• Nenhum resultado encontrado

I) APONTAMENTOS DO ESTADO MODERNO E O ADVENTO DO ESTADO SOCIAL:

1.4.3 Neoliberalismo X Neoconstitucionalismo:

184 “In” O ornitorrinco, ob. cit., p. 139.

O neoconstitucionalismo consiste numa nova etapa do constitucionalismo moderno, onde a Constituição passa a ser o centro de gravidade de todo o Direito posto. Os princípios e valores previstos, de forma explícita ou implícita, no Texto Fundamental ganham normatividade jurídica e efeito vinculante de todo o ordenamento, inclusive como forma de interpretação e integração do próprio texto constitucional. A obediência estrita a um dispositivo infraconstitucional é colocada em xeque quando em descompasso com o teor da Constituição.

Envidando evoluir na pesquisa do direito constitucional, vários juristas debruçam-se na perscrutação de novos mecanismos de interpretação constitucional, visando evoluir a metódica de Savigny que balizava a hermenêutica jurídica nos critérios gramaticais, históricos, teológicos e sistemáticos. Desse modo, novos critérios interpretativos são elaborados com fulcro na supremacia da Constituição Federal no ordenamento jurídico, visando-se atribuir uma força normativa aos dispositivos constitucionais, principalmente os de cunho principiológico, combatendo, com isso, a idéia da Constituição apenas como um documento político. Essa busca de outros modelos interpretativos da Constituição tenciona, precisamente, dar juridicidade à Constituição, esculpindo direitos e deveres que podem ser acionados diretamente e determinando a validade e aplicação de todos os outros instrumentos normativos infraconstitucionais.

Em vista disso, os critérios de interpretação constitucional que começam a ganhar destaque no cenário do direito constitucional são: da supremacia constitucional, da força normativa da Constituição, da interpretação conforme à Constituição, da unidade constitucional, do efeito integrador, da concordância prática, da máxima efetividade e da cedência recíproca186. Com o fito de integrar o texto constitucional se destacam: os princípios

186 Para uma visão mais específica dessa pauta de interpretação ver: José Joaquim Gomes Canotilho, Direito

Constitucional e Teoria da Constituição, 7º ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 1195/1242. Luís Roberto Barroso, A Nova Interpretação Constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas, 2º ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006; e Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito: o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil, Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo nº63/64, janeiro/dezembro 2006, p. 1/50. Gilmar Ferreira Mendes, Curso de Direito Constitucional, 2º ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 86/145.

Para uma visão crítica desses métodos de interpretação, mas não no sentido de retroceder a formas clássicas, mas sim pugnando a necessidade de um maior aprofundamento da temática da interpretação constitucional ver: Virgílio Afonso da Silva, Interpretação constitucional e sincretismo metodológico. In: Interpretação Constitucional/ Virgílio Afonso da Silva (org.), São Paulo: Malheiros, 2007, p. 115/144.

Para uma análise mais ampla do fenômeno da interpretação e sua aplicação no direito constitucional ver: Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, Trad. José Lamego, 4º ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005. Inclusive o professor Karl Larenz já trata da “aspiração a uma resolução justa do caso” como método interpretativo, malgrado não adote a Justiça por si como método interpretativo. Todavia, pensamos que essa posição é digna de nota haja vista a aproximação que se perpetra entre o Direito e a Justiça, elementos que foram separados no Estado Liberal positivo:

da proporcionalidade, da razoabilidade, da ponderação de interesses, da efetividade e da primazia dos direitos fundamentais.

Não vamos ficar aqui discutindo todos esses métodos, pois para isso seria necessário uma dissertação específica sobre cada um dos temas, além do que qualquer manual de direito constitucional já traz esse elenco e já tivemos a oportunidade de escrever sobre uma nova hermenêutica jurídica em outro texto187. O que é importante no presente trabalho é ter a compreensão da existência do fenômeno da constitucionalização do direito que vivenciamos, o porquê dessa nova etapa do constitucionalismo e sua congruência ou não com a ideologia neoliberal.

