• Nenhum resultado encontrado

O Jubileu de Prata da Arte de Viver foi uma festa ímpar. Uma grande celebração envolvendo três milhões de pessoas que culminou em três dias de festa e manifestações, 17, 18 e 19/02/2006. De fato, tudo começou muitos meses antes, por iniciativa de Sri Sri Ravi Shankar, que via este momento como um grande encontro de uma grande família mundial. Este é o lema da Arte de Viver. Somos todos membros de uma grande família: Vasudhaiva Kutumbakan. Uma música foi escrita e era cantada insistentemente como que a nos lembrar a nossa origem, de onde viemos e o nosso destino comum: somos filhos do Divino e o nosso destino é a ele retornar. Uma mensagem profundamente espiritual que mobilizou pessoas de cento e quarenta países, líderes religiosos das mais diversas tradições, líderes políticos, personagens do mundo da arte e da cultura, reis, membros do parlamento, oficiais militares, presidentes, e um contingente de milhares de indianos que acorreram ao Jakkur AirportStadium, em Bangalore. O grande objetivo do Jubileu foi o de reforçar nas pessoas o senso de pertencer, o sentido de sermos todos membros de uma família mundial; reinstalar a fé nos valores humanos e dedicar o nosso ser a fazer o bem na sociedade.

Nas palavras de Sri Sri Ravi Shankar,

Em uma sociedade infestada por violências domésticas e sociais, nós precisamos de uma visão globalizada. Embora nós tenhamos avançado tecnologicamente, nós temos cuidado muito pouco das necessidades emocionais e espirituais das pessoas. Um senso de pertencimento ao mundo todo – elevando-se acima de considerações limitadas de cor, cultura ou experiências, é o que necessitamos hoje. Nós não vivemos em compartimentos isolados – o mundo deve tornar-se uma só família (SRI SRI RAVI SHANKAR, 2005, p. 5).

O ideal de Vasudhaiva Kutumbakam integra há milhares de anos as aspirações da sociedade indiana, da cultura e religião hinduísta. Origina-se da concepção que têm de que todos somos parte da divindade. Todos pertencemos uns aos outros e estamos dentro um do outro, assim como da natureza e de tudo que existe no universo. Uma visão cosmológica de grande amplitude que é vivida e defendida por Sri Sri Ravi Shankar como o caminho para uma sociedade pacífica e plena de felicidade. O termo está no Rig Veda e pode ser também interpretada como “o mundo é a grande família de Krishna”.

O trabalho de organização foi um empreendimento que utilizou os mais modernos meios de comunicação como imprensa escrita, internet, televisão e principalmente o trabalho de milhares de voluntários em todo o mundo que, com a devoção ao Mestre e muito entusiasmo, conseguiram tornar a festa do Jubileu um evento jamais visto. Na organização do

evento foram envolvidos aproximadamente vinte mil voluntários distribuídos em equipes segundo a função que deveriam exercer: transporte, acomodações, segurança, etc. Uma celebração espiritual idealizada e realizada por pessoas que se reconhecem seres espirituais. Naqueles dias, toda a cidade de Bangalore vivia um clima de celebração. O Jubileu tornou-se um motivo para que muitos pudessem estar juntos cooperando, ajudando, cantando juntos e conhecendo uns aos outros. Não se via o peso de um trabalho organizativo, mas o entusiasmo que se expandia e envolvia a todos.

Como parte das celebrações do Jubileu foi intensificado os vários projetos de Seva (serviço desinteressado) desenvolvidos pela Arte de Viver, ou seja, foram realizadas novas ações educativas e sociais, dirigidas a grupos sociais carentes ou em situações de risco como crianças, jovens, vilas rurais, prisioneiros, portadores de HIV, dependentes químicos. Foram instalados vários campos médicos em vilas rurais, construídos banheiros, construídas escolas tribais, realizados programas de formação de jovens líderes em comunidades e programas de fortalecimento de mulheres em comunidades rurais. Além desses projetos, um mega “workshop” foi realizado no ashram de Bangalore, envolvendo quinze mil pessoas. Inúmeros cursos parte 1 e 2 foram realizados em todo o mundo, preparando as pessoas e convidando-as para o grande evento do Jubileu de Prata.

