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I) APONTAMENTOS DO ESTADO MODERNO E O ADVENTO DO ESTADO SOCIAL:

1.4.1 Uma nota sobre a globalização:

Como já dito pelo professor Avelãs Nunes:

“A verdade, porém é que (...) as viagens oceânicas dos portugueses, a partir do século XV, deram origem à primeira onda de mundialização e de globalização, marcada pela colonização e pela pilhagem de vários povos e pelo tráfico de escravos. A segunda onda de globalização teve lugar por força e por ocasião da corrida às colônias que acompanhou a segunda revolução industrial, no último quartel do século XIX. Nela, as grandes potências capitalistas dividiram entre si os territórios colonizados, cientes de que, para os países ricos, as colônias constituem uma das formas mais vantajosas de colocação de capitais... Nesse nosso tempo marcado pela terceira onda de globalização, a produtividade do trabalho humano e a produção efetiva de riqueza têm aumentado como em nenhum outro período da história, incluindo o período da primeira Revolução Industrial, período durante o qual, quiçá pela primeira vez, os homens tomaram consciência de que podiam transformar o mundo, tal o ritmo do crescimento econômico (era como se a economia levantasse vôo, escreveu uma autor da época). Hoje, a economia levantou mesmo vôo E, no entanto, a miséria alastra e a desigualdade cresce”171. Vamos nos fincar nessa última onda de globalização.

A globalização é um fenômeno complexo que abarca aspectos econômicos, políticos, ideológicos, culturais e sociais. Logicamente que sua mola propulsora é a economia, pela qual se verifica a mundialização do mercado econômico, o que gera conseqüências em todos os outros aspectos

170 “In” A desigualdade é violenta. Folha de São Paulo, 21/10/2007, p. A3.

171 “In” Neoliberalismo e direitos humanos. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 67 e 71.

O professor Avelãs ainda faz uma breve análise do que significou essas três ondas de globalização: “Os povos colonizados foram as grandes vítimas destas duas ondas de mundialização e globalização. Eles estão a ser as vítimas da atual onda de globalização e do neoliberalismo que a orienta e condimenta. Eles pagam, com a sua dependência, com o seu desenvolvimento impedido, uma parte importante dos custos do desenvolvimento das potências capitalistas e da sua sociedade de abundância” (p. 68)

Para que essa internacionalização do mercado ocorresse foi necessário um incremento na informação, na comunicação e nos transportes de forma a ser o mais rápido possível e ter uma amplitude também mundial. A essa revolução nos meios de comunicação, informação, da informática e transporte se dá o nome de 3º Revolução Industrial.

De fato, não há como não se verificar o avanço nos meios de comunicação, informação e informática, pelo qual, a qualquer hora do dia e da noite, em qualquer dia da semana podemos nos conectar com qualquer região do globo. Da mesma forma nos transportes, pois podemos estar em qualquer lugar do mundo em poucas horas e levar mercadorias na mesma intensidade.

Não há como não atribuir à globalização avanços significativos na produção e circulação de mercadorias. Atualmente, desenvolveu-se mecanismos aptos a produzir mais alimentos do que o necessário para alimentar o mundo, contrariando as regras malthusianas de que a capacidade de produção cresce em progressão aritmética e a população do mundo aumenta em progressão geométrica. Hoje, é possível produzir em quantidade muito maior do que a progressão geométrica. Resta perquirir: por que, então, boa parte do mundo passa fome? São inegáveis também os progressos, em virtude da globalização, da ciência, da medicina, da genética, da cibernética, de engenharia e das várias tecnologias que se apresentam todos os dias. Mas ainda sim ficam as indagações: por que, então, grande parte da população mundial ainda morre em decorrência de doenças antigas, para os quais já existem vários tipos de remédios? Por que expressiva parcela da população ainda mora em lugares insalubres, sem saneamento, sem a menor estrutura, em favelas?

Respondemos com as palavras de Arno Keller:

“Entretanto, esse avanço tecnológico não está contribuindo para melhorar as condições de vida das pessoas, com uma melhor distribuição da renda, bem-estar social e justiça. Esses engenhos estão a serviço dos detentores privilegiados que, na verdade, são um ‘punhado de firmas’ que dominam a pesquisa mundial, mas em seu próprio benefício”172.