O neoconstitucionalismo se depara com a construção de um sistema de valores e princípios que se sobrepõe a letra da lei. O texto escrito prevendo regras fechadas, por vezes, se decompõe diante dos pressupostos principiológicos que devem ser adotados na análise do caso. Os princípios e valores adotados pela Constituição, mesmo os de forma implícita, não de forma incomum, servem de anteparo a uma aplicação rígida e estreita de uma regra jurídica, impondo sua abertura e conformidade com aqueles.

O Direito moderno pós-revoluções burguesas, que se atrelou de forma umbilical com um positivismo clássico, não encontrou mais respaldo no pós-Segunda Guerra Mundial, haja vista que nesse período de guerra foi onde se vivenciaram as maiores atrocidades que, ao contrário do que se pode imaginar, estavam cobertas pelo manto da lei.

“A justiça da resolução do caso é portanto, certamente, uma meta desejável da actividade judicial, mas não um critério de interpretação de par com os outros. Este desiderato deve realizar-se apenas nos quadros das leis vigentes e dos princípios jurídicos reconhecidos e portanto também apenas com o auxílio das regras de interpretação mencionados ou no decurso de um desenvolvimento jurisprudencial do Direito que seja admissível. Isto não quer dizer, não obstante, que a aspiração a uma solução eqüitativa não deva desempenhar qualquer papel na interpretação. É mesmo de grande importância, pois que é dela que parte continuamente o impulso para repensar de novo a interpretação da lei e para achar novos pontos de vista. O juiz espera da lei, e é-lhe lícito esperá-lo, que possibilite de modo geral uma resolução justa, ou pelo menos plausível sob o ponto de vista da justiça. Caso se veja defraudado nesta expectativa, isso é para ele motivo suficiente para pôr em questão e examinar de novo a interpretação por ele até agora aceite. Qual seja a solução justa no caso concreto é algo que pode ser muito problemático; para alguns casos não existe seguramente, em absoluto, uma solução que seja a única justa. Mas existem resolução que são de modo evidente injustas. Se lhe for necessária uma determinada interpretação para emitir uma tal resolução, tal tem para o juiz o significado de um sinal de alarme. O juiz perguntar-se-á então se nas premissas por ele aceites não se terá acoitado algures um erro, e encontrará, regra geral, uma melhor via. Debruçará mesmo a sua atenção para um desenvolvimento judicial do Direito ‘transcendente à lei’.

Que o juiz está subordinado à justiça não altera nada em relação a que ele há-de, nos termos da Constituição, resolver segundo a lei, concebida esta como uma parte do ordenamento jurídico global, e não segundo uma convicção de rectidão pessoal, já não coberta pela lei... Se hoje o pêndulo se inclina muito claramente para o lado da justiça do caso, isto tem também relação com a perda de autoridade do legislador actual, que só raras vezes se ocupa o tempo necessário e faz o esforço de tornar a examinar cuidadosamente as suas formulações, e não raro omite em absoluto uma regulação, quando esta pode e deve esperar-se dele” (p. 493 e 494).

Ou seja, nos regimes fascistas – nazismos na Alemanha e fascismo na Itália - que levaram o mundo à Segunda Grande Guerra, o próprio sistema jurídico posto dava guarida e até fomentava as desumanidades praticadas.

A partir dessa guerra a elaboração de um sistema jurídico sem valor, sem princípios, completamente desligado da Justiça, numa elucubração de uma teoria pura do direito, deixa de ser o mote jurídico, pois verificou-se de forma concreta onde uma tal teoria poderia levar, ingressando o Direito posto numa fase de pós-positivismo.

Esse pós-positivismo é exatamente a fase em que os valores e princípios encontraram um respaldo maior do sistema jurídico, sobrepondo-se, inclusive, às regras, ao texto frio de uma lei. Assim, quando uma regra se confrontar com um princípio o sistema jurídico pós-moderno elaborou a solução por meio do que chamou de máxima efetividade dos princípios, em que estes devem prevalecer sobre aquela, mas sem anulá-la por completo. Esses princípios e valores ganham mais destaques se sua base for constitucional, mesmo que de forma não expressa no Texto Fundamental, mas decorrer de uma interpretação sistemática do bloco constitucional, for encontrado nas dobras da Constituição.