Para mim, era um evento impossível de ser realizado. Todos falavam e era noticiado nos jornais como um evento que reuniria uma orquestra de 3800 músicos (isso é impossível!), apresentações artísticas de vários países, uma meditação com dois milhões e meio de pessoas. Um mega evento que necessitaria de uma empresa de eventos especializada para coordenar tanta gente e uma programação densa. E a segurança, como seria? Mas eu estava errada nas minhas conjeturas. O evento aconteceu!

No dia seguinte ao término do Curso Avançado, todos só pensavam nas comemorações do Jubileu. Eu também estava ansiosa para ir, mas quando vi os preparativos para a saída dos grupos, perdi um pouco o ânimo. Jamais gostei de grandes eventos, multidões, o longo tempo de espera, o retorno para casa, tudo me parecia muito cansativo. A saída estava prevista para o meio-dia, sob um sol abrasante. Deveríamos ir de ônibus, viajar aproximadamente duas horas até o local do evento, o qual iniciaria às 16h30min. O calor de meio-dia sob o céu tórrido deixava o dia infernal. Apesar do cansaço que ainda persistia, embarquei na expectativa de participar do grande evento. Chegamos ao local, por volta das 15h. O Jakkur AirportStadium é um grandíssimo espaço aberto, um aeródromo de 225 acres,

onde foi montado um palco de 3,5 acres (o tamanho de três campos de futebol). No palco foi montado um cenário inspirado na belíssima arquitetura do templo Hampi12. Na platéia estavam colocadas milhões de cadeiras plásticas esperando os participantes que chegavam nos mais variados tipos de transporte desde o comum tuk tuk indiano, carros, bicicletas, ônibus, helicópteros, ou mesmo a pé. A parte frontal da platéia foi destinada aos participantes estrangeiros, enquanto aos indianos foi reservada uma grande área na parte posterior. Por todo o lado foram colocados imensos telões que transmitiam continuamente as imagens do palco.

Fotografia 13 – Imagem panorâmica do palco durante as celebrações do Jubileu de Prata da Arte de Viver, Ban- galore, 17/02/2006.

Fotografia 14 – Imagens do palco durante as celebrações do Jubileu de Prata da Arte de Viver, Bangalore, 17/02/2006.

12 Considerado o principal e mais antigo templo na cidade de Hempi, estado de Karnataka, Índia. É conhecido como Templo Virupaksha.

Fotografia 15 – Público aguardando o início das celebrações do Jubileu de Prata da Arte de Viver, Bangalore, 17/02/2006.

Apesar de ser cedo, tudo já estava preparado, apenas esperando as autoridades convidadas, que chegavam continuamente, e o próprio Sri Sri Ravi Shankar, a grande atração do evento. No palco, estava pela primeira vez na história da Índia uma orquestra de 3800 músicos indianos provenientes do Sul da Índia, que deveriam tocar músicas e sinfonias tradicionais. A orquestra era composta por 782 violinos, 770 veenas, 10 vichitra veenas, 60 tambores, 10 bandolins, 138 nadaswarams, 750 flautas, 650 mridangams, 100 ghatams, 100 janjiras, 138 tavils, 30 morsingas, 20 teclados, 150 violões e 92 saxofones. Eu nunca havia visto uma orquestra indiana antes. Todos estavam vestidos com roupas tradicionais multicoloridas, sentados no chão com as pernas cruzadas, com o seu instrumento junto ao corpo ou sobre as pernas, no rosto aquela expressão de tranquilidade e alegria. Antes que se ouvisse a sua música, aquelas imagens já eram um enlevo para mim.

Fotografia 16 – Orquestra com 3800 músicos durante as as celebrações do Jubileu de Prata da Arte de Viver, Bangalore, 17/02/2006.