Como dito, esses avanços não são para todos, ficando restrita a uma pequena parcela da população mundial, servindo para aumentar o fosso existente entre ricos e pobres. O professor Avelãs traz alguns números para deixar ainda mais escancarado esse desnível:

172 “In” O descumprimento dos direitos sociais: razões políticas, econômicas e jurídicas. São Paulo: LTr, 2001,

“o comércio mundial cresceu 10% em 2000, segundo dados da ONU. Mas não cessou de aumentar a miséria dos que já eram miseráveis e não cessou de acentuar-se o fosso que separa os países ricos dos países pobres (a diferença do nível de rendimento era de 3 para 1 em 1820, tendo-se atingido a relação de 11 para 1 em 1913, a relação de 50 para 1 em 1950 e de 72 para 1 em 1992). Um em cada cinco habitantes do planeta vive hoje com menos de um dólar por dia; o valor dos ativos das duzentas pessoas mais ricas do mundo ultrapassa o rendimento de 41% da população mundial; a tributação em 1% da riqueza destas pessoas bastaria para garantir o acesso ao ensino básico a todas as crianças do mundo; 20% dos habitantes da aldeia global arrecadam 86% do produto bruto mundial”173.

O que devemos ter em vista é que a intenção primeira dessa 3ª onda de globalização é intrinsecamente conectada ao desenvolvimento da economia, a descoberta de novas fontes de negócios, a necessidade de expansão do capitalismo. Os demais aspectos vêm, não apenas como contrapartida para incremento do modo de produção capitalista, mas também como instrumento de eficácia da própria globalização.

Como a globalização esmera as restrições das barreiras físicas e artificiais do território estatal para a circulação de mercadorias, o que torna mais factível o implemento da ideologia neoliberal. O neoliberalismo, que existia mais como ideologia, tendo alguns poucos êxitos concretos, torna-se deveras profícuo com a globalização. Assim, a globalização que poderia ser utilizada num contexto de aproximar os povos, de compreensão de outras culturas, para o desenvolvimento do próprio homem, pela apropriação do neoliberalismo, se torna mais do que uma aproximação de mercados, servindo mesmo para desmantelar e desregular os mercados nacionais, gerando a total dependência ao mercado externo, dilatando a vala entre os países ricos e pobres. O ser humano, a compreensão do “Mitsein”, mais uma vez é relegada a 2º plano.

Não se iluda o leitor em pensar que a globalização é de pessoas. Pois não o é. A globalização tem um fito específico que é o de mundializar a circulação de mercadorias. A circulação de pessoas em nível internacional apenas ocorre quando o ente humano vale como mercadoria, isto é, quando pode propiciar negócios para os países contratantes ou incrementar a atividade de turismo. Isto simboliza a reificação do ser humano em nível internacional, pois apenas vai ter acesso livre a outros países quando carregar consigo capacidade econômica para potencial emprego em atividade turística ou na formulação de contratos internacionais.

Se a globalização fosse de pessoas, não haveria porque os E.U.A construírem um muro na fronteira com o México de forma a impedir o ingresso de países da América Latina no seu território, os países europeus embaraçarem a entrada de pessoas oriundas também da América Latina (vide o recente caso de brasileiros barrados e deportados da Espanha), da África e da Ásia nos seus territórios e a questão dos imigrantes naqueles países (EUA e Europa) serem tratados como questão de soberania e de prioridade estatal.

Como se percebe, as barreiras territoriais são esmorecidas para a circulação de mercadorias e intensificadas para o trânsito humano.

O professor Paulo Bonavides labora exatamente com essa idéia de que a globalização apropriada pelo ideário neoliberal é essencialmente a econômica. Inclusive para esse jurista cearense, uma transformação nas estruturas sociais poderia ocorrer se a globalização política também acompanhasse a globalização econômica, o que não vem sucedendo:

“Por um cálculo estratégico de conveniência, o neoliberalismo não se ocupa da globalização política; deixa o tema submerso no esquecimento e omissão. Bem sabe ele que essa globalização é irmã siamesa da outra da qual não se pode apartar, e, sendo a sucessora do imperialismo ou a sua mais nova e refinadíssima versão, é altamente explosiva, e cheia de enormes riscos... A globalização econômica coloca o capitalismo outra vez na selva. Do estado de natureza ele sairá tão-somente pela artéria da globalização política se esta assumir feição democrática”174.

