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Puja, uma manifestação que se torna plenitude. Sri Sri Ravi Shankar. No terceiro dia que estávamos no ashram, era uma segunda-feira e fomos surpreendidos com um convite especial. Naquele dia haveria um Puja, com Sri Sri Ravi Shankar, às nove horas da manhã, no mesmo local onde havíamos estado para o primeiro satsang. Era um ritual que é realizado sempre às segundas-feiras, quando Sri Sri está no ashram, e é denominado Rudra Puja. Eu estava imersa nas minhas descobertas e nas minhas dores: “este seria um dia muito cansativo”, pensei. Mas logo a curiosidade se sobressaiu e quis saber o que era exatamente um puja. Ninguém do grupo sabia dizer exatamente o que era, apenas algumas pessoas que estavam a mais tempo na Arte de Viver disseram que era um “ritual de purificação”. Pareceu-me uma explicação um tanto vaga e inexata, então permaneci

com a minha dúvida. Uma recomendação era feita com bastante insistência: “todos devem tomar banho ao acordar, antes de participar do puja”.

Logo após o café da manhã, seguimos para o local, uma grande tenda, onde seria também realizado o Curso Parte 2, dentro de alguns dias. Já havia muita gente quando chegamos. Todos procuravam o melhor lugar para se posicionar e estar mais perto do Mestre. Foi difícil, mas conseguimos alguns lugares do lado esquerdo do palco, não muito à frente, mas ainda próximo. O espaço que consegui para colocar uma almofada era pequeno e já comecei a imaginar o desconforto que seria para as minhas articulações doloridas. Sentamos e aproveitei o tempo para fazer a prática de respirações diárias e uma pequena meditação. Muitas pessoas também faziam o mesmo, o que criou um ambiente mais adequado para prática da meditação. Após uns quarenta minutos, quando abri os olhos, vi que tudo estava preparado para iniciar o ritual do Puja. No centro do palco estava a mesma cadeira imponente em dourado e vermelho que era usada somente por Sri Sri Ravi Shankar, coberta por um tecido branco e por cima outro de cor laranja. À sua frente estava uma mesa baixa em madeira, coberta com uma toalha branca, e em cima um objeto estranho, parecia um pedaço de cristal em forma de falo, que depois vim a saber que era um Shiva Linga. A palavra linga é derivada do sânscrito, significa marca ou sinal, e Shiva Linga é um símbolo para a adoração do Deus Shiva. É também considerado o símbolo principal de Shiva. Outros objetos também estavam posicionados de forma organizada, formando um altar, mas não consegui identificá- los, já que estava em uma posição que não me dava uma boa visão.

Um grupo de crianças e jovens estava sentado em posição de lótus ou semi-lótus11 em toda a área atrás deste altar. Estavam vestidos segundo a tradição hindu recomenda em eventos culturais formais, ou cerimônias tradicionais. Usavam o dhoti, um longo tecido retangular, de cinco metros de comprimento, não pespontado, enrolado na cintura e por entre as pernas parecendo uma fralda gigante ou tanga larga, sem costuras, botões etc. Este era complementado pelo angavastram, jogado sobre os ombros, ambos em cor branca. Os garotos e jovens tinham a cabeça raspada, e na testa três listas brancas horizontais paralelas. As marcas na testa na Índia são utilizadas para diferenciar a divindade que é cultuada. Estas marcas brancas, horizontais e paralelas, simbolizam os seguidores de Shiva. Posteriormente, vim a saber, que eram alunos da escola Ved Vigyan Maha Vidya Peeth, de estudos védicos fundada e mantida por Sri Sri Ravi Shankar. Sentados à esquerda do altar, estavam dois

jovens vestindo a mesma roupa tradicional em cor laranja, e, do lado esquerdo, três jovens senhores, dois deles vestidos de branco e o terceiro de amarelo ouro.

A chegada de Sri Sri Ravi Shankar foi acompanhada por aplausos. No seu andar suave, ele aproximou-se da cadeira, sentou-se e com um aceno de mão pediu silêncio. Imediatamente o burburinho transformou-se em silêncio pleno de respeito. Sri Sri Ravi Shankar entrou em estado meditativo e deu-se início ao ritual do Puja. O jovem senhor vestido de amarelo iniciou a condução de cânticos em sânscrito no qual foi acompanhado pelo grupo de crianças e jovens. Frases incompreensíveis, entoadas em um mesmo ritmo repetitivo típico, quebrado de vez em quando, por algumas frases em ritmo diverso. Os presentes acompanhavam o ritual em silêncio, alguns em meditação, outros com olhos curiosos, observavam cada detalhe do que acontecia no palco. Por alguns momentos me deixei levar pelos sons e palavras, cuja melodia trazia serenidade à minha mente. O estado meditativo chegou suavemente e me abstraí de todo o ruído em torno. A minha mente estava ao mesmo tempo serena e alerta, focada nos versos pronunciados que enchiam o ar de uma vibração nova para mim. Após um longo período, talvez quarenta minutos, o desconforto e a inquietação retornaram. Senti muitas dores por todo o corpo, o que me levava a trocar de posição constantemente.

