteja submetido a uma ordem social de não liberdade. Assim, somente porque e na medida em que é livre, o homem pode estar em situação de não liberdade. Nesse sentido, a libertação objetiva significaria algo negativo, pois representaria libertação parcial em relação a Deus, visto que a ordem social onde reina a não liberdade foi posta por Ele (MARCUSE, 1972).

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o reino da liberdade e o reino da não liberdade, o primeiro, limitado à esfera íntima da pessoa, como membro do reino da razão ou de Deus, e o segundo, limitado à esfera do mundo exterior, como membro do reino natural.

A liberdade, portanto, foi deslocada da realidade objetiva e transferida para a interioridade dos indivíduos, ao mesmo tempo em que se consagrou sua submissão ao mundo exterior. Assim, não seria mais necessário lutar pela liberdade exterior, pois na sua esfera íntima o homem era livre; isso significou na prática a não responsabilidade do indivíduo frente ao mundo exterior. De acordo com Marcuse (1972, p. 58):

Essa interioridade absoluta da pessoa, a transcendência da liberdade cristã em relação a qualquer autoridade terrena deve – por mais completa que seja a submissão externa do indivíduo ao poder terreno – representar ao mesmo tempo um enfraquecimento e ruptura (internos) da relação de autoridade.

A transcendência da liberdade cristã com relação à autoridade terrena, pautada na autossuficiência da liberdade interior, contudo, não significa uma independência no que se refere ao funcionamento das relações de autoridade indecifráveis, pois o homem continuou subordinado ao mundo exterior. Assim sendo, embora a autoridade terrena jamais possa atingir o ser da pessoa, mas apenas o seu corpo ou aquilo que lhe é externo, é necessário o reconhecimento incondicional das autoridades vigentes para que a ordem terrena não seja destruída. No entanto, se antes, como na Idade Média, a autoridade estava ligada à função do seu portador, nesse momento a autoridade é fundamentada por meio do recurso a autoridade em geral, assumindo “a forma de uma relação isolada dos contextos sociais factuais [...], torna-se algo eterno fixado por Deus, se transforma em uma segunda ‘natureza’ contra a qual não existe apelo possível” (MARCUSE, 1972, p. 66). Ainda de acordo com Marcuse (1972), a reificação e a independência da autoridade terrena, operada pelo protestantismo, transformou qualquer forma de desobediência, violação ou sublevação em pecado mortal. Assim, o homem passou a ser orientado não para lutar pela satisfação das suas necessidades, mas, ao contrário, para a aceitação voluntária da autoridade e do poder estabelecidos.

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menoridade5, a auto submissão apresenta certo sentido social na medida em que, na sociedade burguesa, é necessária a existência de alguns mecanismos de controle para o funcionamento dos negócios e o atendimento aos interesses públicos e coletivos. Segundo Marcuse (1972), para o filósofo, portanto, a sociedade civil tem interesse no disciplinamento do homem por meio do comportamento autoritário, uma vez que entra em jogo a sua própria subsistência, ao mesmo tempo em que o indivíduo deve preservar a sua liberdade. Conforme Marcuse (1972), a liberdade para Kant não é interior ou privada, como aquela concebida pelo protestantismo, mas é pública e necessária para que o homem supere a sua menoridade; o homem é livre para fazer uso público de sua razão em todos os terrenos. Assim, à medida que a liberdade é pública, a contraposição à autoridade também se faz na esfera pública, na sociedade civil. O indivíduo em decorrência da própria liberdade que a priori já possui, limita a sua liberdade de forma voluntária, submetendo-se a uma autoridade universal de coação para possibilitar as condições de existência da sociedade burguesa. O portador da autoridade, para Kant, é a universalidade, entendida como uma forma determinada de organização social em que a validade geral do interesse de todos supera os interesses privados, uma vez que os interesses de qualquer indivíduo coincidem com os interesses de todos os outros. Na universalidade, todos devem se submeter a uma vontade geral, às normas obrigatórias, ao mesmo tempo em que todos são delegados e delegantes. A garantia da defesa do interesse geral, a propriedade privada burguesa, seria realizada por meio do direito e das leis. Portanto, é no direito que ocorre a combinação entre a coerção universal e a liberdade individual, conciliando formalmente, mas não na realidade objetiva, essas contradições. Assim, uma vez que o