Portanto, a Constituição que era um elemento secundário no ordenamento jurídico antes da 2ª Guerra, já que era a sede dos princípios e valores de uma sociedade, sendo descartados na elaboração de um Direito posto balizado por uma teoria pura, passa a exercer função central e validadora de todo o ordenamento jurídico, quando esses mesmos princípios e valores são relevados ao ponto nevrálgico do sistema jurídico. Por isso, o neoconstitucionalismo está estreitamente correlacionado com o pós-positivismo.

Destarte, o marco filosófico-jurídico do neoconstitucionalismo é o pós- positivismo e o marco histórico é o fim da 2ª Guerra Mundial.

O neoconstitucionalismo é um tema muito caro para o professor Luís Roberto Barroso que aponta exatamente os marcos que fixamos acima como os desencadeadores do neoconstitucionalismo. Sobre a pauta filosófica, leciona esse professor da Universidade do Rio de Janeiro:

“A superação histórica do jusnaturalismo e o fracasso político do positivismo abriram caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexões acerca do direito, sua função social e sua interpretação. O pós-positivismo busca ir além da legalidade estrita, mas não despreza o direito posto; procura empreender uma leitura moral do direito, mas sem recorrer a categorias metafísicas. A interpretação e aplicação do

ordenamento jurídico hão de ser inspiradas por uma teoria da justiça, mas não podem comportar voluntarismos ou personalismos, sobretudo os judiciais. No conjunto de idéias ricas e heterogêneas que procuram abrigo nesse paradigma em construção, incluem-se: a atribuição de normatividade aos princípios e a definição de suas relações com valores e regras; a reabilitação da razão prática e da argumentação jurídica; a formação de uma nova hermenêutica constitucional; e o desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais, edificada sobre o fundamento da dignidade humana. Nesse ambiente, promove-se uma reaproximação entre o direito e a filosofia”188.

Cumpre salientar que o marco histórico do neoconstitucionalismo no Brasil não coincidiu com o marco europeu do deslinde da 2ª Guerra Mundial, haja vista o país ingressar num período de ditadura militar que se findou apenas com o advento da Constituição Federal de 5 de outubro de 1988. Nesses termos, os princípios e valores, a busca de uma justiça no direito posto apenas passaram a ecoar no ordenamento jurídico pátrio após essa Constituição. Portanto, o que tratamos ainda como uma grande novidade já não o é na mesma intensidade no cenário jurídico internacional.

Do que se depreende do neoconstitucionalismo, ou do pós-positivismo, como um sistema jurídico baseado em princípios e valores, a presença e a preocupação com a dignidade da pessoa humana no debate jurídico, o resgate de uma noção de justiça para amoldar o direito posto, a abertura do sistema jurídico de forma a não ficar coarctado a letra expressa da lei, a busca de uma politização do Direito e de uma judicialização da Política e até mesmo pelo seu marco histórico, quer seja na Europa, pelo fim da 2ª Guerra Mundial ou no Brasil pela vigência da CF/88, averigua-se que é um redimensionamento do Direito para adequá-lo a um paradigma de Estado social.

Sendo mais claro: o pós-positivismo se compraz com o Estado social e para esse foi modelado, visando se subtrair à aplicação cega de uma lei que era a forma jurídica que se adequava ao Estado liberal. No Estado liberal, o direito era sinônimo de legal, não havia que se perquirir da Justiça, e sim do exclusivamente legal. A igualdade era a meramente

188 “In” Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito: o triunfo tardio do direito constitucional no

Brasil. Ob. cit., p. 5.

Segundo esse jurista há ainda “três grandes transformações subverteram o conhecimento convencional relativamente à aplicação do direito constitucional: a) o reconhecimento de força normativa à Constituição; b) a expansão da jurisdição constitucional; c) o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional” (p. 6). Para não ficar enfadonhamente reproduzindo o que já escreveu o professor Barroso sobre essas transformações, remetemos o leitor a leitura desse artigo.

formal, desapegada da material, o que acabava resultando numa desigualdade. Os valores e princípios eram colocados de lado na intenção de se esculpir uma teoria pura do direito.