Passei, então, a observar a dinâmica do ritual. Sri Sri Ravi Shankar havia assumido uma expressão muito diferente da habitual. O seu rosto, geralmente com um sorriso, estava sério e transmitia poder e determinação. Com muita concentração, recebia de seus auxiliares, os jovens vestidos de laranja, um por vez, frutas, guirlandas de flores, arroz, água, leite, mel, incenso, fogo e outras substâncias. Essas eram oferecidas com respeito e devoção ao Shiva Linga sobre a mesa à sua frente. Tudo isso era acompanhado pelo cântico que alcançou o seu ápice no momento em que a água e o leite foram versados sobre o Shiva Linga. Todo esse ritual era incompreensível para mim, mas o seu efeito era muito forte. Ao final, foi realizada uma meditação, uma pequena lamparina no estilo indiana foi trazida para o meio das pessoas, o fogo era apresentado a cada um que passava as mãos por cima dele e em seguida levava até a região da cabeça, ao terceiro olho e ao rosto. Este gesto simbolizava um ato de purificação pela energia do fogo (agni, divindade ígnea, deus do sol, do raio, do fogo sacrifical). Ao final, o Mestre deixou o local sem uma palavra. Restou em mim um estado de paz profunda, como jamais havia sentido antes. Sentia toda a minha mente concentrada no centro do peito e a minha vontade era permanecer neste estado para sempre. Por um instante, as dores que eu sentia desapareceram, e eu me sentia leve como uma pluma. Se existe um estado de bem-aventurança eu o senti pela primeira vez naquele dia, no meio da multidão que

se agitava para receber o pras da, alimento que foi oferecido à divindade durante o puja, e que segundo a tradição hindu, é abençoado e comê-lo traz a energia divina para o nosso ser. Não conhecia essa tradição, mas aceitei igualmente, pois algum mal não faria, e qualquer bem é sempre bem-vindo.

Fotografia 11 – Puja sendo realizado por Sri Sri Ravi Shankar, fevereiro de 2006, Ashram de Bangalore.

Já era hora do almoço e rapidamente todos se dirigiam para o restaurante. Eu não sentia necessidade de nada, não queria nada, apenas me movia sem pressa, totalmente imersa neste estado de paz, completamente consciente do ambiente, das pessoas. A natureza lá fora parecia mais viva, o sol mais brilhante, as cores das flores pareciam mais fortes. A beleza estava em cada recanto do ashram e o sorriso no meu rosto surgia espontaneamente ao encontrar as pessoas. Eu me senti plenamente feliz!

Puja ou pooja deriva do sânscrito e significa reverência, honra, adoração, veneração e culto. É um ritual religioso hinduísta que é realizado em diversas ocasiões, seja para orar, seja para mostrar respeito aos Deuses ou Deusas. Basicamente, o puja é considerado um ritual de oferendas às divindades e de invocação de bênçãos, é um ato de humildade e devoção que remove o Ego, condição necessária para atingir o estado de liberação. As oferendas são feitas com a consciência “eu Te ofereço, Oh Deus, o que já te pertence”, já que para o hindu tudo que existe no universo é manifestação do divino, tudo é sagrado.

Além de ser uma arte de reverenciar as divindades, o espírito ou outros aspectos do divino, o Guru, tem também o objetivo de estabelecer uma conexão espiritual com o

Divino. Acredita-se que o uso de uma escultura, um desenho, uma pintura, elementos da natureza ou um vaso, facilitaria este contato. Seria um elemento mediador de acesso ao Divino. Esses ícones não são considerados como a própria divindade, mas portadores da energia cósmica do divino. Este seria, então, o meio, o veículo, o foco que justificaria a adoração e a comunicação com Deus. Para o hindu, a beleza do objeto artístico que funciona como símbolo é importante, mas secundária, pois o mais importante é constituir-se como reservatório da energia espiritual que permite a comunicação direta do devoto com a divindade.

Existem inúmeras variedades de puja. O Puja pode tanto ser realizado por um sacerdote como por um devoto, num ritual ou mesmo nas oferendas diárias, podendo ser de um incenso, uma flor, um pouco d’água, uma fruta e coisas simples sem contaminação. As variações podem ser quanto à duração, ao número de divindades adoradas, pode ter um caráter público ou privado e ainda ser feito mais de uma vez por dia. Requer uma preparação anterior cujas recomendações são tomar um banho antes do ritual e não alimentar-se antes, o que garantiria, segundo a crença, qualidades satívicas (harmoniosas) e uma completa concentração. O Puja também é realizado em ocasiões especiais, o que dá o nome específico daquele Puja, tais como, Durga Puja, Lakshimi Puja, Ganhesha Puja, Shiva Ratri Broto.

O Puja consiste de meditação (dhyana), austeridade (tapa), cânticos (mantra), leitura das escrituras (svadhyaya), oferendas (bhog) e prostrações (panchanga ou ashtanga, pranama, dandavat). Geralmente se conclui com aarti (dedicação final) para a divindade. As partes de um puja são invocação, ofertas, preces, conclusão e imersão. Cada uma destas partes deve ser realizada segundo regras precisas que foram transmitidas pelos rishis (sábios) antigos através dos Vedas.

Na Índia, a prática do Puja de forma privada é considerada algo muito sério e integra o cotidiano das famílias que são praticantes do hinduísmo. Alguns devotos o praticam antes de saírem de casa para o trabalho, antes de um evento importante, para atrair bênçãos ou para transformar um evento em um fato auspicioso.