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I) APONTAMENTOS DO ESTADO MODERNO E O ADVENTO DO ESTADO SOCIAL:

1.3.1 A força motriz do Estado social:

A grande força que determinou a alteração do liberalismo foi o seu contraponto: o socialismo. Foi o movimento socialista que despontava na Europa, sob a liderança de Karl Marx, que estremeceram as bases do capitalismo como signo do individualismo e do egoísmo, tornando-o mais “social”.

O Estado social pode ser assim colocado como a síntese entre a tese do liberalismo e a antítese do socialismo, seguindo, dessa forma, a dialética hegeliana. Nesses termos, o sistema individualista e de exploração do trabalho assalariado perpetrado pelo capitalismo liberal encontra sua antítese no sistema socialista de produção coletiva, extraindo- se a síntese de um desvirtuado capitalismo social, ainda de exploração, mas também de proteção do trabalhador. Quanto maior fosse a expansão do ideal socialista, mais o Estado liberal era coagido a se alterar e mais forte ficava o welfare state.

Entrementes algumas defesas de que o Estado social seria uma evolução natural da organização política moderna, uma continuidade pacífica do Estado liberal, uma decorrência lógica da industrialização89 que geraria uma nova demanda social, fato é que

88 “In” Proteção judicial contra omissões legislativas: Ação direta de inconstitucionalidade por omissão e

mandado de injunção. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995, p. 166. Trechos citados também no corpo da dissertação, p. 29, 30 e 32.

No que toca a essa igualdade, essa autora é enfática em indicar que está tratando da igualdade substancial, já que “transita-se, neste momento, da igualdade jurídica formal do Liberalismo para a igualdade material do Estado Social” (p. 32).

89 Em que pese Vital Moreira expressar sua posição de que o “Estado social é o Estado característico da

sociedade industrial” consoante citado trecho de sua obra no capítulo anterior, logo a diante, no seu livro, ele embasa a mudança de orientação do Estado capitalista por três razões: “econômicas, sociais e ideológicas. Econômicas: o progresso técnico e o daí emergente nascimento do capitalismo monopolista; sociais: o nascimento do movimento operário e o agravamento dos conflitos de classe; ideológicas: o aparecimento de ideologias negadoras do capitalismo, ou pelo menos do capitalismo liberal. Estes fatores não são independentes: o segundo está condicionado pelo primeiro, o último pelo segundo” (ob. cit., p. 94).

Portanto, ele reconhece também o peso dos movimentos contrários ao capitalismo como força motriz para sua própria alteração, não sendo uma decorrência natural da industrialização. Tanto é verdade essa interpretação que ele mesmo coloca que essa sociedade industrial guarda como inerente a si os conflitos sociais. Reproduzimos suas colocações:

“Foram as tensões sociais, características da sociedade industrial desenvolvida, que, contra as doutrinas do liberalismo clássico, forçaram a uma progressiva intervenção do Estado na economia. De fato, num primeiro momento, a nova ordem econômica é um recurso inevitável perante os conflitos de classe que se desenvolvem na sociedade. Se a ordem econômica clássica acabou por transformar-se na ideologia jurídica da liberdade individual e da propriedade privada utilizada em vista da exploração sistemática da grande maioria por uma minoria é essa mesma maioria que, consciente disso, vai procurar destruir aquela ordem. Os conflitos econômicos (e sobretudo as greves) entre patrões e operários desempenham um papel importante no Estado moderno. Aumentaram parcialmente em extensão e agressividade e podem representar um perigo para a nação e

apenas quando o capitalismo conheceu seu contrário – socialismo – sentiu que era chegada a hora de mudar. Já se pronunciaram nossos mais abalizados jurisconsultos:

“O reconhecimento dos direitos humanos de caráter econômico e social foi o principal benefício que a humanidade recolheu do movimento socialista, iniciado na primeira metade do século XIX. O titular desses direitos, com efeito, não é o ser humano abstrato, com o qual o capitalismo sempre conviveu maravilhosamente. É o conjunto dos grupos sociais esmagados pela miséria, a doença, a fome e a marginalização. Os socialistas perceberam, desde logo, que esses flagelos sociais não eram cataclismos da natureza nem efeitos necessários da organização racional das atividades econômicas, mas sim verdadeiros dejetos do sistema capitalista de produção, cuja lógica consiste em atribuir aos bens de capital um valor muito superior ao das pessoas. Os direitos humanos de proteção ao trabalhador são, portanto, fundamentalmente anticapitalistas, e, por isso mesmo, só puderam prosperar a partir do momento histórico em que os donos do capital foram obrigados a se compor com os trabalhadores. Não é de admirar, assim, que a transformação radical das condições de produção no final do século XX, tornando cada vez mais dispensável a contribuição da força de trabalho e privilegiando o lucro especulativo, tenha enfraquecido gravemente o respeito a esses direito em quase todo o mundo”90.

Nesse mesmo sentido, as lições do professor cearense Paulo Bonavides: “Uma constante, a nosso ver, explica o aparecimento do Estado social: a intervenção ideológica do socialismo. Empregamos a palavra socialismo no seu sentido mais genérico e histórico, desde as utopias de fins do século XVIII à consolidação das teses marxistas, em nossos dias. Desde o socialismo utópico, chamado socialismo científico. Desde

para o Estado. Desta regulamentação jurídica das relações de trabalho, o direito do trabalho alargou-se para além dos limites do direito privado e recebeu formas jurídicas públicas. Na verdade, a grande contestação do direito clássico veio da classe operária. É também a classe operária, excluída do modelo burguês da sociedade, que vai organizar-se primeiro em sindicatos, depois em partidos, conseguindo finalmente admissão ao status de cidadão e ter voz política. Essa voz vai permitir-lhe ou exercer um certo controle sobre a ordem econômica, ao mesmo tempo que o conseqüente alargamento da base política do Estado, acompanhado da desagregação da homogeneidade da burguesia em relação ao modelo liberal, vai proporcionar uma relativa autonomia da estrutura política e o seu aumento de poder. Um dos resultados é a introdução na ordem econômica de elementos em princípio contrários à ordem liberal (ou, até, à ordem capitalista). E aqui se entra no fator ideológico.

Essas representações são tiradas de teorias ou doutrinas antiburguesas (ou, pelo menos, antiliberais): socialismo, cristianismo social, corporativismo, etc... Em relação ao socialismo chegou a afirmar-se que o sistema capitalista dos países industrializados ocidentais já teria entrado há muito tempo na via, apontada por Marx, da revolução proletária, se não fosse a sua permanente reforma à luz precisamente do espírito dessa teoria anticapitalista criada por Marx: o socialismo. De qualquer modo, o que aqui se traduz é a extrema capacidade manifestada pelo capitalismo de virar em seu favor elementos colhidos em teorias que o negam, de modo a reforçar a sua capacidade de resistência. O lugar principal de operação desse processo é precisamente a ordem jurídica” (ob. cit., p. 97/8).

a conspiração de Baboeuf aos assaltos da Comuna de Paris. Desde a fundação da Primeira Internacional à tomada do poder pelos bolcheviques russos, há quase oitenta anos. Antes e depois de Marx se trava esse renhido prélio doutrinário. E, para sobreviver, o Estado burguês se adapta a certas condições históricas; ora recua, ora transige, ora vacila”91.

Não tergiversa Fernando Facury Scaff:

“a ‘antevisão’ de uma destruição do mercado – pelas previsões socialistas – fez com que o próprio Estado Liberal se modificasse, adotando uma nova postura (intervencionista), que cumpria a função de modernizá-lo e de permitir sua expansão, agora custeada pelo Poder Público. Em nível teórico poder-se-ia falar em tese liberal, antítese coletivista e síntese intervencionista”92.

Antonio Enrique Pérez Luño chega a colocar a origem do Estado do bem- estar social como uma decorrência do socialismo democrático:

“El Estado social de Derecho tuvo, por tanto, un origen híbrido fruto del compromiso entre tendencias ideológicas dispares, que ha gravitado sobre su evolución ulterior. De un lado, representó una conquista política del socialismo democrático, lo que se advierte con nitidez en la ideología inspiradora de una de sus primeras manifestaciones: la Constitución de Weimar; de otro, es fruto también del pensamiento liberal más progresista que lo concibe como un instrumento de adaptación del aparato político a las nuevas exigencias del capitalismo maduro. Su componente socialista democrática se traduce en la superación del agnosticismo axiológico y del formalismo positivista al imponer al Estado la realización de determinados fines materiales, que contribuyan a una reforma social y económicamente justa, en términos de justicia social, de las condiciones de convivencia”93.

