• Nenhum resultado encontrado

Os Puritanos e os Avivamentos Norte-Americanos

Mapa 27 Presença Presbiteriana no Estado do Acre

2. ORIGENS HISTÓRICAS DO PRESBITERIANISMO BRASILEIRO

2.4. Os Puritanos e os Avivamentos Norte-Americanos

Os puritanos foram os primeiros colonizadores reformados do lugar que, mais tarde, foi denominado Estados Unidos da América. Eles chegaram à então Nova Inglaterra a partir de 1620, fincando as suas raízes, inicialmente, em Massachusetts, e depois em Connecticut. Esses puritanos, que tinham suas convicções calvinistas, e que foram os criadores da Igreja Congregacional, davam muita ênfase à experiência religiosa, especialmente à experiência de conversão. O zelo com relação ao testemunho foi uma das grandes marcas do Puritanismo Americano e foi, justamente, esta característica que, mais adiante, influenciou as diversas manifestações do protestantismo norte-americano.

A partir do século XVII outros grupos de calvinista se estabeleceram na Nova Inglaterra, dentre eles estavam os presbiterianos "escoceses-irlandeses" e reformados da Europa continental. A chegada destes irmãos foi importante para trazer um novo fôlego aos protestantes americanos que haviam tido certo esfriamento em seu fervor espiritual característico em seus primeiros anos em terras americanas. Segundo Matos:

Entre esses grupos, começou um notável avivamento nas primeiras décadas do século XVIII, especialmente na colônia de Nova Jersey.

O primeiro nome associado a esse avivamento foi o de Theodore J. Frelinghuysen (1691-1747), um pastor reformado holandês influenciado pelo movimento pietista. Pouco depois, outro ministro começou a ver notáveis resultados em conseqüência de suas pregações, o presbiteriano Gilbert Tennent (1703-1764). Estava iniciado o que ficou conhecido como o Primeiro Grande Despertamento62.

Segundo Mattos: “O auge destas intervenções soberanas de Deus foi o reavivamento ocorrido no século 18, de 1740 a 1743. Esse reavivamento ficou conhecido historicamente como O Grande Despertamento”63.Este título se justifica

por causa de sua extensão geográfica, visto que este evento não ficou restrito a uma cidade, mas ecoou pelas diversas colônias Americanas e, ainda, teve proporções

transcontinentais chegando à Inglaterra e Escócia.

Matos faz um resumo deste período destacando dois importantes nomes que, até os dias de hoje são, justamente, celebrados:

Dois nomes ficaram permanentemente ligados ao evento. O primeiro foi o de Jonathan Edwards (1703-1758), jovem pastor da Igreja Congregacional de Northampton, em Massachusetts. Em 1734, enquanto pregava uma série de sermões sobre a justificação pela fé, surgiu em sua região um avivamento que nos anos seguintes alastrou-se por toda a Nova Inglaterra. Além da sua pregação, profundamente bíblica e comprometida com a soberania de Deus, Edwards deu outra importante contribuição à causa do avivamento. Em um conjunto de escritos brilhantes, ele descreveu detalhadamente os fenômenos religiosos do seu tempo e fez uma série de análises extremamente perspicazes dos mesmos, destacando seus aspectos positivos e negativos. Dentre essas obras, destacam-se Fiel Narrativa da Surpreendente Obra de Deus (1737), Marcas Distintivas de uma Obra do Espírito de Deus (1741) e o grande clássico Tratado Sobre as Afeições Religiosas (1746). O outro importante personagem associado ao Primeiro Grande Despertamento foi o pregador inglês George Whitefield (1714-

62 MATOS, Alderi Souza. Os avivamentos norte-americanos. Disponível em: <http://www.thirdmill.org/ files/portuguese/35260~11_1_01_10-22-22_AM~Os_A vivamentos_Nort e.html>. Acesso em: 27 abril 2017.

63 MATTOS, Luiz Roberto França de. Jonathan Edwards e o Avivamento Brasileiro. São Paulo: Cultura Cristã, 2006. p. 35.

1770), que em 1740 fez uma memorável turnê evangelística através de várias colônias, encerrando-a na Nova Inglaterra. Durante meses, Whitefield, um calvinista convicto que inicialmente havia trabalhado com John Wesley, pregou quase todos os dias a auditórios que chegavam a oito mil pessoas. Essa campanha produziu um enorme impacto em todas as colônias, tornando-se o primeiro evento de amplitude "nacional" da história dos Estados Unidos64.

Para Gouvêa, este avivamento produziu resultados perceptíveis e deveras significativo para o evangelicalismo norte-americano: “Os resultados do avivamento foram sensíveis: aumentou o número de membros das igrejas existentes e novas igrejas surgiram. Começou, também, o interesse missionário pelos índios”6561

A sociedade americana em sua maioria era composta por presbiterianos e congregacionais que, neste período, aumentaram significativamente o seu poder religioso e, assim sendo, contribuíram para a independência americana.

