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Mapa 27 Presença Presbiteriana no Estado do Acre

2. ORIGENS HISTÓRICAS DO PRESBITERIANISMO BRASILEIRO

2.2. João Calvino

Chegando em Genebra, surge a figura do mais ilustre reformador, João Calvino. Nascido em 10 de julho de 1509, em Noyon, Picardia, filho de Gérrard Cauvin e Jeanne Lefranc, pais piedosos e mui comprometidos com a formação tanto

acadêmica quanto religiosa de seus filhos. Segundo Wallace47, o Sr. Gérrard Cauvin

havia conquistado uma posição no departamento legal da Igreja, tornando-se secretário do Bispo e Procurador da Catedral. Sua mãe, mui piedosa, levava o menino Calvino em peregrinações religiosas para santuários e altares, a fim de reverenciar as relíquias e orar a Deus e aos santos. Porém, quando Calvino tinha, aproximadamente, cinco anos, sua mãe veio a falecer, passando ele e os seus demais irmãos a ser educados por seu pai e, pouco tempo depois, por sua madrasta de quem pouco ou quase nada se sabe.

Por ocupar um posto importante e exercer certa influência na catedral de Noyon, Gerrard Cauvin conquistou benefícios educacionais para os seus filhos. Com isso, Calvino e seus irmãos foram educados no círculo aristocrático dos filhos do bispo local e com isso tornou-se familiarizado com as disciplinas de uma educação superior particular. Aos 12 anos, Calvino foi para Paris dar continuidade aos seus estudos, primeiramente, graduando-se em Artes, que essencialmente era Filosofia, e depois dedicou-se ao estudo do Latim, tendo como professor um dos melhores de sua época, Mathurin Cordier48.

No período de sua formação, Calvino também foi influenciado por grandes mestres que marcaram a sua vida, tais como Antônio Coronel e John Major. Major, muito provavelmente, foi quem, em forma de ataque por causa dos seus ensinamentos, trouxe ao conhecimento de seus alunos os ideais dos reformadores Lutero, Wycliff e Hus. Sendo assim, “é bem possível que tenha sido no curso dos ataques de seu mentor que Calvino confrontou, pela primeira vez, o peso da

47 WALLACE, Ronald. Calvino, Genebra e a Reforma. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2003. p. 09.

48 Maturin Cordier (1479-1564) foi um pedagogo francês, conhecido por ter sido professor de João Calvino em Paris no College de la Marche. Aderiu à reforma protestante e viria a viver

em Genebra, perto de Calvino. Calvino convidou-o para Genebra em Março de 1545. Em fevereiro de 1550, Calvino dedicou o seu comentário às cartas aos tessalonicenses ao seu antigo professor. Nessa altura, Cordier é diretor do colégio de Lausanne. Foi professor na academia de Genebra e editou obras dos pais da Igreja. Faleceu em Genebra. Fonte: WIKIPÉDIA. Maturin Cordier. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Maturin_Cordier>. Acesso em: 7 abril 2017.

doutrina Reformada”49. Além de Artes (Filosofia) e Latim, graduou-se também em

Teologia e, mais tarde, por determinação de seu pai, foi enviado para estudar Direito nas cidades de Orléans e Bougers.

Faço menção deste período, ainda que sucintamente, porque entendo que enquanto a Reforma estava em efervescência, um dos divisores de águas deste movimento estava em franca formação, sem, no entanto, estar alheio aos acontecimentos de sua época. Parece-nos, inclusive, que foi providencial o período de formação de Calvino coincidir com o período da ascensão da Reforma Protestante.