É no Estado de bem-estar que os valores e princípios voltam a ganhar destaque no cenário jurídico, que a Justiça ensaia se reaproximar do Direito na tentativa de corrigir as mazelas que ainda é impingida pelo modo de produção em vigor (capitalismo), que a preocupação com a igualdade material e a dignidade da pessoa humana ocupam as discussões jurídicas e que a aplicação sem questionamentos da lei é rechaçada.

A par disso, verificamos que não há um encaixe perfeito entre o neoliberalismo e o neoconstitucionalismo. Há uma certa contrariedade nessas ideologias. O “neo” do liberalismo não caminha lado a lado com o “neo” do constitucionalismo. Na verdade, o “neo” do constitucionalismo já se mostra atrasado em relação ao “neo” do liberalismo, haja vista que o neoliberalismo pretende ser uma fase posterior à socialdemocracia do ocidente, sendo que é neste último que se finca a metódica do neoconstitucionalismo. Isto significa que o neoconstitucionalismo aparentemente caminha atrás do neoliberalismo. Resta a pergunta: então, porque se preocupar com uma teoria que se mostra atrasada no seu tempo?

Na realidade, o neoconstitucionalismo não se mostra atrasado no tempo, pois é uma teoria que visa manter e preservar o Estado social, não o entregando completamente a um neoliberalismo que já se mostra eficaz no plano econômico. O neoconstitucionalismo não é uma teoria que visa adequar a superestrutura jurídica à infra- estrutura capitalista neoliberal, e sim manter a superestrutura social num cenário de neoliberalismo189.

189 Entre o descompasso do constitucionalismo brasileiro originado na Constituição de 1988 e o sistema

econômico que se instaura posteriormente a ela, já lecionou o professor Alysson Mascaro:

“No entanto, em face de toda a história anterior do direito brasileiro, a Constituição promulgada em 1988 é certamente o melhor diploma legislativo já produzido no Brasil. Numa tentativa de amainar ímpetos sociais revolucionários a partir da mera declaração de direitos, produziu-se uma carta constitucional avançada em certos princípios, embora muito conservadora em tantos outros mais.

O sistema econômico previsto pela Constituição de 1988 previa um crescimento das políticas de bem- estar social, de intervenção do Estado na economia, inscrevendo a função social da propriedade como um de seus vértices. No próprio plano do trabalho, assegurou uma maior participação dos trabalhadores nas empresas e na organização sindical.

Os tempos da nova Constituição foram, certamente, os de maior tensão e, ao mesmo tempo, de maior ganho social em toda a história jurídica do Brasil. Tratava-se de um movimento de culminância de uma longa seqüência histórica. De 1930 para frente, a massa de trabalhadores assalariados foi subindo quantitativamente, e, em 1988, estava no auge de suas reivindicações. Assim, foi construída uma série de legislações, a começar das normas constitucionais, que apontava juridicamente para um futuro de diminuição da pobreza e das desigualdades.

No entanto, mesmo esse ambíguo processo formal, meramente normativo, não logrou vingar seus postulados mínimos. Quando a hora do interesse social chegou, o Brasil mudou seu padrão econômico, e, em vez

Enquanto no Estado social houve a positivação de direitos sociais, o dever do Estado intervir para corrigir os desgastes do capitalismo no tecido social, a problemática residia basicamente na implementação desses direitos. Na atual conjuntura em que o neoliberalismo ganha cada vez mais força, obtendo êxito na redução e até mesmo na supressão de direitos sociais, o resgate desses valores sociais tem sido fruto de uma construção doutrinária afeta ainda com os ideais de uma socialdemocracia.