Após a chegada de Sri Sri Ravi Shankar, foi realizada a abertura das celebrações em modo muito solene, seguida de cânticos védicos tocados pela grande orquestra. Uma música linda, harmoniosa que enchia o ar de vibrações positivas e muita energia. “Take a deep breath in, and let’s close our eyes” (Tomemos uma inspiração profunda, e fechemos os olhos). Com este convite, com sua voz suave e tranquilizadora, Sri Sri Ravi Shankar iniciou a condução do mahakriya13, o Sudarshan Kriya® realizado por dois milhões e meio de pessoas.

Um grande silêncio se fez presente interrompido somente pelo rumor das respirações em uníssono. Foi uma experiência inesquecível, milhões de pessoas com os olhos fechados, sem medo, sem pressa, apenas respirando junto, um ato de confiança e unidade que contagiou a todos. Ao final, abri os olhos e olhando ao redor vi nas pessoas a mesma emoção que eu estava sentindo. No rosto um sorriso largo e um olhar direto sem barreiras. Eu me senti unida a todos, todos éramos mesmo uma grande família, independente da raça, cultura, língua e crenças. Estávamos ali em completa irmandade, todo o mundo como uma grande família. Risos e lágrimas se confundiam em mim, a minha vontade era a de abraçar a todos e compartilhar a emoção que eu estava sentindo. Abracei algumas pessoas que estavam perto de mim. Uma onda de abraços tomou conta da multidão enquanto todos cantavam “Vasudhaiva Kutumbakam”. Faltam-me palavras para explicar o sentimento que contagiou a todos. Foi um momento de grande felicidade e de imensa gratidão. Gratidão ao Mestre, às pessoas que estavam presentes, à vida, à terra indiana e a todos que estavam trabalhando no evento para que este grande sonho se tornasse realidade. Naquele momento tive a certeza de que a paz só seria alcançada no mundo quando cada um de nós, os líderes políticos, toda a humanidade sentisse essa paz e o amor que estávamos vivendo naquele momento. “A violência acaba onde o amor começa” (SRI SRI RAVI SHANKAR). Foi uma grande aprendizagem que nasceu da experiência, mais poderosa que todos os textos que eu já havia lido ou que li posteriormente, sobre como construir a paz na sociedade.

A programação prosseguiu com a fala de várias autoridades presentes, intercaladas por apresentações da orquestra. Cada personalidade que falava cumprimentava pessoalmente a Sri Sri Ravi Shankar, lhe deixava um presente e recebia do Mestre uma oferenda, uma cesta com frutas e castanhas. Representantes das principais religiões (Hinduísmo, Budismo, Jainismo, Judaísmo, Cristianismo, Islamismo e Sikhismo) estavam presentes, homenageando e sendo homenageados.

13 Grande kriya.

O ponto alto daquele dia foi a meditação coletiva guiada pessoalmente por Sri Sri Ravi Shankar. Dois milhões e meio de pessoas meditando junto, fato inédito na história da humanidade. Um silêncio profundo tomou conta de todos. Ouvia-se apenas a voz do Mestre que suavemente conduzia-nos ao estado meditativo. A minha experiência superou todas as demais que havia vivenciado desde os primeiros dias no ashram. A minha sensação era de estar imersa em um oceano de energia, onde o meu corpo era apenas uma porção do mar que flutuava ao ritmo das ondas que se movimentavam seguindo o ritmo da natureza. Paz, tranquilidade na mente e alegria no coração era o que eu era naqueles trinta minutos de meditação que voaram como se fossem apenas dois minutos. Após esta belíssima experiência o ar parecia mais leve e as pessoas mais felizes. Uma explosão de alegria acompanhou a apresentação da orquestra sinfônica que tocou vários bhajans, cantados por um grupo de cantores da Arte de Viver, entre eles Bhanu, irmã de Sri Sri Ravi Shankar. A multidão cantava, dançava e saudava uns aos outros, em uma demonstração de que todas as diferenças podem ser esquecidas e é possível uma vida em harmonia, apesar das diferenças, que no fundo são só aparência. A nossa verdadeira natureza está além das aparências. Isso a humanidade ainda precisa descobrir.