Em 1517, Lutero fixou as 95 teses na porta da Catedral de Wittenberg; Zuínglio, em 1519, pregava e institucionalizava a Reforma em Zurique; o movimento da Reforma estava crescendo e se espalhando, e seus ensinos, conforme já mencionado acima, eram debatidos em Montaigu por John Major, ainda que para serem combatidos. E, muito provavelmente, posteriormente Calvino ouviu relatos contemporâneos do debate sem solução sobre a doutrina da Ceia do Senhor entre Lutero, Zuínglio e os seus seguidores em Marburg (1529). Diante disso, Wallace comenta:

Temos que considerar como providencial que, enquanto a Reforma se espalhava vigorosamente na Alemanha e na Suíça, ele próprio (Calvino), destinado a desempenhar um papel decisivo em sua etapa posterior e a trabalhar por sua unidade, estava sendo silenciosamente formado e cuidadosamente treinado dentro da tradição escolástica medieval.50

A conversão de Calvino ao protestantismo deu-se provavelmente em 1533, ano em que ele foi identificado como coautor de um discurso, eivado por ideais protestantes, pronunciado na Universidade de Paris por seu amigo Nicholas Cop. Na ocasião, tanto Cop quanto Calvino tiveram que deixar Paris para preservarem as suas vidas e as marcas externas mais significativas que demonstram a sua conversão foram a sua renúncia ao Papa, à política clerical, à missa como era celebrada na época, à equiparação da autoridade da tradição da igreja e das Escrituras, à tirania pastoral do confessionário, às visões equivocadas

49 CALVINO, João. Cartas de João Calvino. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2009. p 15. 50 WALLACE, Ronald, op. cit., p. 11.

da graça dispensada mediante os sacramentos controlados institucionalmente, e à ideia da vocação monástica considerada como superior àquelas exercidas no mundo

secular.51 Wallace afirma:

Logicamente, ele havia sido preparado para isso. Havia estudado as Sagradas Escrituras. Havia sido influenciado de alguma maneira por seu primo Olivetan, que havia traduzido o Novo Testamento para o francês. Tinha tido pelo menos informações sobre os escritos de Lutero e tinha tido interesse pelos relatórios do colóquio em Marburg. Tinha estado em Paris quando os protestantes haviam sofrido martírio e havia ficado hospedado certa vez na casa de um deles - Étienne de la Forge. Uma avalanche podia estar preparada, pois as circunstancias que levaram a que isso acontecesse gradualmente foram sendo construídas. Pode ter sido, entretanto, algo súbito e cataclísmico, no momento que tudo isso ocorreu52.

Calvino dirigiu-se para a cidade de Angouleme, e nesta ocasião iniciou a sua obra prima, Instituição da Religião Cristã, publicada na Basiléia em 1536 (a última edição seria publicada somente em 1559). Podemos considerar que a história de Calvino em Genebra começou quando ele decidiu fixar-se na cidade protestante de Estrasburgo, depois de um rápido retorno ao seu país de origem. Em Estrasburgo atuava o reformador Martin Bucer (1491-1551) e Calvino, a caminho desta cidade, foi surpreendido com um episódio inusitado. Sem poder prosseguir diretamente para Estrasburgo por conta da guerra entre a França e a Alemanha, o reformador foi obrigado a fazer um longo desvio, passando por Genebra, na Suíça francesa. Genebra havia abraçado o protestantismo reformado muito recentemente, sob a liderança de Guilherme Farel (1489-1565). Este, sabendo que o autor das Institutas estava de passagem pela cidade, o “convenceu” a permanecer ali e ajudá- lo.

Genebra era uma cidade de aproximadamente treze mil habitantes, socialmente próspera, mas moralmente pobre. Farel, líder que encabeçava a obra de reestruturação de Genebra, sabia que o fato da cidade ter abraçado o protestantismo era só o primeiro passo para sua transformação, tanto moral quanto

51 WALLACE, Ronald, op. cit., p. 11. 52 Ibid. p. 15.

religiosa. Sendo assim, reconhecendo a capacidade intelectual e as virtudes religiosas e teológicas de Calvino, não titubeou em convencê-lo a permanecer em Genebra e ajudá-lo neste árduo projeto.