Os presbiterianos e congregacionalistas, descendentes históricos diretos dos peregrinos puritanos, temiam que a Inglaterra estabelecesse a igreja oficial em todas as colônias, uma vez que isso já se dava em algumas delas… Daí a intensificação do desejo de cortar os vínculos políticos com a Inglaterra66.

Os anos se passaram e a Nova Inglaterra experimentou um dos momentos mais significativos de sua história. As questões políticas se intensificaram e assumiram o papel protagonista na história americana, resfriando o fervor religioso e culminando com a Revolução Americana e a Independência dos EUA em 1776. Matos afirma: “Esse período foi marcado por um acentuado declínio na atividade religiosa, uma vez que as pessoas estavam mais interessadas nas

candentes questões políticas da época”67. E, ainda, segundo Mendonça:

64 MATOS, Alderi Souza, op. cit.

65 MENDONÇA, Antonio Gouvêa. O Celeste Porvir: A Inserção do Protestantismo no Brasil. 3 Ed. São Paulo: edusp, 2008. p. 84.

66 Ibid. p. 84.

Em princípio do século XVIII, a efervescência religiosa e o puritanismo tinham declinado muito nas colónias. São diversas as causas desse enfraquecimento, mas à primeira vista surgem duas mais ou menos claras: a primeira contém motivos de ordem histórico- estrutural, como as lutas políticas com a Inglaterra, que desembocaram na Guerra da Independência, e o avanço do secularismo que vinha no bojo do Iluminismo; a segunda, motivos de ordem especificamente religiosa, como a teologia e a disciplina prevalecentes nas igrejas68.

Em torno do ano de 1800, iniciou-se o que ficou sendo conhecido como o Segundo Grande Despertamento. Embora este evento tenha se iniciado entre os presbiterianos do estado de Kentucky, especificamente, na região de Cane Ridge, ele foi mais abrangente em nível denominacional.

Além de mais vasto e complexo, esse despertamento diferiu do primeiro em outros aspectos importantes. Se o avivamento anterior limitou-se essencialmente aos presbiterianos e congregacionais, este atingiu todas as denominações, especialmente os batistas e os metodistas, que tiveram um crescimento vertiginoso e tornaram-se os maiores grupos protestantes da América do Norte. Outra diferença foi geográfica e social: enquanto que o primeiro despertamento ocorreu em áreas urbanas próximas ao litoral, o segundo irrompeu na chamada "fronteira," a região rural do meio- oeste com sua população móvel e sua instável organização social69.

Outro dado diferenciador e não menos importante tem a ver com os fundamentos teológicos deste segundo evento:

Enquanto que o movimento do século XVIII teve uma base solidamente calvinista, com sua ênfase na incapacidade humana e na iniciativa soberana de Deus, o Segundo Despertamento revelou uma orientação nitidamente arminiana, dando grande destaque ao potencial de escolha e decisão do ser humano. Essa característica, que combinava com os ideais de liberdade e iniciativa individual da jovem nação, encontrou sua expressão mais eloqüente no avivalista

68 MENDONÇA, Antonio Gouvêa, op. cit., p. 82. 69 MATOS, Alderi Souza, op. cit.

Charles G. Finney (1792-1875). Finney acreditava que o avivamento podia ser produzido através do uso de técnicas, denominadas "novas medidas", que incluíam apelos insistentes e carregados de emoção, aconselhamento pessoal dos decididos e séries prolongadas de

reuniões evangelísticas70.

Mendonça, citando Duncan A. Reily, alude ainda a dois outros fatores interessantes:

A mensagem metodista arminiana […] era mais condizente com a democracia fronteiriça do que a doutrina elitista de Calvino; quando o pregador metodista pregava, ele convidava “todo aquele que quer”; o calvinismo oferecia salvação só aos eleitos” E, continua: “O mesmo autor aduz ainda, como fator ponderável, a linguagem comunicativa dos pregadores metodistas, que, não tendo preparo acadêmico, era mais acessível ao povo do que os presbiterianos71.

O Segundo Grande Despertamento, portanto, proporcionou um considerável crescimento das igrejas e, um de seus frutos mais valiosos e duradouros foi o surgimento de um grande número de movimentos de natureza religiosa e social, denominadas "sociedades voluntárias".

Essas organizações estavam voltadas para causas como educação religiosa, abolicionismo, temperança, distribuição das Escrituras e, acima de tudo, missões nacionais e estrangeiras. Alguns exemplos marcantes, por ordem cronológica de fundação, são os seguintes: Junta Americana de Missões Estrangeiras (1810), Sociedade Bíblica Americana (1816), União Americana de Escolas Dominicais (1824), Sociedade Americana de Tratados (1825), Sociedade Americana de Educação (1826), Sociedade Americana para a Promoção da Temperança (1826) e Sociedade Americana de Missões Nacionais (1826). O Segundo Grande Despertamento contribuiu decisivamente para o movimento missionário do século XIX, que levou a mensagem evangélica e instituições evangélicas (igrejas, escolas, hospitais) a todas as regiões da terra, inclusive o Brasil72.