indivíduo “só pode ser livre na medida em que retira a liberdade de todos os outros: por meio

de uma submissão unilateral recíproca à autoridade da lei” (MARCUSE, 1972, p. 92), a liberdade objetiva só existe segundo a lei moral.

A necessidade e exigência de respeito, por parte de todos os indivíduos, à lei imposta pela universalidade leva à aceitação da sociedade tal como ela é. A universalidade representa os interesses privados e não coletivos. Nesse sentido, o fato da contradição entre liberdade e coação ser resolvida formalmente por Kant – na própria ideia de liberdade, ou seja, esta só existe sob a coação – tem como consequência a perpetuação da não liberdade.

Segundo Marcuse (1972), ao contrário de Kant, Hegel não reconhece a universalidade como expressão das liberdades individuais. Para Hegel, a universalidade na sociedade

5

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burguesa não é uma universalidade verdadeira, como forma de liberdade, pois ela nada mais é do que a referência recíproca dos indivíduos egoístas para a satisfação das necessidades privadas. A crítica a essa universalidade é decorrente da identificação que Hegel faz da dialética presente na sociedade burguesa: o aumento da acumulação de riquezas está diretamente relacionado ao aumento da miséria da classe obrigatoriamente ligada ao trabalho. Sendo assim, a liberdade para Hegel não é algo dado a priori ou um vir a ser, mas refere-se à própria realidade dos homens. Quanto à relação dos indivíduos com a autoridade, embora Hegel admita a necessidade de uma autoridade universal para a garantia da ordem social e, portanto, da propriedade privada, ele considera que essa autoridade não deva estar presente na sociedade civil, como considera Kant, visto que é composta por indivíduos com interesses próprios, mas no Estado. Este, segundo Marcuse (1972), é transformado por Hegel no portador incondicional da autoridade social e concebido como esfera independente da sociedade, em contraposição a ela, como superior a ordem social e econômica, escapando inteiramente ao poder dos indivíduos. A universalidade portadora da autoridade é personificada pelo Estado, que passa a estar acima de todas as condições empíricas. Nesse sentido, a liberdade do indivíduo, para Hegel, se realiza na obediência as leis do Estado. Hegel reconhece as contradições da realidade objetiva e as limitações da liberdade frente à mesma e, ao fazer isso, assim como Kant, reafirma que é na submissão à autoridade que se encontra a liberdade.

A relação de autoridade foi tratada pela filosofia burguesa, conforme aponta Marcuse (1972), como uma relação de dominação social e, portanto, negativa, uma vez que a autoridade foi colocada em contraposição à ideia de liberdade. Contudo, apesar da oposição à autoridade, a filosofia burguesa ao resolver formalmente a contradição entre esses polos opostos, por meio da unificação entre liberdade interior e não liberdade exterior, reafirmou a necessidade da submissão à ordem social como meio para a sua manutenção. Essa concepção é criticada por Marx; segundo Marcuse (1972), para Marx, a autoridade deve ser tratada a partir do seu significado social e não como autoridade em si mesma. Assim, a autoridade, como uma relação de dependência, deve ser compreendida como tal no processo capitalista de produção, pois somente a partir dessa contraposição é que será possível identificar as funções gerais da autoridade. Marx identifica que no processo capitalista de produção, a autoridade tem como função a dominação posto que é uma condição para a exploração. Nesse processo, a autoridade torna-se a personificação do próprio capital.