Carlos Aurélio Pimenta Faria chega a contestar o desenvolvimento do Welfare State ligado a um processo de industrialização, colocando seu progresso intrinsecamente conectado à expansão dos ideais socialistas:

“estudos empíricos já haviam demonstrado a falácia de se tratar a expansão do Estado de Bem-Estar Social como um subproduto do processo de industrialização. Quando a estrutura de classes e o sistema partidário, por exemplo, passaram a ser analisados como variáveis independentes, tornou-se claro que a forte correlação entre as dimensões do Welfare State e a força política dos partidos socialistas e dos sindicatos operários não podia ser

91 “In” Do Estado liberal ao Estado social, ob. cit., p. 183.

92 “In Responsabilidade Civil do Estado Intervencionista, ob. cit., p. 85. 93 “In” Derechos Humanos. Estado de Derecho y Constitución, ob. Cit., p. 223.

menosprezada. Os argumentos sugeridos pelos teóricos neomarxistas para explicar as contradições do Estado de Bem-Estar constituem uma forma de se reconhecer a luta por determinados recursos de poder, negligenciada nos estudos que se baseavam nas premissas da lógica da industrialização”94.

Quando Marx anuncia que o espectro do socialismo ronda a Europa, ele já antevê que o liberalismo da forma como estava não poderia continuar e a iminência de uma revolta para derrubada de seus pilares era latente face ao descontentamento popular e a força que o povo descobriu ter na Revolução Francesa.

O capitalismo autofágico do liberalismo da primeira metade do século XIX95 irromperia as revoluções de cunho popular de 1848, conhecida como a “Primavera dos Povos”, que se alastrariam por quase toda a Europa. Entrementes as revoltas terem sido sufocadas, deixaram marcas indeléveis no capital e na estrutura do liberalismo.

Na Alemanha e na Itália, essas insurreições de 1848 prepararam o terreno para a unificação dos seus territórios, fazendo surgir o nacionalismo que desembocaria nos regimes nazi-fascistas do século XX. Esse nacionalismo foi um sentimento que inspirou a burguesia local como forma de conter os avanços dos ideais socialistas que já contaminavam os países vizinhos. A independência frente às nações estrangeiras, o xenofobismo e unificação nacional era o seu ideal. O nacionalismo, nesses termos, consistiu num dos desdobramentos do liberalismo, tendo como fator móvel interesses capitalistas da burguesia local pela unificação interna de mercados e a disputa internacional de mercados.

Na França, a Primavera dos Povos foi responsável por destituir o rei Luís Felipe e a instauração da segunda República, estabelecendo-se, como dito alhures, o sufrágio universal masculino, que duraria até 1852, quando Luís Bonaparte, sob o título de Napoleão III, proclamou o segundo Império em um Golpe de Estado, que foi ironizado por Marx ao escrever o livro “18 brumário de Luís Bonaparte” numa alusão segundo a qual o sobrinho procurou imitar o tio96.

94 Uma genealogia das teorias e tipologias do Estado de bem-estar social. In: O Estado de bem-estar social no

Século XXI/ organizadores: Maurício Godinho Delgado e Lorena Vasconcelos Porto. São Paulo: LTr, 2007, p. 41.

95 Não obstante o restabelecimento das antigas monarquias após a derrota de Napoleão, como a dinastia Bourbon

na França, com o retorno de Luís XVIII do exílio, sob a imposição do Congresso de Viena de 1814/5, que pretendia a restauração do ancien régime, fato é que esse nunca se repôs nos moldes anteriores à Revolução Francesa de 1789, sendo estabelecida uma monarquia constitucional em quase todos os países, de fundo liberal. Era o que se convencionou chamar de despotismo esclarecido.

