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2 DA SOCIEDADE EM REDE, A (WEB)CIDADANIA: O RETRATO DE UM PROJETO EM PROL DE UMA SANTA MARIA EFETIVAMENTE NOSSA

2.2. A DEMOCRACIA E A WEBCIDADANIA

A democracia tem sua origem na Grécia Antiga, sendo sua etimologia relacionada a “demos”, cujo significado está diz respeito a povo e “kratos” que, por sua vez, está relacionado a “domínio, poder”. Possui, em seu significado, o “poder do povo” ou “governo do povo”.

Sendo desenvolvida em Atenas, cidade de destaque na Grécia Antiga, nos primórdios deste sistema de governo, a democracia não era um privilégio de todos os cidadãos. Em sua forma antiga, era um sistema limitado, visto que, por exemplo, estrangeiros, escravos e mulheres não atuavam nas decisões políticas da cidade.

Exercida na maioria dos países, este regime político em que todos os cidadãos elegíveis participam igualmente, em um governo do povo, pelo povo e para o povo, ainda hoje precisa se consolidar. E a sociedade em rede, como não poderia deixar de ser, parece ter um papel fundamental.

Agora, buscando o entendimento da interconexão daquela, da consequente e necessária webcidadania e da já referida democracia, recorre-se, inicialmente, à Jean Pierre Leroy, que define a democracia como sendo:

... a busca e a construção permanentes de acordos e a gestão democrática dos dissensos de forma a assegurar a possibilidade de convivência entre classes e setores sociais e a execução de políticas que permitem a todos viver com dignidade. (LEROY, 2010, p. 64 apud LIMA, 2015, p. 180).

No Brasil, a Constituição, denominada “cidadã” (GUIMARÃES, 1988), promulgada no ano de 1988, apresenta, em seu artigo sexto (6º), na seção dos direitos fundamentais, os seguintes direitos sociais: educação, alimentação, trabalho, moradia, lazer, segurança, dentre outros.

No entanto, essas garantias, muitas vezes, não são encaradas pelos cidadãos como “direitos”, visto que muitos dos irmãos da nação têm o direito à vida afetado ou negado, dada à situação expressiva de vulnerabilidade física, social, econômica e cultural. Sobre isso, Santos (2007) faz uma reflexão, justamente, relacionando o uso desses “direitos” à conquista pessoal e não como direitos, de fato, sociais.

Canclini (2009) pode ser somado a esse apurado de reflexões, dada a sua mostra de que se conquista o umbral da cidadania não só obtendo respeito às diferenças, mas contando com os “mínimos competitivos em relação a cada um dos recursos capacitadores” (CANCLINI, 2009, p. 103) para participar da sociedade: trabalho, saúde, poder de compra e os outros direitos socioeconômicos, junto com a “cesta” educativa, informacional, de conhecimentos. Ou seja, as capacidades que podem ser usadas para conseguir melhor trabalho e maior renda.

Agora, com a evolução das tecnologias e o uso cada vez mais popularizado da Internet, a cobrança dos cidadãos em busca de um nivelamento desses “direitos” tornou-se mais evidente, seja pela maior disseminação das notícias ou pelo natural estreitamento de distâncias.

Trata-se de um desafio a ser superado, tanto pelo “poder constituído” como também pelo povo, por meio da sua voz agora potencializada pelo universo digital. De fato, “consciente da sua relevância na produção da decisão política, o eleitor exerce a cidadania por intermédio de todos os instrumentos que a sofisticada tecnologia colocou à disposição” (CAGGIANO, 2012, p. 402).

E, como forma de regular, não apenas a Internet, mas as relações interpostas através das plataformas de relacionamento, novas leis são lançadas, buscando-se, delas, um melhor entendimento e usabilidade. Em 2011, por exemplo, houve a consolidação da Lei nº 12.527 (BRASIL, 2011), garantido o acesso às informações públicas. Mais recentemente, a Lei nº 12.965, de 23 de abril 2014 (BRASIL, 2014), estabelece os princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil.

Mas, ainda assim, é inevitável relembrar que Castells (2003) alertava que “num mundo de crise generalizada de legitimidade política e de indiferença dos cidadãos por seus representantes, pouco se apropria do canal de comunicação interativo, multidirecional, fornecido pela Internet, de ambos os lados da conexão” (CASTELLS, 2003, p. 129).

