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I) APONTAMENTOS DO ESTADO MODERNO E O ADVENTO DO ESTADO SOCIAL:

1.3.2 Desenvolvimento do Estado social:

O desenvolvimento do Estado social caminhou pari passu à evolução do socialismo. O capitalismo, no afã de sua sobrevivência, ao ver a expansão dos Estados socialistas, primeiro a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e depois a República Popular da China sem olvidar ainda o pequeno mas estratégico Estado de Cuba, permitia e idealizava um Estado social, positivando direitos ditos sociais, como forma da amenizar e neutralizar a luta de classes.

Como o socialismo havia decorrido de revoluções de cunho proletário, que alcançou o poder político, o capitalismo teve de se tornar, além de mais social e menos egoísta, mais democrático, permitindo um acesso maior do povo aos instrumentos políticos, ou se transformar numa clara ditadura em prol dos interesses dominantes.

À trilha democrática, foi alçado o sufrágio universal como pressuposto do Estado de Direito. Mecanismos de maior intervenção popular no processo político também foram esculpidos, como o plebiscito, o referendum, o recall, a iniciativa e o veto popular101.

100 “In” A afirmação histórica dos direitos humanos, ob. cit., p. 190/1.

101 O recall e o veto popular são os únicos que não são adotados no Brasil expressamente pela Constituição

Federal de 1988 (art. 14). Todavia, há autores do porte de Maurice Duverger (“In”, Droit Constitutionnel et

Institutions Politiques, 2º ed. Paris: Presses Univesitaires de France, 1956, p. 22) e Santi Romano (“In”,

Principii di Diritto Constituzionale Generale. 2º ed. Milano, 1947, p. 250) que equiparam ou consideram afins o veto popular a um referendum facultativo, no sentido de que o veto popular seria a discordância popular com uma lei já publicada e, com isso, o veto popular poderia ter aplicação como decorrência da positivação do

referendum.

Cabe ainda enunciar outro instrumento de democracia participativa que é o vivenciado em alguns cantões da Suíça, denominado de “Abberufungsrecht”, sendo uma forma de revogação coletiva, de toda uma

Todavia, o sistema representativo de mandato meramente representativo, e não imperativo, ainda é a tônica visando assegurar na infra-estrutura o “status quo”.

Assim, o Estado social capitalista acompanhou a expansão do socialismo, tornando aquele mais forte a medida que esse se alastrava, e em vários casos mais democrático, o que gerava uma dupla fonte de robustecimento de seus ideais.

Conforme já salientado, o Estado social, como organização política de salvaguarda de direitos sociais e de implementação de políticas públicas, teve seu nascedouro ligado à proteção dos trabalhadores e dos riscos que eles estavam submetidos no sustento do capitalismo. Com o desenvolvimento do Estado social e as constantes crises capitalistas, apenas a proteção a estas classes se tornou insuficiente para atendimento das demandas populares. Nessa perspectiva, o modelo de seguridade social traçada por Bismarck padeceu de profundas alterações se tornando mais universal.

Os interesses econômicos que levaram o mundo capitalista à primeira Guerra mundial ocasionaram a falência do Estado liberal, que não poderia mais se abster diante das crises que a liberdade econômica havia proporcionado. Com a saída da Rússia, em 1917, dessa guerra para que pudesse dar cabo à sua revolução interna e adotar um paradigma de Estado socialista fez com que os Estados que queriam se manter capitalistas tivessem que intervir internamente a impedir esse socialismo. Com isso, o pós-guerra deu vazão a novos regimes totalitários de direita: o nazismo na Alemanha e o fascismo na Itália, além da necessidade de maior intervenção estatal na economia e na sociedade diante das crises que essa primeira grande guerra tinha gerado.

A crise de 1929 seria a pedra de cal no regime liberal, fazendo que a maior potência capitalista – EUA - que ainda resistia dentro do liberalismo, tendo mostrado toda a sua pujança na 1ª Guerra Mundial, fosse abalada. Neste contexto, com a eleição de Franklin Delano Roosevelt em 1933, elaborou-se uma política de intervenção econômica e social, balizada nos ensinamentos do economista inglês John Maynard Keynes, batizada da “New Deal”.

Todas essas crises geraram um desemprego assombroso, com falência de empresas, indústrias e no específico da crise de 1929 um fator nunca outrora visto: a crise da superprodução. O que seria signo de riqueza na antiguidade, nas contradições do capitalismo se tornava uma crise sem precedentes. Para solucionar essa contradição conseqüentemente a

assembléia, que não se confunde com o recall, que é a possibilidade de se cassar o mandato de apenas um parlamentar.

resposta deveria conter, também, um paradoxo: o Estado deveria intervir não para fomentar a produção e o desenvolvimento, mas sim para restringir e regular a produção.

A partir de 1929, as nações industrializadas foram obrigadas a reduzir sua produção. Esse fenômeno recessivo, que gerou um alto nível de desemprego, causou graves problemas sociais em quase todos os países do mundo capitalista. Para restabelecer o nível de emprego, os países desenvolvidos buscaram no crescimento da indústria bélica uma saída para a crise, que, por outro lado, gerou um clima de novo conflito mundial.