O entendimento dos reformadores era de que Genebra seria reformada a partir do ensino e da pregação da Palavra de Deus. Para eles, as transformações religiosas, sociais, políticas e morais deveriam, essencialmente, a partir das Escrituras. No entanto, segundo Wallace, “Genebra havia sido reformada nominalmente, mas não inteiramente de coração. Muitos de seus cidadãos queriam mais a libertação das restrições do antigo regime que a direção da Palavra de Deus”.53

Por isso, os dois primeiros anos de Calvino em Genebra (1536-1538) foram de grande angústia, oposição por uma parte da população e conflitos com a liderança ou o conselho de Genebra. Mas, ainda assim, Calvino desempenhava seu papel pastoral com afinco e destreza, pois entendia que, além de ser este o seu chamado para aquela cidade, apenas na liderança ativa do povo de Deus, e em um relacionamento íntimo com ele, poderia se constatar a fidelidade de seu ensino à Palavra de Deus, e sua eficácia, enquanto tentava trabalhar as implicações da

Reforma para a vida cristã e para o bem cristão da comunidade54.

Outrossim, em 23 de abril, o Concílio empreendeu um pleito para decidir sobre a permanência e continuidade do trabalho de Calvino e Farel em Genebra e, por maioria, decidiu-se que eles deveriam deixar a cidade.

Apesar de alguns historiadores narrarem este evento como um fragoroso fracasso dos reformadores, é bom salientar que o fato em si não se caracteriza como fracasso e sim como parte do processo, visto que esta deportação não durou muito tempo, pois, aqueles que optaram por este rompimento, logo perceberam o seu erro e, com alguma insistência, convenceram Calvino a retornar a Genebra e dar continuidade ao seu trabalho em setembro de 1541.

O período de Calvino em Estrasburgo também foi muito proveitoso e de experiências significativas que foram aplicadas posteriormente em seu ministério em Genebra. Em Estrasburgo, estreitou e fortaleceu uma amizade com algumas

53 WALLACE, Ronald, op. cit., p. 21. 54 Ibid. p. 22.

das mentes que lideravam o movimento Reformado na Europa, tais como Martin Bucer e Philip Melanchthon; participou de diversos debates e se estabeleceu como figura importante no cenário internacional nas igrejas reformadas da Europa; escreveu o seu comentário da carta de Paulo aos Romanos, uma nova e mais completa edição das Institutas e, também, um artigo denominado “Um curto tratado sobre a Ceia do Senhor”; neste período, também escreveu o que é considerado um dos seus tratados mais nobres, intitulado “Resposta a Sadoleto.”

Retornando a Genebra, Calvino estabeleceu um propósito resoluto de tornar esta cidade uma cidade cristã modelo, uma comunidade cuja vida fosse realmente dirigida pelo Cristianismo, não somente para benefício particular da cidade, mas para que servisse de referência, inspiração e poder para o protestantismo em toda parte55.

Calvino tinha em mente essa reconstrução quando voltou a Genebra, e, sem dúvida, tinha uma visão da comunidade toda, tanto em sua vida secular como na vida da Igreja sendo transformada naquilo que ele chamava de comunidade cristã, na qual as pessoas responsáveis pelo governo civil deveriam obedecer à Palavra de Deus e servir a Cristo em suas próprias esferas seculares com a mesma responsabilidade que aqueles que desempenhavam uma tarefa no governo da Igreja. Ele tinha a convicção de que o desafio e o poder do Evangelho deveria ser capaz de limpar, regenerar e dirigir não apenas o coração humano, mas cada aspecto da vida social na terra – os compromissos familiares, a educação, a economia e a política56.

Três foram os meios pelos quais Calvino dispôs para tornar Genebra esta cidade cristã modelo: a) Uma igreja reformada organizada - provendo-a de uma constituição, uma confissão de fé e um catecismo, uma sóbria liturgia e do Saltério de Genebra, o hinário da igreja; b) leis que expressassem a moral bíblica; e c) um sistema educacional de primeira qualidade – pois entendia que a verdadeira religião e a educação estão tenazmente associadas.