De fato, e talvez contraditório quando somada às considerações anteriores, “a Internet não pode fornecer um concerto tecnológico para a crise de democracia” (CASTELLS, 2003, p. 129) E, nessa vertente de Castells (2003), Lorencini (2011) relata que os avanços da era digital sob aspecto político também têm seus efeitos colaterais. Estes, contudo, são decorrentes mais do mau uso das ferramentas disponíveis do que propriamente de sua existência.

Há uma carência, talvez, da educação enquanto processo de transformação. no que concerne à formação e o (re)conhecimento dos cidadãos como, efetivamente, cidadãos. O francês Edgar Morin, um dos maiores pensadores da cultura no século XX, por meio de suas reflexões, repensando a educação do século XXI, apontou que “a educação deve contribuir não somente para a tomada de consciência da nossa "terra-pátria", mas também permitir que esta consciência se traduza em vontade de realizar a cidadania terrena” (MORIN, 2000, p. 18).

Gadotti (1999) dizia, anteriormente, mas dentro desse contexto de pensamento, que educar significa formar para a autonomia, isto é, para se autogovernar. Segundo o autor:

... um processo educacional somente será verdadeiramente autônomo e libertador se for capaz de preparar cidadãos críticos, dotados das condições que lhes permitam entender os contextos históricos, sociais e econômicos em que estão inseridos. (GADOTTI,1999, apud ESAF, 2009, p. 22)

Essa afirmação e a consequente reflexão sobre a educação permitem apontar que, do entendimento, oportuniza-se o desencadeamento da participação. E, talvez,

porque não dizer, uma participação verdadeiramente possível, a saber: ativa e, por conseguinte, cidadã. Retomando Leroy (2010), inclusive, ele destaca que essa participação cidadã é vista como um processo capaz de gerar uma dinâmica de organização social por meio do fomento à intervenção da população nas políticas públicas.

Leroy afirma que democracia participativa, por sua vez, significa também querer assumir responsabilidades e saber que haverá cobranças por isso. E é nesse contexto de ação e reação, mais precisamente de metas propostas e metas conquistadas, da possibilidade de acompanhamento em tempo real, dada a conjuntura da sociedade em rede, que parece se configurar e legitimar-se uma nova proposta ou oportunidade de construir o país em que se quer viver. E mais: de pertencer ao país, estado, cidade, bairro, rua, condomínio, família; de substituir a postura passiva pela ativa na resolução de problemas e, finalmente, de que se é parte importante no eixo da vida pública.

Do período de campanhas eleitorais no Brasil à indignação acerca de cenários e corrupção política e comportamento do outro, parece que se acordou para o potencial da Internet. Parece haver estratégias e equipes para fisgar o voto na rede, mas também para apoiar e promover iniciativas de bem, de organizações governamentais ou não, na quais ideias individuais passam a ter um apelo coletivo.

A web passa, por esses e outros tantos exemplos que poderiam ser promovidos, enfim, a ajudar o cidadão a participar da vida pública e a fiscalizar a classe política, e não só ela. Antes meros receptores de informação, através das mensagens de políticos e partidos, empresas e organizações de toda ordem, agora as pessoas passam a ser ativas no processo político através da reivindicação de suas demandas. O que seria colocado no papel, discutido por telefone, colocado em voga em carros de som ou pauta de reuniões extensas, é lançado a um clique como um verdadeiro start para o fortalecimento do exercício da cidadania.

O problema, contudo, está no intenso fluxo e na forma como as informações atingem as pessoas, ou, efetivamente, são transformadas em ação. E aí é possível enquadrar, em contraponto, mais uma reflexão de Castells (2003): “os cidadãos não veem muito sentido em gastar energia em indagações políticas, exceto quando atingidos por um evento que desperta sua indignação ou afeta seus interesses pessoais” (CASTELLS, 2003, p. 129).

Nesse contexto e diante dessa afirmação, ainda que, conforme o próprio Castells (2003) afirma, “a Internet ponha as pessoas em contato numa ágora pública, para expressar suas inquietações e partilhar suas esperanças” (CASTELLS, 2003, p. 135), o controle pelo povo é a questão política mais fundamental suscitada pelo seu desenvolvimento.