A 2ª Guerra Mundial aconteceu para resolver os problemas não solucionados na 1ª Grande Guerra e acentuados no pós-guerra. Todavia, a 2ª Grande guerra serviria para mostrar a todos que não se poderia daí em diante resolver as crises do capitalismo por meio de uma nova guerra mundial, haja vista o efeito devastador das armas produzidas, que poderia colocar em xeque a existência de vida humana na Terra. Lógico que os conflitos pontuais, em locais restritos, continuariam a existir e até fomentados pelas duas grandes potências mundiais surgidas no pós-guerra na busca de uma maior hegemonia mundial – EUA e URSS.

Alysson Mascaro Nascimento resume as percepções que puderam ser verificadas no pós-guerra:

“As tragédias de duas Grandes Guerras Mundiais demonstraram que o capitalismo desconhece qualquer limite social, político ou moral como resistência à sua expansão, e por isso, chega à insanidade se necessário, a bem do acúmulo de capitais. Estruturalmente o capitalismo desconhece éticas inspiradas em solidariedade ou fraternidade. Até mesmo os princípios formais que em geral lhe sustentam não podem ser consideradas bases inexoráveis de sua ação. A lei e a ordem lhe são princípios até o limite dos benefícios da legalidade. O capitalismo é democrático quando lhe resultam disso bons resultados econômicos, mas não se importa, por princípio, com nada além dos lucros e do acúmulo de capitais.

O extermínio de judeus na Segunda Guerra Mundial, os horrores do totalitarismo e a decadência econômica de muitas nações européias fizeram com que o pós- guerra cortasse na própria carne do capital como forma de salvá-lo. Os Estados assumiram a planificação econômica da sociedade, continuando a amortizar riscos, acumulando nacionalmente riquezas, mas trazendo à tona mecanismos de garantias sociais pelos quais a sociedade não irrompesse contra o próprio sistema econômico-político social. O inimigo

declarado, o comunismo soviético, foi a ameaça que fez com que os anéis fossem dados, quando preciso, a fim de se salvar os dedos.

Nesta época, o rescaldo da Segunda Guerra Mundial e das ameaças comunistas resultou em uma série de instituições jurídicas de vulto, como o caso da Organização das Nações Unidas. As crescentes vitórias no campo dos direitos humanos, dos tratados e convenções internacionais, fizeram com que houvesse, no plano principiológico do direito, expectativas de superação das misérias humanas e das condutas sociais abomináveis e cruéis. A integração econômica, cujo mais visível exemplo é a União Européia, resulta também de uma necessidade estratégica de modificar a tradição dilacerante do capitalismo anterior”102.

Em que pese os Estados Unidos da América ter feito a demonstração concreta da possibilidade da destruição do planeta, a União Soviética apresentaria sua força e a alternativa do socialismo. Destarte, com o ocaso da 2ª Grande guerra e a clara bipolarização de forças, com os EUA na liderança do mundo capitalista e a URSS do mundo socialista, apenas restaria a vivência de um período denominado de Guerra fria, ou não declarada.

Malgrado as críticas ao socialismo soviético, de que não consistiria num verdadeiro Estado socialista, e sim num capitalismo de Estado, fato é que se apresentava como um sistema diferente do vivenciado nos demais países capitalistas, o que já era suficiente ao arrepio dos detentores do poder econômico e político do ocidente. Nesta toada, enquanto permaneceu o Estado socialista, o Estado capitalista foi obrigado a fazer uma série de concessões o que gerava o fortalecimento de um Estado social. Assim, nesse período de Guerra fria foi o período onde o Estado social encontrou seu apogeu sendo desenvolvidos sistemas realmente de investimento social como nos países nórdicos da Europa, em especial à Noruega e a Suécia, cujos postulados dos direitos sociais foram concretamente efetivados103.

Cumpre salientar que o desenvolvimento do Estado social não se deu de forma homogênea em todo o globo, sendo sentido de forma diferente em cada país, consoante as peculiaridades e influências de cada região. Lembremos que nesse período do pós-guerra, não obstante o desenvolvimento do Estado social europeu, na América Latina verificou-se a implantação de ditaduras militares (Brasil, Argentina, Chile, Paraguai, Uruguai, Venezuela e

102 “In” Crítica da Legalidade e do Direito Brasileiro, ob. cit., p. 149.

103 Os dois países ocupam respectivamente o 1º e o 5º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano, segundo o

Relatório de Desenvolvimento Humano, com base no ano de 2004, publicado pela ONU no ano de 2006. Esses dois países escandinavos adotam um regime político de monarquia constitucional, com uma democracia parlamentarista, sendo bem reduzido o poder real.

México) por ascendência do país líder dos ideais capitalistas – EUA - como forma de conter o avanço socialista.

O grande dilema que se vive atualmente é sobre a permanência do Estado social, não obstante todas as suas contradições, mas que se apresenta como uma alternativa infinitas vezes melhor do que o Estado liberal. Esse dilema é decorrência do fim da União Soviética e a abertura econômica da China, pois, enquanto os regimes socialistas serviram de anteparo ao capitalismo, o Estado social se desenvolvia. Com o fim dos regimes socialistas, não há mais óbice a expansão capitalista o que gera a crise do Estado social e a volta dos ideais liberais, com a nova denominação de neoliberalismo.