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Mapa 27 Presença Presbiteriana no Estado do Acre

4. DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS

Como uma igreja histórica, algumas coisas da realidade atual da sociedade se apresentam como grandes desafios. Talvez, a grande pergunta que se faça hoje é a seguinte: O que a IPB pode fazer para se tornar relevante para a sociedade contemporânea? Isto se revela como um grande desafio, visto que a igreja pode perder o seu propósito adotando determinadas ações no intento de se tornar “relevante”.

Historicamente a IPB travou grandes batalhas combatendo temas que surgiram e que se caracterizavam como um risco para a sua estrutura histórica reformada. Um dos seus grandes enfrentamentos se deu contra o ecumenismo nas décadas de 1960 e 1970. Constata-se esta realidade através de decisões, tais como a do Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil de 1974 que traz a seguinte resolução:

SC - 1974 - DOC. XXXV:

Doc. XXI - Quanto ao Doc. 96 - Relatório e Atas do SBC - O Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil, resolve: Aprovar as atas e relatórios do SBC, destacando: 1) Quanto às atas o

reconhecer e apreciar as grandes realizações no

supervisionamento da obra; grande esforço e zelo na orientação dos concílios (Presbitérios) na melhor maneira de enfrentar os problemas resultantes das ideologias práticas do ecumenismo, do secularismo e da chamada renovação espiritual. Observa-se neste concílio, não só a orientação doutrinária segura, como também o cuidado em orientar os seus presbitérios e igrejas a acatarem as resoluções baixadas do Supremo Concílio e do próprio Sínodo; o cuidado constante através de comissões especiais para estudo das causas dos problemas surgidos, para esclarecimento e indicação de literatura que possa fortalecer o rebanho de Cristo, em face dos desafios ao testemunho de Cristo146.

146 SC - 1974 - DOC. XXXV: Doc. XXI - Quanto ao Doc. 96 - Relatório e Atas do SB. Disponível em: <http://se.icalvinus.net/icalvinus.php?d=1497011700165>. Acesso em: 15 maio 2017.

Com o passar dos anos e depois de muitos debates acerca do tema a igreja amadureceu e superou este problema, mantendo-se fiel às Escrituras Sagradas não somente com relação a este tema, mas sobre tantos outros, como, liberalismo, maçonaria e etc., que surgiram e exigiram uma resposta firme e convicta por parte da igreja.

Entretanto, outras épocas surgem e com elas novos conceitos, modelos e ideologias que desafiam a igreja quanto a uma resposta bíblica e um proceder fiel aos princípios da Escrituras, considerando que elas são a regra de fé e prática.

A Igreja está inserida na sociedade e por interagir diretamente com ela o tempo todo, tanto a igreja influencia quanto é influenciada pelas questões que impactam esta sociedade, tais como, a política, a economia, as mudanças sócio- comportamentais, movimentos populares promovidos por ideologias, surgimento e prática de seitas, e assim por diante. E, são estas coisas que se impõem como grandes desafios para a igreja, em especial, as de tradição histórica, visto que desafiam, em muitos momentos, os princípios caríssimos das Escrituras Sagradas. A sociedade experimenta sensíveis transformações desde os seus primórdios, contudo, tracemos um recorte à partir do século XVIII com o surgimento do que ficou conhecido como o Iluminismo. Este movimento originado na França no final do século XVII, atingindo o seu apogeu no século seguinte, defendeu uma substituição de paradigma, exaltando a razão em detrimento da fé. Os pensadores que abraçaram e defenderam os princípios iluministas, entendiam que o pensamento racional deveria se tornar os referenciais para o desenvolvimento da sociedade em substituição das crenças religiosas que, por sua vez, foram consideradas obsoletas e se caracterizavam como um fatal bloqueio para a evolução humana. Como assegurou Fortes: “o que caracteriza as luzes, além da valorização do homem [...] é uma profunda crença na razão humana e nos seus poderes”.147

Segundo Medeiros: “A natureza humana é o fundamento da moral e da religião iluminista. E a principal característica da natureza humana, em que todos

147 FORTES, Luiz Roberto Salinas. O Iluminismo e os Reis Filósofos. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1985. p. 9. (Coleção Tudo é História 22).