A tábua de salvação da globalização seria inserir em seu bojo, mais amplo do que a globalização política, também a globalização dos direitos humanos num sentido prospectivo de eficácia internacional, sendo regulado e fiscalizado por organismos internacionais capazes de determinar sua aplicação e respeito no âmbito interno do Estado175. Ocorre que pelo ideário neoliberal que se apropria da globalização, organismos internacionais como a ONU, a OIT e a CEPAL, que poderiam dar uma dimensão mais profunda na proteção dos direitos humanos, sociais e econômicos em nível internacional, perdem importância para outros organismos também internacionais como o FMI, o Banco Mundial e a OMC, que são os guardiões e principais fomentadores da concretização do neoliberalismo principalmente

174 “In” Do País Constitucional ao País Neocolonial (a derrubada da Constituição e a recolonização pelo golpe de

Estado Institucional). 3º ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 140 e 141.

175 Para um aprofundamento da globalização dos direitos humanos ver: Flávia Piovesan, Direitos Humanos e

Globalização. In: Direito Global/ Carlos Ari Sundfeld e Oscar Vilhena Vieira (coordenadores), São Paulo: Max Limonad, 1999, p. 195/208.

nos países da periferia do capitalismo. Por isso, a globalização, numa análise mais concreta, se torna expressão da mundialização dos mercados e da internacionalização da circulação de mercadorias176.

A soberania estatal, as barreiras territoriais, são em certa medida vilipendiadas pela globalização econômica, afinando-se assim com o discurso neoliberal de Estado mínimo. A função do Estado passa a ser mais do que a de fomento à produção para incremento do capitalismo e com isso poder contar com mais recursos para aplicar nos direitos sociais, mas também a de auxiliar o próprio capitalismo na contenção da produção para que se consiga segurar os preços e aumentar as taxas de lucros.

Com o incremento tecnológico, a produção é barateada e potencializada, ou seja, é mais barato se produzir, podendo-se aumentar em muito a fabricação de mercadorias. Todavia, esse segundo elemento não é colocado em prática, pelo menos não em seu potencial máximo, pois não haveria um mercado consumidor suficiente a consumir todas as mercadorias que poderiam ser geradas.

Se fosse utilizada toda a capacidade produtiva, as mercadorias perderiam logo seu valor, tendo seu preço reduzido e diminuindo, conseqüentemente, a taxa de lucro. Esse é o exato conteúdo do que é uma recessão econômica que diuturnamente vivemos sob ameaça, alegando-se ser um dos maiores males para o mercado econômico. A recessão não é a incapacidade de produção, mas sim a incapacidade de se consumir tudo o que é produzido, pois aí não circula as mercadorias, e sem circulação não se gera riqueza capitalista, ficando a economia estagnada. Por isso, que sempre que a ameaça se torna mais iminente, sem demora, já se vêem as grandes empresas concedendo férias coletivas para seus empregados na tentativa de frear a produção, as mercadorias começam a serem retirados do mercado, visto

176 Sobre esse descompasso dos organismos financeiros internacionais na proteção dos direitos humanos, já se

pronunciou a jurista Flávia Piovesan:

“Embora as agências financeiras internacionais estejam vinculadas ao sistema das Nações Unidas, na qualidade de agências especializadas, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, por exemplo, carecem da formulação de uma política vocacionada aos direitos humanos. Tal política é medida imperativa para o alcance dos propósitos da ONU e, sobretudo, para a coerência ética e principiológica que há de pautar sua atuação... Há que romper com os paradoxos que decorrem das tensões entre a tônica includente voltada para a promoção dos direitos humanos, consagrada nos relevantes tratados de proteção dos direitos humanos da ONU (com destaque ao Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais), e, por outro lado, a tônica excludente ditada pela atuação especialmente do Fundo Monetário Internacional, na medida em que a sua política, orientada pela chamada ‘condicionalidade’, submete países em desenvolvimento a modelos de ajuste estrutural incompatíveis com os direitos humanos. Além disso, há que fortalecer a democratização, a transparência e a accountability dessas instituições. Note-se que 48% do poder de voto no FMI concentra-se nas mãos de 7 Estados (EUA, Japão, França, Inglaterra, Arábia Saudita, China e Rússia), enquanto no Banco Mundial 46% do poder de voto pertence aos mesmo Estados” (“In” Direitos humanos e justiça internacional: um estudo comparativo dos sistemas regionais europeu, interamericano e africano. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 24 e 25)

que é melhor perder parte da produção do que gerar uma baixa generalizada dos preços, tudo com vistas a manter os atuais níveis de valor monetário das mercadorias e assegurar a taxa de lucro.