Explicitando melhor essa idéia, verificamos que com a revogação de várias leis que tratam dos direitos sociais ou as alterações legislativas de forma a diminuir sua intensidade (vide as várias reformas no sistema de previdência) empreendida pelo vigor neoliberal, a salvaguarda dos direitos sociais tem se dado por uma construção de princípios e valores, balizados na dignidade da pessoa humana e na busca de se realizar uma vertente de Justiça, que, por vezes, acabam por substituir o texto revogado ou alterado ou, pelo menos, resguardando um núcleo mínimo vital.

Por conseguinte, o neoconstitucionalismo não é uma teoria que se mostra atrasada, e sim que caminha pari pasu com o neoliberalismo, pois consoante este elabora novas investidas a favor do mercado livre, o neoconstitucionalismo também compõe novas formas para manutenção dos direitos sociais, da dignidade da pessoa humana e de um Estado social, pelo menos, na sua essência.

Assim é o que o neoconstitucionalismo se mostra muito mais como uma teoria de manutenção do Estado social quando este entra em crise, do que uma doutrina de afirmação do próprio Estado social em sua origem. Por isso que ele (neoconstitucionalismo) surge num cenário em que o neoliberalismo se mostra pujante, haja vista a necessidade de se elaborar teses para refrear a submissão do ser humano ao mercado, objetivo maior de neoliberalismo.

No neoconstitucionalismo, quando o Estado se vê impossibilitado de dar cabo de determinado direito social, ele aponta uma alternativa, permitindo o ingresso de

de ofertar então as migalhas agora juridicamente previstas, abandonou definitivamente o modelo intervencionista, cuja parte de mínima correção de desigualdades sociais teria início. O Brasil passou a ser neoliberal.

A década de 1980 representou um tempo de descompasso entre as aspirações polítco-jurídicas e as aspirações econômicas do capitalismo brasileiro. A Constituição de 1988 é o coroamento da política econômica que se implantou durante a maior parte do século XX no Brasil, baseada na associação do Estado com a burguesia, promovendo o desenvolvimento e o crescimento econômico. Neste sentido, constitucionalmente foi reservado ao Estado também um papel redistributivo. No entanto, o movimento jurídico ocorrido no Brasil foi um canto de cisne só veio a se consolidar quando o modelo econômico desenvolvimentista estava em vias de ser trocado por um modelo neoliberal” (“In” Lições de Sociologia do Direito. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 190 e 191).

novos atores sociais, oriundos de uma mobilização de setores da sociedade civil para auxiliar na concretização de um específico direito social. A problemática é que o neoliberalismo também vê a atuação desses atores e labora na tentativa de cooptação destes para atendimento aos seus desideratos. Essa é a tensão que se estabelece no seio da sociedade.

Não nos descuremos de prováveis tentativas de enquadrar o neoconstitucionalismo como uma nova forma de encarar do Direito em face do neoliberalismo, de forma a legitima-lo. Trata-se essa de uma visão deformada que desconhece a evolução da metódica jurídica. O neoconstitucionalismo se preocupa com um Direito que preserve a dignidade da pessoa humana, busque uma maior Justiça, diferentemente do neoliberalismo que se preocupa com uma nova libertação do mercado e sua supremacia, inclusive sobre o próprio ser humano.

No neoliberalismo é como se o mercado e a economia fossem atividades fins e separadas da sociedade. É como se o mercado e a economia existissem por si só, e o homem seria seu mero insumo. É invertida a ordem: o homem existe para o mercado, o homem é que deve fomentar e criar as melhorias para o mercado, e não o contrário.

Não é que no neoconstitucionalismo sejam as coisas colocadas no seu devido lugar, em que o mercado passa a existir para o homem, sendo aquele apenas o meio para a realização humana e o verdadeiro insumo do homem, mas nesse novo constitucionalismo há uma intenção de se emparelhar sociedade e mercado, e não separa-lo, colocando o homem em pé de igualdade com o mercado. Na atual conjuntura, lograr dar importância ao ser humano no mesmo nível que o mercado já é uma conquista hercúlea e que deve ser perseguida até que se alcance colocar as coisas no seu devido lugar, em que a primazia será do homem sobre a economia.

O tema que temos em foco (responsabilidade pública do Estado social) se insere exatamente nesse neoconstitucionalismo.