os iluministas concordam, é a sua racionalidade.”148 Com isso, os referenciais

morais e éticos deixam de ser a revelação, ou a Bíblia, passando a ser a natureza humana. Sendo assim, é através da razão que se chega ao conhecimento da lei da natureza que, por sua vez, estabelece o norte para o indivíduo: “É a natureza que fornece as leis da lógica, como também da vida social, e unifica toda a ordem das relações e finalidades humanas. É baseando-se na natureza que o homem dirige seus interesses”149 . Pretendia-se, portanto, a libertação da humanidade

daquilo que entendiam ser os grilhões da sociedade, conforme resume Harvey:

O desenvolvimento de formas racionais de organização social e de modos racionais de pensamento prometia a libertação das irracionalidades do mito, da religião da superstição, liberação do uso arbitrário do poder, bem como do lado sombrio na própria natureza humana.150

Não há dúvidas de que houve significativos avanços para a sociedade neste período, principalmente, no que diz respeito a indústria e a economia. Entretanto, no que diz respeito à religião, embora, o objetivo de se desconstruir os fundamentos em que se fundamentam a Igreja não tenha logrado pleno êxito, houve algum prejuízo, visto que, de alguma maneira o espírito iluminista do humanismo exacerbado conseguiu penetrar às portas da igreja produzindo um assolador movimento denominado liberalismo teológico.

O liberalismo teológico nega a autoridade das Escritura, nega o sobrenatural narrado nas Escrituras e, portanto, não crê nos milagres bíblicos; entendem que a ressurreição de Cristo trata-se de uma interpretação subjetiva que os discípulos fizeram no evento pós páscoa do Jesus histórico transformando no Cristo da fé. Como fruto do iluminismo, os liberais só podem aceitar como verdade o que a sua mente entende. Michael Horton, prefaciando o livro Cristianismo e Liberalismo de J. Gresham Machen alega que:

148 MEDEIROS, Alexsandro M. Consciência Política: Iluminismo. Disponível em:<http://www.portalconscienciapolitica.com.br/filosofia-politica/filosofia- moderna/iluminismo/>. Acesso em: 11 de maio 2017.

149 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. 11. ed. Brasília: Editora UnB, 1998. Vol. I. p. 607.

150 HARVEY, David. Parte I: Passagem da modernidade à pós-modernidade na cultura contemporânea. In:. Condição Pós-Moderna. 11 ed. São Paulo: Loyola, 2002. p. 23.

O liberalismo representa a fé na humanidade, ao passo que o cristianismo representa a fé em Deus. O Primeiro é não- sobrenatural, o último é absolutamente sobrenatural. Um é a religião da moralidade pessoal e social, o outro, contudo, é a religião do socorro divino. Enquanto um tropeça sobre a “rocha de escândalo” o outro defende a singularidade de Jesus Cristo. Um é inimigo da doutrina, ao passo que o outro se gloria nas verdades imutáveis que repousam no próprio caráter e autoridade de Deus151.

O liberalismo teológico, por suas características e epistemologia, poderia ser somente um movimento isolado ramificado, única e exclusivamente, no humanismo iluminista, mas não foi só isso, pois, ele não somente combateu à fé cristã histórica, como adentrou na cristandade travestido de ciência e com ares piedosos, enredando e destruindo igrejas por onde passou. Machen reitera que:

Uma crise terrível tem surgido, de forma inquestionável, na Igreja. No ministério das igrejas evangélicas são encontradas multidões daqueles que rejeitam o evangelho de Cristo. Pelo uso duvidoso de frases tradicionais, pela representação de diferenças de opinião como se fossem apenas diferenças sobre a interpretação da Bíblia, a entrada na Igreja foi assegurada àqueles que são hostis com relação às próprias bases da fé152.

Dito isto, percebemos que não há algo que seja mais desafiador para uma igreja histórica, cujas bases estão fincadas sobre verdades sólidas, sobre absolutos imutáveis e tradições seguras, do que filosofias e orientações que apregoam verdades relativas, relativismo prático e progressismo aleatório com ênfase no humanismo iluminista.

Como se já não bastassem estas questões inerentes ao liberalismo teológico, temos que lidar com questões contemporâneas que nos parecem ser sub- produtos do desenvolvimento dos ideais iluministas. O que por muitos tem sido chamado de período pós-moderno traz no seu escopo, características que se apresentam como um consequente desenvolvimento dos ideais da modernidade.