70 MATOS, Alderi Souza, op. cit.

71 DUNCAN, A. Reily apud. MENDONÇA, Antonio Gouvêa. O Celeste Porvir: A Inserção do Protestantismo no Brasil. 3 Ed. São Paulo: edusp, 2008. p. 85.

Aliando razões teológicas e um sentimento nacional expansionista as igreja americanas do final do século XIX se dedicaram à intensificação e progresso de sua obra missionária. Mendonça comenta que: “O desejo de salvar os “pagãos" da danação eterna originava-se no espírito da teologia dos avivalismos […]. Para muitos, a pregação da salvação era urgente; devia ser feita antes da segunda vinda de Cristo, do milênio portanto."73 E, mais adiante afirma: “As missões americanas

se inserem no período em que o cristianismo mais se expandiu em toda a sua história (século XIX)”74.

Citando o historiador Robert T. Handy, Mendonça75 prossegue

descrevendo o ideal missionário americano e os seus objetivos:

O cristianismo76 na América tem uma visão mundial, um sonho de um mundo ganho para Cristo. No ímpeto missionário dos séculos XVIII e XIX procurou-se tornar esse sonho realidade. […] O futuro do mundo parece estar nas mãos de três grandes foras protestantes: Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos… Os seguidores do verdadeiro Deus estão herdando o mundo […] cristianismo é a religião dos povos dominantes da terra. Em pouco tempo, ele será a única religião do mundo. O plano divino era que os não-cristãos se tornassem cristãos […] O progresso das nações cristãs se explica pela sua descoberta da verdade, dos eternos princípios com que Deus criou o mundo77.

Dentro desta perspectiva de progresso da sociedade através de sua cristianização concluiu-se que uma das mais preciosas e eficazes ferramentas para tal êxito era a educação. Sendo assim, entre os anos de 1780 a 1860 o número de

escolas aumentou de nove para quase duzentas78. Segundo Mendonça:

Grande parte dessas escolas, principalmente presbiterianas, congregacionais e episcopais, possuíam cursos para a formação de

73 MENDONÇA, Antonio Gouvêa, op. cit., p. 95. 74 Ibid. p. 97.

75 Robert T. Handy apud. MENDONÇA, Antonio Gouvêa. O Celeste Porvir: A Inserção do protestantismo no Brasil. 3 Ed.São Paulo: Edusp, 2008. p. 97.

76 Mendonça reitera que o cristianismo para os pensadores desse período significava protestantismo, pois que a ideia de que o catolicismo romano era cristão foi posta em xeque, gradualmente, chegando a ser ponto polêmico nos congressos missionários de Edimburgo (1910) e do Panamá (1916), pendendo a balança sensivelmente para os católicos. Cf. p. 97.

77 Robert T. Handy apud. MENDONÇA, Antonio Gouvêa. O Celeste Porvir: A Inserção do Protestantismo no Brasil. 3 Ed.São Paulo: Edusp, 2008. p. 97.

seus ministros, mas acima de tudo eram elas sinal de uma grande preocupação com o esforço dos ideais de vida protestante, especialmente diante do grande incremento da população católica, com a imigração nas décadas de 1830 e 184079.

A educação, portanto, assume um papel estratégico nos ideais protestantes e não somente no meio secular, senão também, e no mesmo nível de importância, na própria igreja com o intuito de fortalecer os neófitos, preservar e fornecer ferramentas aos mais experientes na fé para o bom e efetivo testemunho na sociedade.

A sede de aprender construiu, pouco a pouco, uma epistemologia crista protestante, desenvolveu métodos próprios e, nas áreas missionárias, serviu de atração para futuros convertidos, principalmente por intermédio das crianças que aderiram às reuniões conduzidas por habilidosas missionárias-professoras. Por outro lado, exerceu também, o papel de fixar as doutrinas e a ética nos recém- convertidos80.

Outros poderosos braços das missões protestantes surgiram logo após a Guerra Civil. As sociedades auxiliadoras femininas que atuavam como motivadoras dos jovens para as missões e com contribuições voluntárias de recursos para o sustento da obra missionária; e a associação cristã de moços

(YMCA – Young Men’s Christian Association) que tinha como objetivos o

desenvolvimento espiritual dos jovens, promover reuniões devocionais, classes bíblicas, escolas missionárias e organizar bibliotecas. Além disso, depois da Guerra Civil, eles se dedicaram à preparação física dos jovens da classe média, mas sem perder o foco do desenvolvimento do conhecimento e das virtudes cristãs81.76

Certamente, todos estes eventos que marcaram o movimento protestante Americano neste período, formaram uma consciência de compromisso com a missão evangelizadora da igreja e, isso, em seus diversos campos de atuação, seja no aspecto social, educacional ou ministerial mais especificamente. Portanto, é neste ambiente que se destaca um dos personagens mais importantes

79 MENDONÇA, Antônio Gouvêa, op. cit., p. 99 80 Ibid. p. 100.

para o presbiterianismo brasileiro, Ashbel Green Simonton.