Sem embargo do poder de produção alcançado no capitalismo, vale apontar que a industrialização, a criação de mercadorias reais, concretas não são mais a tônica desse capitalismo pós-moderno. Já dissemos que o capitalismo evoluiu do mercantil para o industrial e depois para o financeiro, sem que um não significasse o fim do outro, mas apenas uma relação de preponderância. Pois bem, nas engrenagens do capitalismo financeiro, a globalização acirrou a forma especulativa de circulação de riqueza, em que não se precisa produzir nada ou se produzir muito pouco para que se possa obter ganhos.

Nesse capitalismo financeiro-especulativo, a mercadoria circula sem sair do lugar. Ela é transferida para outros proprietários sem que precise se deslocar para outras mãos. Antes da mercadoria ter sido produzido ela já poderá ter passado pela titularidade de vários especuladores, sem que ninguém detivesse a posse física dessa mercadoria. A circulação é feita mesmo sem a existência real da mercadoria. E o preço é definido pela mera especulação. Isso fica muito bem caracterizado quando analisamos como se dá a movimentação na BM&F – Bolsa de Mercadorias & Futuros e nas negociações de commodities177.

O jurista português Avelãs Nunes aborda a temática desse capital especulativo nos seguintes termos:

“A liberdade concedida aos especuladores deu origem à economia de casino, divorciada da economia real e da vida das pessoas comuns: o montante das transações financeiras internacionais é hoje 50 vezes superior ao valor do comércio mundial; cerca de dois bilhões de dólares circulam diariamente no mercado cambial único em busca de lucro

177 Arno Keller se manifesta nos seguintes termos sobre o capital especulativo, citando o caso específico do

Brasil:

“Os Estado Nacionais não têm mais mais meios de se opor aos mercados flutuantes, especulativos, porque, além da instalação de grandes empresas multinacionais que implantam filiais de suas megaindústrias nos Estados que recebem incentivos fiscais, ocorrem maciças privatizações de grandes empresas públicas, que atuam em diversas áreas, que vão desde a produção, distribuição e serviços. No Brasil, temos como exemplo a privatização da Vale do Rio Doce, na área da siderurgia; a venda de empresas estatais de energia elétrica e sua distribuição; a distribuição de petróleo; na área de serviços, a entrada do capital estrangeiro nos planos de saúde e, no setor financeiro, a participação de grupos internacionais na privatização de bancos estaduais ou que tiveram participação de capital da União. De modo que os Estados não possuem meios de frear o fluxo de entrada de capital externo, que entra por meio das subsidiárias ou filiais das grandes empresas globalizadas. Ademais, sufocados financeiramente com a dívida externa, déficit na Balança Comercial e já nas mãos dos organismos internacionais, como o FMI, o Banco Mundial ou a Organização Mundial do Comércio (OMC), os governantes submetem-se às instruções destes, que comandam a política econômica e, desta forma, como já frisado, permitem a transferência de decisões importantes em matéria de investimento, emprego, saúde, educação, cultura, proteção do meio ambiente, que sempre estiveram sob o comando do poder público para a esfera privada” (“In” ” O descumprimento dos direitos sociais: razões políticas, econômicas e jurídicas, ob. cit., p. 51).

fácil e imediato, sem qualquer relação com a atividade produtiva ou do comércio. O resultado está à vista: grande instabilidade das taxas de juro e das taxas de câmbio, turbulência nas bolsas de valores e nos mercados de câmbio, crises recorrentes nas economias de vários países.