Há alguns conceitos sobre esta nomenclatura “pós-modernidade”. Alguns filósofos, defendem que o termo apenas denota o período contemporâneo

151 MACHEN, J. Gresham. Cristianismo e Liberalismo. Editora Os Puritanos, São Paulo, 2001. p. 08.

que, no momento, ainda não rompeu definitivamente com a Modernidade. O nome mais famoso que conceba este termo desta forma, talvez seja o de Foucalt; Habermas, concebe o período como sendo, efetivamente, a continuação da Modernidade. Ele defende a ideia de que na atualidade a sociedade está colhendo os frutos da Modernidade; há um terceiro conceito difundido, principalmente, pela Escola de Frankfurt que alega que neste período contemporâneo está explícito a marca da ruptura com a Modernidade. Entretanto, não firmaram que trata-se do período da pós-modernidade, apenas um período Antimodernidade; filósofos como Deleuze, Vattimo e Lyotard, defendem que a Modernidade foi superada e que a pós- modernidade marca um novo tempo em que, o que se busca, é uma nova maneira de pensar, pois, à partir da Modernidade, não é possível mais pensar filosoficamente de maneira metafísica.

Prosseguindo na tentativa de conceituação destes últimos tempos, destaca-se um sociólogo contemporâneo chamado Zygmund Bauman. Este sociólogo contemporâneo analisa à época atual fazendo uma crítica a pós- modernidade como herdeira ou elemento contíguo da Modernidade, inclusive escrevendo um livro que chamou de “O Mal-Estar da Pós-modernidade”, onde, de uma maneira objetiva ele faz uma comparação dos ideais de uma e de outra, chegando a conclusão de que vivemos um período em que nada pode ser definido de maneira absoluta, exceto a afirmação de que não há absoluto.

Portanto, para Bauman, o conceito que melhor define os tempos atuais não é pós-modernidade, mas, Modernidade Líquida. Ele chega a esta conclusão observando que hoje a prioridade reside em mais liberdade individual e menos segurança em estruturas sólidas. A contemporaneidade é marcada pela fascinação pela liberdade individual e um mundo caótico, amorfo, que não se preocupa com ordenação, e não distingue o que é puro do que não é. Vivemos num contexto onde as escolhas são necessárias a todo momento e são circunstanciais, sendo, portanto, uma vida multitransformacional.

O filósofo, escritor e poeta Ralph Emerson153 afirmou: “Vivemos como

se estivéssemos sobre uma camada fina de gelo, se pararmos ela racha, e quando ela racha a gente se afoga”.154 Relendo a frase, Bauman expressa-se da seguinte

maneira: “Atravessamos o inverno e a casca é fina, se andarmos devagar o chão racha”, e a sua intenção em trazer à lume esta frase é demonstrar, metaforicamente, que por ser inverno e estar tudo nublado, não temos referência e nem tempo para refletir sobre para onde ir, pois se pararmos, o fino gelo racha e morremos afogados no lago congelado. Na verdade, as pessoas contemporâneas não correm para lugar nenhum, simplesmente correm porque têm que correr.

Esta ideia forma a estrutura para o conceito de Modernidade Líquida, visto que há uma necessidade sempre iminente de adaptação. Bauman assevera que

Viver num mundo cheio de oportunidade – cada uma mais apetitosa e atraente que a anterior, cada uma “compensando a anterior, e preparando o terreno para a mudança para a seguinte – é uma experiência divertida. Nesse mundo, poucas coisas são predeterminadas, e menos ainda irrevogáveis. Poucas derrotas são definitivas, pouquíssimos contratempos, irreversíveis; mas nenhuma vitória é tampouco final. Para que as possibilidades continuem infinitas, nenhuma deve ser capaz de petrificar-se em realidade para sempre”.155

A grande reinvindicação desta época é a liberdade, o que Bauman chamou de busca da emancipação. O objetivo é o de que estejamos, como indivíduos, libertos dos grilhões que nos limitam do movimento e de nos sentirmos livre. Por esta razão, tudo o que se constitui como tradicional, sólido ou, ainda,

153 Ralph Waldo Emerson (1803-1882) foi um escritor, ensaísta, poeta e filósofo norte- americano. É um dos fundadores do movimento cultural denominado Transcendentalismo. Ralph Waldo Emers on (1803-1882) nasceu em Boston, nos Estados Unidos, no dia 23 de maio de 1803. Filho do Reverendo Willian Emerson, figura ilustre nas artes e na literatura que impulsionou o ambiente cultural de Boston e de Ruth Haskins com quem teve cinco filhos. Ficou órfão com oito anos de idade. Nos três anos seguintes, a mãe e as crianças continuaram morando na casa paroquial da Igreja. Apesar de a família ter passado por muitas necessidades, a preocupação da mãe com a educação dos filhos e a

influência intelectual da tia Mary Mood Emerson estiveram sempre presentes. Ralph foi estudar em Harvard, aos 14 anos de idade, obtendo a graduação quatro anos mais tarde, em 1821. Cf.

https://www.ebiografia.com/ralph_waldo_emerson/.