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por mediar, supervisionar e dirigir as atividades decorrentes da divisão do trabalho. Todavia, essa direção acaba por adquirir uma forma despótica enquanto os meios de produção se encontram em propriedade do capitalista. A dominação autoritária passa a ser uma exigência para a concretização do processo de produção, cujo objetivo é aumentar a produção de mais-valia por meio da exploração da força de trabalho. Essa configuração da autoridade, segundo Marx, ocorre em parte por si mesma, como elemento indispensável do processo de produção capitalista, e em parte como prática dos grupos dominantes que, por meio das leis, conseguem preservar a situação existente na qual são dominantes, se apropriando de forma privada da riqueza social. Quanto à liberdade do indivíduo, Marx aponta que, na sociedade burguesa, baseada na produção de mercadorias, na qual os indivíduos se apresentam como compradores e vendedores abstratos de mercadorias, a liberdade do homem em relação a si mesmo se limita à liberdade de vender a sua força de trabalho para poder viver. Sendo assim, a liberdade somente se realiza na propriedade privada, estando sujeita as situações de mercado. Por conseguinte, a liberdade, para Marx não se realiza na liberdade transcendental, na existência interior, mas na superação dessa situação, o que significa superar o reino das necessidades.

De acordo com Marcuse (1972), a liberdade possível no reino das necessidades é concebida por Marx como forma de transformação social, como tarefa de organização social consciente, na qual está incluída a felicidade terrena dos homens decorrente da superação da servidão e do alcance de condições mais dignas e adequadas à natureza humana. A forma de liberdade mais superior possível se expressaria no desenvolvimento das potencialidades humanas como objetivo em si mesmo, independente das pressões exteriores. Para que a liberdade se realize, Marx identifica a necessidade das seguintes condições:

A liberdade nesse terreno só pode consistir em que o homem socializado, os produtores associados, regulem racionalmente seu intercâmbio material com a natureza, coloquem-no sob seu controle social, ao invés de serem por ele dominados como uma força cega; realizem-no com a menor aplicação possível de esforço e sob as condições mais dignas e adequadas à natureza humana (MARX apud MARCUSE, 1972, p. 134).

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uma autoridade que é inseparável da organização em geral da sociedade. Essa autoridade está baseada em condições racionais, como a disciplina do trabalho, necessária a qualquer organização social. A estrutura da autoridade na sociedade de classes, como forma de exploração e dominação, segundo Engels, será superada quando a sociedade de classes desaparecer. Em uma nova forma de organização social, as funções políticas perderiam seu caráter político, limitando-se as funções administrativas em defesa dos interesses sociais de toda a comunidade. De acordo com Marx, a superação da organização social burguesa significaria a superação de uma universalidade aparente, na qual a unificação dos indivíduos significa a não liberdade universal. Essa superação possibilitaria a universalidade verdadeira, aquela em que os indivíduos em associação exigem a sua liberdade e o desenvolvimento livre de cada um passa a ser a condição para o desenvolvimento livre de todos. A filosofia burguesa compreendeu o universal como um poder separado, estranho e independente da vontade e da ação dos indivíduos e a autoridade é colocada em contraposição à liberdade. Essa concepção também está relacionada ao conceito de indivíduo desenvolvido pela filosofia burguesa.

1.3 O INDIVÍDUO NA SOCIEDADE BURGUESA: A DIALÉTICA PRESENTE NA

RELAÇÃO ENTRE INDIVÍDUO E SOCIEDADE

O conceito de indivíduo, desde o seu aparecimento, conforme apontam Horkheimer e Adorno (1973), quis sempre designar algo concreto, fechado e autossuficiente. Essa concepção foi enunciada com clareza, pela primeira vez, por Leibniz por meio da teoria das mônadas. De acordo com essa teoria, o indivíduo se caracterizaria como “um centro

metafísico de força, fechado em si mesmo, dissociado do resto do mundo, uma mônada

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entidade metafísica fixa e independente das condições existenciais da sociedade, considerado isolado e perfeito em si, capaz de tudo por seus próprios meios.