Terminado o primeiro dia de celebrações, iniciamos a viagem de volta ao ashram que, devido ao trânsito, levou quase três horas. Chegamos por volta da meia-noite, e iniciamos uma caminhada de quase uma hora até o alojamento. No caminho compramos fruta e este foi o nosso jantar. Fui vencida pelo cansaço. No dia seguinte acordei com mais dores no pé esquerdo e pelo corpo. A necessidade de descansar era maior ainda. Assim, com tristeza, renunciei a ir aos dois dias seguintes às comemorações do Jubileu. A agitação da viagem de ida e volta, a dificuldade de acesso a banheiros e o jantar improvisado em grandes tendas exigia de mim um grande esforço.

Os dias seguintes foram dedicados à exploração do ashram, à prática do Sudarshan Kriya® e da meditação duas vezes por dia. Acompanhei o Jubileu através de um telão que foi instalado no templo. Lá estavam muitas outras pessoas e acompanhamos o mahakriya, a meditação e todos os momentos da programação. Apesar da distância física, estávamos todos conectados com a energia que era mobilizada durante as práticas. Para mim, um fato inacreditável, como o é para muitas pessoas, mas estava acontecendo comigo e com todos.

O terceiro dia das comemorações do Jubileu foi dedicado às manifestações culturais. Um evento multicultural que reuniu diversas linguagens, canto, dança e performances características de países dos cinco continentes. O Brasil se fez presente com

uma apresentação de trajes típicos, canto e samba, homenageando Sri Sri Ravi Shankar, com a sua música preferida em língua portuguesa, “Eterno Aprendiz”, de Gonzaguinha. As celebrações deixaram saudades, muita paz e amor nos corações, sentimento que transbordava nos comentários de todos e na expressão alegre e serena.

Presenciar este evento magnífico me fez ver a dimensão do papel que Sri Sri Ravi Shankar tem hoje no mundo. Que outra figura religiosa ou política conseguiria realizar um evento de tal envergadura? Quem conseguiria reunir no mesmo lugar personagens de religião, sistema político e cultural tão diverso, e até em oposição? Quem conseguiria mobilizar dois milhões e meio de pessoas para respirarem e meditarem juntas? Quem seria capaz de veicular uma mensagem de paz e harmonia entre os povos com tanto amor e cuidado? Assim, eu comecei a vislumbrar em Sri Sri Ravi Shankar o grande líder espiritual e humanitário que ele é, um político que consegue dialogar com diversas lideranças e mediar situações de conflito com tranquilidade e diálogo amoroso, além de ser um grande yogue moderno.

Eu, após dez dias de permanência no ashram e tantas experiências surpreendentes, estava completamente em paz. O meu desejo era somente viver assim para sempre. Um grande sentimento de aceitação, tolerância e compaixão me fazia conviver em harmonia com todos e com o mundo, apesar de algumas desavenças no grupo, reclamações e críticas das pessoas. Eu sentia que esta era a minha natureza, o meu verdadeiro Ser.

Deixar o ashram e partir para a segunda etapa da nossa viagem foi difícil. Eu não queria partir. Era como se estivesse deixando a minha própria terra natal. Aquele lugar se tornou muito especial para mim. Era a minha casa também. A saudade maior era de Sri Sri Ravi Shankar, o Guruji (querido Guru). Agora eu entendia e sentia o que era ser discípula de um Guru. Mas o encontraria ainda em Nova Délhi para as comemorações do Shivaratri (grande festa em homenagem a Shiva), dentro de dois dias. Foi com lágrimas nos olhos que preparei a minha bagagem e subi novamente naquele ônibus lotado que nos levaria até o aeroporto. Era madrugada, tudo estava em silêncio, as pessoas dormiam. E nem me despedi do vigia amigo que me saudava alegremente dizendo Jai Guru Dev e balançava a cabeça para os lados quando abria um grande sorriso...