A especulação acentuou a instabilidade e a incerteza, o que significa um agravamento dos custos de funcionamento da economia. Em contrapartida, os grandes especuladores acumulam enormes ganhos de capital (basta recordar que, segundo as melhores estimativas, a tributação das transações especulativas nos mercados de divisas à taxa de 0,1% - taxa Tobin – permitiria mobilizar mais de mil milhões de dólares por ano). E apenas os grandes conglomerados transnacionais têm beneficiado com a baixa dos custos do financiamento direto, porque só eles têm acesso à utilização plena dos novos instrumentos financeiros. À margem dos ganhos do mercado livre têm ficado as pequenas e médias empresas (que constituem, na generalidade dos países, a base da estrutura produtiva e do emprego) e têm ficado também os países mais fracos e menos desenvolvidos, muitos deles enleados na teia infernal da dívida externa, uma espécie de prisão perpétua por dívidas”178.

Um sítio pouco explorado, mas que vale destacar, é sobre a virtualização do capitalismo. Em que pese o capitalismo financeiro utilizar de uma virtualidade no sentido de desapego ao real, ou seja, os valores oriundos do capitalismo financeiro não guardam o mesmo lastro que as mercadorias concretas produzidas pelo capitalismo industrial, haja vista o poder da especulação no primeiro, a acepção que pretendemos enfocar é o capitalismo virtual da internet, que é fruto direto da globalização.

Não carece formular longos raciocínios para demonstrar que esse é um novo campo de negociação e um novo mercado que se abre. Também não é preciso estabelecer qualquer premissa para se chegar a conclusão de que se trata de um capitalismo predominantemente virtual, ou seja, não-real.

178 “In” Neoliberalismo e direitos humanos, ob. cit., p. 75.

Vale a nota da crítica que esse professor faz aos paraísos fiscais:

“As contradições da globalização financeira ficam claro se lembrarmos o esforço sistemático dos defensores do mercado livre, da liberalização e da desregulamentação no sentido de criar novos espaços protegidos por fronteiras artificiais, muito mais invioláveis e intransponíveis do que as fronteiras dos estados nacionais soberanos que se dizem coisa do passado. Referimo-nos, é claro, aos chamados paraísos fiscais ou paraísos bancários, que são também (e cada vez mais) sobretudo paraísos judiciários, espaços sem lei, sem impostos, sem polícia, sem tribunais.

Trata-se de verdadeiros ‘estados mafiosos’ ou de reservas criadas por medida para garantir refúgio seguro, em nome da liberdade e do mercado, a capitais especulativos de todo o tipo, muitas vezes oriundo de (e promotores de) negócios escuros e criminosos. Neste mundo à margem da lei os ganhadores são precisamente os que não respeitam qualquer lei. Segundo os especialistas, por estes e outros canais passa diariamente o branqueamento de mil milhões de dólares provenientes do crime organizado. O esquema é conhecido e poderia ser desmantelado. Em nome da liberdade do capital, não o querem os poderosos do mundo” (p. 78).

Nesse novo mercado virtual, o capitalismo se abre para lugares antes inimagináveis. É quase se a metafísica fosse incorporado ao mundo físico e, logicamente, o capitalismo se apoderasse dos dois mundos. O que é interessante notar é que nesse mercado virtual se negociam mercadorias reais e virtuais. Não há uma exclusividade. Inclusive a própria empresa que negocia a mercadoria pode nem existir ou existir apenas virtualmente.

Esse mercado virtual atende muito bem aos anseios do capitalismo, pois funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana. Os gastos com funcionários são reduzidos, pois o próprio consumidor é que escolhe o que quer, dispensando funcionários que o orientem, e ele mesmo paga, dispensando outros funcionários para o caixa. Além disso, não é preciso ter estabelecimento físico, reduzindo com isso tributos e tarifas (água, luz, gás, telefone etc). E em boa parte dos casos a mercadoria é virtual, não precisando ter gastos com a fabricação. Portanto, a sistemática do maior lucro possível com o menor custo fica plenamente atendido nesse novo mercado virtual.

Afora isso, nesse novo mercado virtual as interferências externas, estatais, são bem menores. O poder de polícia do Estado nesse mercado virtual é incipiente e quase que ineficaz. Realiza, portanto, o ideal neoliberal quase que pleno da completa libertação do mercado. De fato, a completa libertação do mercado apenas seria viável num mundo virtual, num mundo paralelo ou num mundo de deuses, e não num mundo de homens de carne e osso,