Embora a teoria crítica da sociedade reconheça a importância do conceito de indivíduo, tal como defendido pela filosofia burguesa, como um ser capaz de, por meio da razão, defender seus interesses em oposição às imposições do mundo exterior, a crença na independência radical do indivíduo em relação à sociedade e à natureza, contudo, é criticada. Para os autores frankfurtianos, não é possível considerar os indivíduos como seres absolutos

em si posto que “a vida humana é, essencialmente e não por mera casualidade, convivência”

(HORKHEIMER; ADORNO, 1973, p. 47). Assim, antes mesmo do homem ser um indivíduo, na relação com outros homens ele é um semelhante. Sobre esse aspecto os autores apontam que:

Se o homem, na própria base de sua existência, é para os outros, que são os seus semelhantes, e se unicamente por eles é o que é, então a sua definição última não é a de uma indivisibilidade e unicidade primárias, mas, outrossim, a de uma participação e comunicação necessárias com os outros (HORKHEIMER; ADORNO, 1973, p. 47).

A concepção defendida pela teoria crítica da sociedade de que o homem antes de ser um indivíduo é um membro pertencente a uma sociedade e, portanto, primeiramente um semelhante está expressa no conceito de pessoa. Segundo Horkheimer e Adorno (1973), o conceito personalista da pessoa tem suas raízes nos dogmas cristãos, no que se refere à imortalidade da alma, e significou um momento do desenvolvimento histórico do indivíduo

encontrando sua expressão social, sobretudo, na Reforma Protestante. “A definição do homem

como pessoa implica que, no âmbito das condições sociais em que vive e antes de ter consciência de si, o homem deve sempre representar determinados papeis como semelhante

de outros” (HORKHEIMER; ADORNO, 1973, p. 48). Assim, considerando a pessoa como uma categoria social, com caráter funcional, não é possível chegar ao indivíduo puro, visto que este adquire significado em relação ao contexto social e na relação com a natureza.

De acordo com Horkheimer e Adorno (1973), a concepção de que o homem só o é na convivência com outros e, portanto, de que indivíduo e sociedade se relacionam reciprocamente, já estava presente no pensamento de Platão e Aristóteles. Essa ideia foi, posteriormente, retomada por Kant. Para o filósofo fazer parte da sociedade civil é uma necessidade humana, uma vez que o desenvolvimento de toda a potencialidade natural do

homem depende da convivência em sociedade. Kant, todavia, afirma que “a condição desse desenvolvimento não é apenas a convivência como tal, mas uma convivência organizada”

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No que se refere ao processo de individuação, os autores apontam que “só é indivíduo

aquele que se diferencia a si mesmo dos interesses e pontos de vista do outros, faz-se substância de si mesmo, estabelece como norma a autopreservação e o desenvolvimento

próprio” (HORKHEIMER; ADORNO, 1973, p. 52). Assim, na interação com a sociedade, com sua estrutura dotada de leis próprias, nas relações concretas é que o indivíduo adquire seu conteúdo e forma. Essa dialética presente na interação entre indivíduo e sociedade, segundo os autores, pode ser observada nas transformações sociais ocorridas a partir da revolução técnica na indústria, em que a sociedade burguesa desenvolveu um dinamismo social baseado nos princípios de concorrência e lucro que afetou diretamente o indivíduo, uma vez que este

passou a ser obrigado “a lutar implacavelmente por seus interesses de lucro, sem se

preocupar com o bem da coletividade” (HORKHEIMER; ADORNO,1973, p. 55).