Na prática, a reorganização da igreja afetaria de maneira direta toda sociedade genebrina, visto que, a cidade havia se decidido ao protestantismo e, portanto, se declarava protestante. Sendo assim, as ações eclesiásticas acabavam

55 NICHOLS, R. H. História da Igreja Cristã. 5 ed. São Paulo: Cultura Cristã, 1981. p. 164, 165. 56 WALLACE, Ronald, op. cit., p. 31.

afetando toda conduta e de alguma maneira regulava ou norteava as ações civis sem que houvesse, necessariamente uma atuação direta de Calvino no âmbito civil. Calvino era um ministro da Palavra e o seu plano para a igreja incluía um ministério apto e zelosamente escolhido, fiel aos deveres indicados para o mesmo. Por isso, criou o ofício do moderno ministro protestante; zelou também pelo exercício efetivo da disciplina na Igreja por meio do Consistório, formado pelos presbíteros, cujo dever era supervisionar a conduta do povo e dos ministros. Por fim, por intermédio

dos diáconos, cuidou da administração da beneficência na cidade57.

Sem dúvida alguma uma das maiores marcas do ministério de Calvino foi a pregação da Palavra. Para ele, o objetivo da fiel pregação das Escrituras na igreja era o de fortalecer e fundamentar a fé dos crentes e, assim, conduzi-los amadurecidos à Cristo. O seu entendimento era de que “o grande objetivo do ministério apostólico era o de levar homens e mulheres à plenitude da estatura spiritual”58

Por isso, Calvino pregava quase todos os dias da semana e o fazia seguindo um programa de exposição que se alternava entre Antigo e Novo Testamento. Aos domingos pregava no Novo Testamento e, por vezes nas tardes de domingo, no livro dos Salmos, e nos dias de meio de semana suas pregações eram nos livros do Antigo Testamento.

Aos domingos, entre 1549 e 1554, pregou 189 sermões nos Atos dos Apóstolos; pregou nas epístolas paulinas de 1554 a 1558; e, entre 1559 e 1564, pregou 65 sermões nos Evangelhos. Durante a semana, esteve pregando uma série de sermões sobre Jeremias e Lamentações, até 1550; os Profetas Menores e Daniel, de 1550 a 1552; 174 sermões em Ezequiel, de 1552 a 1554; 150 em Jó, de 1554 a 1555; 200 em Deuteronômio, de 1555 a 1556; 342 em Isaias, de 1556 a 1559; 123 em Gênesis, de 1559 a 1561, mais alguns sermões em Juízes nesse mesmo ano; 107 em 1 Samuel e 87 em 2 Samuel, de 1561 a 1563; e nos livros dos Reis, de 1563 a 1564. Além de tudo isso, há ainda os comentários que escreveu e as lições que proferiu na Academia de Genebra. Ao que parece, o único livro da Escritura sobre o qual ele nada escreveu e nem pregou foi Apocalipse; supõe-se

57 NICHOLS, R. H., op. cit., p.165. 58 CALVINO, João, op. cit., p. 22.

que tenha dito que não o compreendia plenamente59.

O legado e a influência de Calvino transcendem os limites de Genebra e foram enormes e determinantes entre outros nomes de destaque na história da Reforma Protestante. Segundo Nichols,

Calvino inspirou o protestantismo em toda parte e exerceu poderosa influência para o seu desenvolvimento [...]. Ele era a cabeça dirigente na França, embora lá não tivesse ido havia vinte e sete anos. Realizou trabalho semelhante em outros países... os seus livros, especialmente o “Institutos”, livro que teve grande circulação. Foi assim que as ideias de Calvino predominaram nos movimentos da reforma na França, Holanda, Escócia e em muitas partes da Alemanha, como também na Inglaterra60.57

Uma das mais notáveis lideranças da Reforma Protestante influenciadas por Calvino foi o Escocês John Knox, a quem dedicaremos uma pequena porção deste trabalho, visto ser Knox considerado o Pai do Presbiterianismo.