154 A pós-modernidade segundo Bauman. Disponível em:

<https://www.youtube.com/watch?v=UPh5qIf6Kd8> . Acesso em: 15 maio 2017.

155 BAUMAN, Zygmund. Modernidade Líquida. Tradução Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. p. 74

absoluto, não tem vez (na verdade se apresentam como inimigos) no mundo contemporâneo. Na prática, para usufruirmos de plena liberdade individual, as coisas não podem ter forma definitiva, elas devem se espalhar, ter fluidez nos seus movimentos. Conceitos que até então eram absolutos, tais como família, ja não são mais, pois hoje, o indivíduo que tem um relacionamento com a sua esposa e filhos (sem entrar em questões de relacionamentos de gênero, mas pensando ainda na estrutura tradicional), amanhã pode não o ter por opção, caso considere que este modelo ou estas pessoas, já não atendem as suas expectativas para que ele, como indivíduo, seja feliz.

Neste exercício de liberdade individual, embora haja consequências nas escolhas, tais consequências não se evidenciam como empecilho ou bloqueio que imponham uma desistência ou mudança por parte do indivíduo. Não importa o que pensa a sociedade e as suas regras (sólido), o que importam são as escolhas e opções pessoais do indivíduo (líquido) e, que tal indivíduo fluirá livremente moldando e sendo moldado. A crítica deixa de ser formadora de opinião e guia orientadora e passa a assumir um papel apenas de conselheira que, tanto faz ser ouvida ou não.

Obviamente que, mesmo divergindo em alguns pontos cruciais, o cerne da questão é que a Modernidade deixou marcas profundas e definitivas na sociedade e o período atual, seja pós-modernidade ou modernidade líquida, traz consigo marcas que continuam moldando a nossa sociedade e consequentemente a Igreja.

As igrejas de tradição histórica, tendem a sofrer mais com estas filosofias e comportamentos. A razão para isto ser assim se dá, justamente, porque as suas bases estão lançadas sobre fundamentos absolutos. Para a Igreja, o conceito de liquidez não se coaduna com a moral e os princípios das Escrituras que, por sua vez, se estabelece como a única regra de fé e conduta.

Historicamente as igrejas reformadas tem procurado crivar-se, como igrejas verdadeiras e não seitas ou instituições heréticas, observando em sua conduta as marcas que as caracterizam como tais. A Confissão Belga, tratando sobre o assunto estabelece a seguinte resolução: “A Igreja verdadeira é reconhecida pelas seguintes marcas: Ela pratica a pura pregação do evangelho; 3 mantém a pura administração dos sacramentos segundo Cristo os instituiu; 4 exercita a

disciplina na igreja para a correção e punição dos pecados.”156138.

Para a teologia reformada a liberdade não pode ser usada para afrontar a vontade e a santidade de Deus, o Criador e Sustentador de todas as coisas, e quando isto ocorre o que se evidencia é o pecado e a degradação da humanidade e, efetivamente, não produz a sua felicidade. Na verdade, o princípio de liberdade exarado das Escrituras é o de que o pecador remido pela obra de Jesus Cristo foi liberto da escravidão do pecado, que impunha ao ser humano uma condição e uma conduta adulterada do seu propósito original. Desta forma, o ser humano livre é aquele que não é mais conduzido por suas próprias inclinações, senão, pela direção do Espírito Santo para a Glória de Deus. Portanto, vivendo desta maneira o homem cumpre com o seu propósito e se deleita nisto, alcançando, outrossim, a almejada felicidade.

Portanto, observando estes fatos, percebe-se que um dos maiores desafios para as igrejas históricas e, em especial, para a Igreja Presbiteriana do Brasil, seja o de se manter convicta e fiel às Escrituras, vivenciando e aplicando os seus ensinamentos com zelo e firmeza. As ideologias contemporâneas circundam e permeiam a igreja, no entanto, o desafio é influenciar e não se deixar influenciar por suas falácias que tem por objetivo minar suas estruturas históricas, tradicionais e sólidas.

156 Confissão Belga. Disponível em: <http://reforma500.com.br/wp- content/uploads/2016/10/ Confiss%C3%A3o-Belga-1. pdf>. Acesso em: 20 abril 2017