A interação entre indivíduo e sociedade também é discutida por Marcuse (1999). De acordo com o autor, as transformações ocorridas na forma de organização da sociedade, como expressão do desenvolvimento tecnológico e da racionalização no processo de produção capitalista, influenciaram diretamente a individualidade do homem. No ápice do liberalismo, segundo Marcuse (1999), o indivíduo estava submetido a uma sociedade caracterizada pelo individualismo e por certa forma de vida em que o indivíduo, por meio da sua racionalidade e da liberdade de pensamento, era considerado capaz de encontrar formas de vida, tanto pessoal como social, adequadas ao desenvolvimento total de suas faculdades e habilidades. Essa

forma de vida foi denominada pelo autor como racionalidade individualista. Para o autor, “o

princípio desta sociedade era que todos deveriam receber de acordo com seu livre desempenho na divisão social do trabalho, e que a busca pelo interesse próprio deveria ser o princípio motor de todo desempenho [...]” (MARCUSE, 1999, p. 120). O indivíduo, sob a influência da racionalidade individualista, buscava seu interesse próprio baseado na ideia de que seu interesse era racional e, diante disso, tinha de superar todo o sistema de ideias e valores que lhe era imposto pela sociedade. Do ponto de vista econômico, considerando que no processo de produção capitalista a aquisição e a utilização de riqueza dependem do trabalho competitivo, a racionalidade individualista pressupunha um ambiente social adequado em que os indivíduos tivessem a possibilidade de exercer, por meio do seu trabalho, a livre concorrência. Esse ambiente propício era a sociedade liberal.

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decorrência do processo de mecanização e racionalização do trabalho, em que os competidores mais fracos foram forçados a se submeterem ao domínio das grandes empresas da indústria mecanizada. Como consequência desse processo o sujeito econômico livre foi abolido e o aparato do poder tecnológico – entendido como as instituições, dispositivos e organizações da indústria em sua situação social dominante, que se transformou em poder econômico – foi responsável por afetar toda a racionalidade daqueles a quem serve. A racionalidade tecnológica, segundo o autor, se caracteriza como um modo difundido de

pensamento que “estabelece padrões de julgamento e fomenta atitudes que predispõem os homens a aceitar e introjetar os ditames do aparato” (MARCUSE, 1999, p. 77). Sob a forma de vida ditada pela racionalidade tecnológica, conforme aponta Marcuse (1999), a individualidade do homem e, portanto, a sua capacidade de se opor frente às imposições externas, que se contrapõem aos seus interesses, não desapareceu, mas foi submetida a uma organização e coordenação em larga escala; isso em decorrência da racionalização do aparato que se estendeu a toda a sociedade e acabou por padronizar hábitos, comportamentos e disposições. Nesse sentido, Marcuse (1999, p. 73) aponta ainda que:

A tecnologia, como modo de produção, como totalidade dos instrumentos, dispositivos e invenções que caracterizam a era da máquina, é assim, ao mesmo tempo, uma forma de organizar e perpetuar (ou modificar) as relações sociais, uma manifestação do pensamento e dos padrões de comportamento dominantes, um instrumento de controle e dominação.

Na sociedade administrada, em que a mecânica da submissão se propaga da ordem

tecnológica para a ordem social, a “racionalidade se tornou tal poder social, que o indivíduo não poderia fazer nada melhor do que adaptar-se sem reservas” (MARCUSE, 1999, p. 78), uma vez que basta ao homem seguir as instruções ditadas pela racionalidade para ser bem sucedido. Para o autor:

Não há saída pessoal do aparato que mecanizou e padronizou o mundo. É um aparato racional, combinando a máxima eficiência com a máxima conveniência, economizando tempo e energia, eliminando o desperdício, adaptando todos os meios a um fim, antecipando as consequências, sustentando a calculabilidade e a segurança (MARCUSE, 1999, p. 80).