O Império de Napoleão III encontra seu ocaso na derrota da guerra franco- prussiana (1870-1), fato que levou seu aprisionamento e o avanço das tropas prussianas sobre Paris, sendo impedido o cerco completo por trabalhadores locais. Temendo-se um povo armado (tanto a Prússia quanto os próprios franceses da classe governamental), assinou-se um armísticio, que cederia a Alsácia e Lorena à Prússia e elegeu-se uma nova Assembléia Nacional. A insurreição proletária não pararia nesse episódio e com apoio da Guarda Nacional, composta também de operários, tomaram a capital francesa e fundaram a primeira República Proletária da história: a Comuna de Paris, que adotou uma política socialista, baseada nos princípios lançados na Primeira Internacional realizada anos antes. Esse governo teria pouca sobrevida, permanecendo cerca de dois meses, sendo massacrado posteriormente por uma aliança entre o governo oficial e a Prússia.

Segundo o historiador italiano Domenico Losurdo, a Comuna de Paris representaria o divisor de águas na Europa, sendo o início do declínio da doutrina liberal, não obstante não ter surtido os mesmos efeitos no outro lado do Atlântico97. Destarte, entrementes o massacre desse transitório governo socialista, o receio de que seus ideais se alastrassem repercutiu na forma de concessão de direitos ditos sociais, levando Bismarck (aquele que fomentou a guerra franco-prussiana visando a unificação alemã) a elaborar o primeiro modelo de seguridade social para os trabalhadores já na década seguinte à Comuna de Paris.

Esse primeiro modelo de seguridade social pode ser considerado embrião do Estado social que surgiria, posteriormente, na mesma Alemanha, com a Constituição de Weimar. Logicamente, como o intento era estancar revoluções proletárias, os direitos sociais concedidos tinham sua axiologia voltada para a proteção aos riscos que se submetiam os trabalhadores. É de Carlos Aurélio Pimenta de Faria a análise desse modelo bismarckiano de seguridade social no contexto de precurssor do Estado social:

“Quando se analisam as políticas sociais bismarckianas, duas de suas características costumam ser destacadas: seu caráter seletivo ou corporativo e seu propósito explícito de pacificar os operários industriais, minar a organização trabalhista e promover a paz social. De fato, em 1881, o imperador foi ao Reichtag em Berlim para declarar que a repressão não traria melhoras para a situação dos operários industriais e que a paz social seria alcançada por intermédio da criação do seguro social contra acidentes de trabalho e invalidez

“Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como

tragédia, a segunda como farsa” (“In” Disponível em:

http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ma000066.pdf. Acesso em: 10/09/2007).

e para o amparo quando de doenças e na velhice. Os mecanismos de bem-estar, cuja implementação ficou a cargo do chanceler Otto von Bismarck, trariam vantagens tanto para a classe operária quanto para o patronato. Por essa razão, a Alemanha bismarckiana tornar-se-ia um paradigma para a análise do Welfare State como uma forma de manipulação bonapartista, isto é, como intervenção preventiva de elites precavidas contra o crescente poder do operariado.

No entanto, é preciso salientar que as políticas sociais de Bismarck cumpriram um papel essencial no processo de construção nacional durante o Segundo Reich. Tendo como uma de suas principais metas consolidar a integração de Estados anteriormente independentes, a administração centralizada da seguridade social nacional foi estratégica par o Segundo Recih, que também precisava reafirmar no plano internacional seu poderio militar e industrial.

Os programas bismarckianos eram seletivos ou corporativistas na medida em que, no princípio seus únicos beneficiários eram os operários industriais, considerados como uma categoria social que compartilhava os mesmos interesses... Em sua origem, as políticas implementadas pelo ‘Chanceler de Ferro’ voltavam-se principalmente para a seguridade básica; os benefícios oferecidos eram fixos e uniformtes, não dependendo da renda dos beneficiários”98.

Daí em diante, a preocupação em adotar modelos de prevenção aos riscos decorrentes do trabalho assalariado foi a tônica nos Estados que caminhassem na trilha da industrialização, conhecendo assim, na prática, sua tese do liberalismo e o receio da antítese axiológica do socialismo.

Nessa toada, o nascimento constitucional do Estado social na Europa99 ocorreu com a Constituição do Estado alemão, que fundou a República de Weimar em 1919, logo após o fim da 1º Guerra Mundial e a Revolução Russa de 1917. Aquela destruiria o mercado “natural”, exigindo a intervenção do ente que fora colocado fora da sociedade – o Estado - para auxiliar na minoração das crises, e a Revolução Russa apresentara a alternativa do socialismo.