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1.4AUTORIDADE E LIBERDADE SOB A RACIONALIDADE TECNOLÓGICA

A filosofia burguesa, ao considerar o indivíduo como um ser perfeito em si, dependente apenas da sua vontade e razão, dissociado das condições de existência na sociedade, e, portanto, também da natureza, admitiu a possibilidade de realização, mesmo que interior, da sua liberdade por meio da oposição à autoridade. No entanto, essa concepção é questionada pela teoria crítica da sociedade na medida em que:

Justamente neste fato filosófico, de que o indivíduo não é compreendido na sua interligação com a sociedade e natureza, mas abstratamente e é alçado a um ser puramente espiritual, um ser que agora deve pensar e aceitar o mundo como princípio eterno, mesmo que seja como expressão de sua própria essência verdadeira, reflete-se a imperfeição de sua liberdade: a impotência do indivíduo numa realidade anárquica, dilacerada por contradições e desumana (HORKHEIMER, 2008, p. 199-200).

Segundo Horkheimer (2008), as autoridades foram derrubadas, tal como defendido pela filosofia burguesa, apenas aparentemente, pois o lugar do despotismo não foi ocupado pela liberdade, mas pela autoridade econômica. A liberdade no âmbito do processo de produção capitalista significou, em primeiro lugar, que os homens foram abandonados aos mecanismos de exploração, pois a liberdade que ambas as partes da relação trabalhista (patrão e empregado) parecem ter não se confirma, posto que as condições para entrar nessa relação não são as mesmas. Assim, ao se sujeitar à vontade particular do empresário, o trabalhador está admitindo a autoridade dos fatos econômicos. Contudo, essa autoridade econômica é

mascarada na medida em que a “diferença entre rico e pobre é condicionada socialmente,

imposta e mantida pelos homens e mesmo assim apresenta-se como se fosse necessária por natureza, como se os homens em nada pudessem modificá-la” (HORKHEIMER, 2008, p. 205).

(32)

autoridade, baseada em dados econômicos, mas apenas que deve haver uma autoridade

“qualquer”, identificada como a autoridade pública, que força os indivíduos à subordinação ao Estado e lhes tira o poder de decisão. Portanto, para o autor:

Na era burguesa, a história não parece uma luta conscientemente travada da humanidade com a natureza e o desenvolvimento permanente de todas as suas faculdades e potencialidades, mas um destino sem sentido, perante o qual o indivíduo pode comportar-se com maior ou menor habilidade, de acordo com sua situação de classe (HORKHEIMER, 2008, p. 201).

A relação que os indivíduos estabelecem com a autoridade na sociedade, segundo os autores da teoria crítica da sociedade, é mediada pela família. Horkheimer (2008) aponta que no curso da evolução, a família, como instituição mediadora, tem influenciado de forma decisiva na formação psíquica da maior parte dos indivíduos e desempenhado a função de reproduzir entre os seus membros os caracteres humanos exigidos pela vida social como, por exemplo, o comportamento autoritário do qual depende amplamente a sobrevivência da ordem burguesa. A influência exercida pela família sobre os impulsos e paixões, as disposições do caráter e os modos de reação são condicionadas pelas relações de poder que nela se estabelecem e pelas relações com toda a estrutura da sociedade. Segundo Horkheimer (2008), a família, ao demarcar a diferença entre pai e filho, antecipa para a criança a estrutura de autoridade presente na realidade externa ao ambiente familiar. Assim, as diferenças que os indivíduos encontram no mundo, como a pobreza e a riqueza, passam a ser naturalizadas. O poder e o respeito ao pai na família burguesa deve-se a sua força física natural e a sua qualidade aparentemente inata de provedor. Nesse sentido, a autoridade do pai não está relacionada à realidade concreta, as suas possíveis características, como o senso de trabalho, a disciplina, a perseverança, o uso da razão, entre outras, mas é sustentada por aspectos

religiosos e metafísicos. “Na consciência da atualidade, a autoridade também não aparece

absolutamente como uma relação, mas como uma qualidade inevitável do superior, como uma

(33)