98 “In” Uma genealogia das teorias e tipologias do Estado de bem-estar social, ob. cit., p. 55.

99 Dizemos na Europa, porque em 1917 o México já promulgava uma Constituição tratando em vários

dispositivos de direitos sociais. Essa Constituição de cinco de fevereiro de 1917 foi editada logo após a Revolução Mexicana que pôs fim à Ditadura de Porfírio Diaz.

Segundo o professor Comparato, essa Constituição baseou-se em uma doutrina anarcossindicalista, inspirada no pensamento de Mikhail Bakunin, sendo a primeira a atribuir aos direitos trabalhistas a qualidade de direitos fundamentais (“in”, A afirmação histórica dos direitos humanos, ob. cit., p. 177/182).

Fábio Comparato narra os episódios históricos que envolveram a Constituição de Weimar, com as influências socialistas que a nortearam no período subsequente ao armísticio da 1º grande guerra:

“Embora a abdicação do Kaiser Guilherme II fosse insistentemente pedida, ele ainda tentou salvar a dinastia, ao nomear no início de novembro o Príncipe Max de Baden como chefe do governo. Alimentava com isso a esperança de ganhar tempo e, em último caso, abrir mão tão-só da coroa imperial, permanecendo como rei da Prússia.

Os acontecimentos, no entanto, precipitaram-se. Na noite de 7 para 8 de novembro, uma ‘República Democrática e Socialista’ era proclamada na Baviera. No dia imediato, ao sentirem que a liderança das forças populares lhes escapava em proveito de grupos de esquerda mais radical – notadamente o grupo de Spartakus, chefiado por Karl Liebknecht -, os representantes do partido socialista majoritário alemão (MSPD) retiraram-se do governo e convocaram uma greve geral. O Príncipe Max anunciou então a abdicação do imperador, designou o líder dos socialistas majoritários, Friedrich Ebert, para exercer as funções de chanceler, e propôs a convocação de uma assembléia nacional constituinte. No mesmo dia 9, à tarde, o ministro Philip Scheidemann, também do MSPD, tomou a iniciativa de proclamar a república, do balcão da chancelaria em Berlim.

O governo provisório então formado, sob a denominação de Conselho dos Delegados do Povo, era chefiado por Ebert e compreendia três representantes dos socialistas majoritários e três do Partido Social Democrático Independente (USPD). Seus primeiros decretos foram o estabelecimento da jornada de trabalho de oito horas e a atribuição do direito de voto às mulheres. Seguiram-se várias medidas de assistência social aos setores mais carentes da população.

Os objetivos político-constitucionais dos partidos que compunham o governo provisório eram, porém, divergentes. Enquanto o MSPD propugnava a convocação de uma assembléia nacional constituinte e o estabelecimento de uma democracia parlamentar, o USPD manifestava-se a favor da imediata instituição da ditadura do proletariado e da completa socialização da economia, sem passar por uma reconstitucionalização formal do país... Em 20 de janeiro de 1919, esse congresso votou, por ampla maioria, a convocação de uma assembléia nacional constituinte. Uma semana antes, porém, exatamente entre 6 e 15 de janeiro, as forças policiais, que compreendiam vários grupos paramilitares, empenharam-se em sangrentos combates de rua em Berlim contra os militares do grupo Spartakus. Em meio à refrega, os líderes esquerdistas Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo foram capturados e

sumariamente executados. Com o desaparecimento dessas grandes personalidades da esquerda, únicas em condições de resistir criticamente à influência do comunismo soviético, o movimento socialista alemão viu-se singularmente enfraquecido para ganhar a confiança das classes médias e enfrentar com êxito, nas urnas, o perigo montante da extrema direita totalitária.

As eleições para a constituinte realizaram-se em 6 de fevereiro e, contrariamente à expectativa, os partidos socialistas não alcançaram a maioria absoluta, obtendo 185 cadeiras (163 para o MSPD e 22 para o USPD), num total de 414... Desde a sua concepção, portanto, a Constituição de Weimar se estruturava contraditoriamente, procurando conciliar idéias pré-medievais com exigências socialistas ou liberais-capitalistas da civilização industrial”100.