Todavia, embora a família como instituição mediadora seja constituída por uma estabilidade relativamente permanente, conforme aponta Horkheimer (2008), ela também sofre transformações em decorrência das mudanças sociais, uma vez que se mostra, em todos os momentos, dependente da dinâmica de toda a sociedade. Na família são refletidas todas as contradições e crises da sociedade, e isso implica na execução cada vez pior de suas funções, consideradas em si necessárias, como a educação, ou na extinção de algumas delas ao longo da história, como, por exemplo, a função de se constituir como a entidade principal de produção. Horkheimer (2008) aponta ainda que o desenvolvimento industrial influenciou de forma decisiva a família; essas mudanças decorrem da tendência originária da própria economia para a dissolução de valores e instituições culturais que se apresentam em contradição com a estrutura econômica.

Segundo Horkheimer e Adorno (1973), a família na sociedade burguesa, cujo ordenamento total é baseado no sistema de troca e no racionalismo individual dos homens no trabalho, é anacrônica. Sua condição, como instituição anacrônica, decorre do elemento irracional presente na família, o princípio do sangue, do parentesco natural, dentro de uma sociedade industrial, orientada por uma ordem racionalista, em que todas as relações estão baseadas no principio calculista da oferta e da procura.

Horkheimer e Adorno (1973) afirmam ainda que a família está submetida a uma dinâmica de caráter duplamente social, pois ao mesmo tempo em que integra e adapta o indivíduo à sociedade, também pode atuar como uma espécie de refúgio, um espaço de resistência, de autonomia, se colocando numa posição de antagonismo frente ao ordenamento social. De acordo com Horkheimer (2008), diferente do que ocorre na vida pública, na família os indivíduos não estão submetidos à lógica do mercado, lugar onde se enfrentam como concorrentes, mas podem atuar também como pessoas. Assim, se, por um lado, somente a

família foi capaz de cumprir a função de “causar nos indivíduos uma identificação com a

autoridade, idealizada como ética do trabalho” (HORKHEIMER; ADORNO, 1973, p. 137), necessária à adaptação dos homens a condição de assalariados separados do poder de controle dos meios de produção, por outro lado, ela própria foi atingida por essa dinâmica social, deixando de garantir de forma segura a vida material de seus membros e de proteger

suficientemente o indivíduo contra o mundo externo. Segundo os autores, portanto, “a crise da

família é de origem social e não é possível negá-la ou liquidá-la como simples sintoma de degeneração ou decadência. Enquanto a família assegurou proteção e conforto aos seus

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Quando a pressão não era demasiado severa e, sobretudo, quando se fazia acompanhar pela doçura materna, desenvolviam-se homens capazes de, quando necessário, procurar os defeitos – mesmo neles próprios; homens que haviam formado, segundo o modelo paterno, um espírito de independência, de amor à livre escolha e à disciplina interior; homens que sabiam manifestar e praticar tanto a liberdade como a autoridade (HORKHEIMER; ADORNO, 1973, p. 145).

Com a crise na família, segundo Horkheimer e Adorno (1973), a autoridade paterna foi transferida para autoridades externas, o que contribuiu para a atomização dos indivíduos na sociedade. No entanto, essa sociedade não foi capaz de substituir satisfatoriamente a ação econômica e educativa do pai e tampouco de garantir a liberdade do indivíduo que poderia, em certas condições, ser cultivada pela família. A busca do indivíduo pela liberdade, por meio da luta contra as autoridades tradicionais, portanto, não se concretizou na realidade objetiva, posto que continuou subordinado a verdadeira autoridade, baseada no poder econômico perpetuado pelas relações de dominação presentes na sociedade. A autoridade verdadeira,

segundo os autores, é invisível, “tornou-se [...] mais abstrata e, portanto, cada vez mais implacável e desumana” (HORKHEIMER; ADORNO, 1973, p. 145-46).

De outra parte, nessa sociedade, contudo, de acordo com Marcuse (1999), a falta de liberdade é confortável, visto que a racionalidade tecnológica, desenvolvida na civilização industrial, permitiu uma organização racional da vida, garantindo padronização, previsibilidade e segurança de tal forma que protestar contra ela pareceria, além de inútil,

irracional. Dessa forma, sob a racionalidade tecnológica “o homem não sente esta perda de

liberdade como o trabalho de alguma força hostil e externa; ele renuncia à sua liberdade sob

os ditames da própria razão” (MARCUSE, 1999, p. 82). O homem por meio da própria razão admite que a submissão é voluntária e inerente ao processo da vida social. Assim, a autonomia antes valorizada pela racionalidade individualista aparece, agora sob a racionalidade tecnológica, segundo Marcuse (1999), como um obstáculo. Ao invés de estímulo a ação racional e a liberdade do indivíduo, o agir autônomo limitou-se apenas à seleção dos meios mais adequados para alcançar uma meta que ele próprio não determinou.

Nesse sentido, a “independência de pensamento, autonomia e direito à oposição política estão

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Essas novas modalidades só podem ser indicadas em termos negativos porque importariam a negação das modalidades comuns. Assim, liberdade econômica significaria liberdade de economia – de ser controlado pelas forças e relações econômicas; liberdade de luta cotidiana pela existência, de ganhar a vida. Liberdade política significaria a libertação do indivíduo da política sobre a qual ele não tem controle eficaz algum. Do mesmo modo, liberdade intelectual significaria a restauração do pensamento individual, ora absorvido pela comunicação e doutrinação em massa, abolição da “opinião pública” juntamente com os seus forjadores (MARCUSE, 1982, p. 25).

Para Marcuse (1999), portanto, a civilização industrializada contém em sua própria racionalidade a irracionalidade. Assim, ao mesmo tempo em que a racionalidade possibilitaria aos homens, por meio do desenvolvimento tecnológico, o fim da escassez, a autonomia e, assim, o livre desenvolvimento das potencialidades humanas, também é responsável por tornar o destino material das massas cada vez mais dependente do funcionamento contínuo e correto da crescente ordem burocrática das organizações capitalistas privadas. O progresso tecnológico, contudo, não é em si a dominação das coisas e dos homens sobre os homens, uma vez que em outra forma de organização social ele seria condição fundamental para a livre realização humana, conforme aponta Marcuse (1999). No entanto, quanto mais racional, produtiva e técnica se torna a administração da sociedade repressiva, mais difícil torna-se para o indivíduo submetido à administração totalitária romper com a sua servidão, uma vez que toda libertação depende da consciência da não liberdade (MARCUSE, 1982). A autodeterminação e autonomia, de acordo com Marcuse (1970), entendida como a capacidade do indivíduo de determinar o que fazer ou não, o que tolerar ou não, ainda não foi possível nem mesmo nas mais livres das sociedades existentes. E a liberdade, ao contrário do que defende a filosofia burguesa, não seria realizada pelo indivíduo privado, mas em conjunto com todos os demais indivíduos. Nesse sentido, sinaliza o autor:

O problema de tornar possível a harmonia entre cada liberdade individual não consiste em encontrar uma acomodação entre concorrentes, ou entre liberdade e lei, entre o interesse geral e individual, entre o bem-estar comum e o privado numa sociedade tradicional, mas de criar uma sociedade em que o homem não seja mais escravizado pelas instituições que, desde o início, viciam a autodeterminação (MARCUSE, 1970, p. 92).

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Tabela 1   Pontuação  média  alcançada  no  IDEB  referente  ao  Ensino  Fundamental (ciclo I) ............................................................................
Tabela 1. Pontuação média alcançada no IDEB referente ao Ensino Fundamental (ciclo I)
Tabela  3.  Composição  do  IDH  nos  distritos  da  cidade  de  São  Paulo  onde  se  localizam  as  escolas pesquisadas, com maior e com menor valor
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