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III. RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICA

7. Destinatários do dever de informação

Quanto à obrigação de informar, importa saber quem deve ser informado, se a mãe ou também o futuro pai. Na verdade, como já vimos, as regras relativas ao aconselhamento genético referem um dever de informação e de esclarecimento do casal, mas as que respeitam ao consentimento restringem-no à mulher, o que parece revelar uma aparente contradição91.

Ora bem, estando em causa conceturos, a informação deve dirigir-se a ambos os progenitores porquanto o futuro da sua descendência é algo que depende das condições atuais de ambos e, por tal motivo, a informação sobre o projeto concetivo acaba por ser uma informação sobre o estado de saúde de ambos92.

Do mesmo modo, na fase de seleção pré-implantatória de embriões, num momento posterior à conceção e antes da implantação, considera G. OLIVEIRA que “parece difícil

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A identificação do dano nestas ações com a privação da liberdade de decisão sobre a procriação futura (no caso de falso negativo pré-concetivo ou pré-implantatório) ou com a privação à gestante da faculdade de decidir acerca da interrupção voluntária da gravidez (no caso de diagnóstico pré-natal erróneo), como consequência da negligência médica que impede a decisão, acaba por centrar o dano no nascimento e, como veremos, a identificação do dano com o nascimento não é aceite pacificamente, uma vez que “le plus élémentaire bon sens repugne à l’idée d’octroyer une réparation pour n’avoir pu commettre une injustice”, SÉRIAUX, apud MORILLO, Andrea Macia,ob. cit, p. 347, nota 53. Por outra parte, partindo o ordenamento da ideia a indemnização surge quando se viola um direito, poderá mais facilmente aceitar-se a procedência destas ações à luz da noção de dano como violação da dignidade pessoal e do livre desenvolvimento da personalidade – assim, MORILLO, ob. cit., p. 358-359.

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Como é posto em evidência por RODRIGUES, João Vaz, O consentimento informado para o acto médico no

ordenamento jurídico português, 2001, p. 96.

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excluir o futuro pai do ato jurídico da prestação de consentimento”, posto que nesse caso os embriões ainda se encontram fora do corpo feminino93.

Recorde-se ainda que, no âmbito de uma das técnicas de reprodução medicamente assistida (a fertilização in vitro), a seleção pré-implantatória visa exatamente a deteção de genes defeituosos, pelo que deve aceitar-se como indispensável o consentimento do homem94. Ora, no tocante à posição do pai no projeto concetivo, deve lembrar-se que o mesmo pode ter uma dupla qualidade, a de pai e a de marido da mãe.

Assim, enquanto progenitor, assiste-lhe o direito de participar nas decisões relativas ao nascituro, do qual é, com a mãe, representante legal, por força do disposto no art. 1878.º, n.º 1, do Código Civil. E, como marido, cabe-lhe o direito de decidir sobre a orientação da vida em comum, tendo em conta o bem da família (art, 1671.º, n.º 2, Código Civil).

Todavia, ainda assim, estando em causa a saúde e a integridade física da mulher grávida e posto que as intervenções clínicas – mormente em sede de DPN – hão-de atuar sobre o corpo da mesma, não parece restar alternativa senão dar prevalência à vontade da mulher, tanto mais que não se poderia – mesmo judicialmente, no âmbito de hipotético procedimento de decisão judicial de conflito (art. 1901.º, n.º 2, Código Civil) – executar decisão que passasse por intervenção sobre o corpo da mulher contra a sua vontade.

Também a decisão sobre o aborto cabe à mulher, uma vez que a sua vontade de não procriar preleva a vontade do homem em contrário95, sendo expressa a lei em aludir apenas ao consentimento dela para o aborto (art. 142.º, n.º 4, Código Penal).

Daqui parece decorrer que a obrigação de informação tem por destinatário somente a mulher96. Pensamos, todavia, poder concluir outra coisa, de que a informação deve ser transmitida a ambos os progenitores97.

Vejamos, para lá da questão de saber quem deverá receber a informação ou dar o consentimento, a verdade é que nas ações por wrongful birth a prestação de saúde, quer em sede de diagnóstico pré-concetivo ou pré-implantatório, quer em sede de diagnóstico pré- natal, é dirigida à descendência futura, que é conjunta, pelo que o diagnóstico erróneo afeta a liberdade de procriação de ambos os progenitores.

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OLIVEIRA, G., O direito do diagnóstico, RLJ, 132, p. 7.

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Sobre o caso concreto da decisão sobre os embriões excedentários, pode ver-se RAPOSO, Vera Lúcia, O dilema do Rei

Salomão: conflitos de vontade quanto ao destino dos embriões excedentários, Lex Medicinae, Ano 5, n.º 9, 55-80. 95

E o mesmo no caso inverso, i.é, o direito da mulher a ter um filho vence o direito do homem a não o querer, já que este não pode forçar a mulher a abortar, porque acima da liberdade de procriar estará o direito à integridade física da mulher.

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É essa a posição de OLIVEIRA, Guilherme de, O direito do diagnóstico, RLJ, 132, p. 11.

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Assim, apesar de o n.º 3 c) do Despacho n.º 5411/97 mencionar o consentimento da grávida para a realização de procedimentos de DPN, o dever de informação do art. 44.º do Código Deontológico alude genericamente a doente, assumindo tal posição todo aquele que demanda a prestação médica. Ora, a demanda médica no quadro dos diagnósticos genéticos ocorre, geralmente, por solicitação de ambos progenitores, sendo ambos parte do contrato, o que não significa que o progenitor não interveniente não possa reclamar indemnização em sede de responsabilidade extracontratual98.

Ademais, releve-se que o dano, nas ações de wrongful birth, não reside propriamente na lesão do direito à informação em si mesma. A informação é importante apenas na medida em que a sua falta ou deficiência priva os progenitores da faculdade de decisão sobre a descendência futura ou a continuação da gravidez.

A informação interessa a ambos os progenitores, pelo que a ambos deve ser transmitida, podendo a falta ou deficiência da mesma ocasionar danos exercitáveis por via destas ações99.

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Embora a doutrina estrangeira considere a contrato celebrado por um dos progenitores extensível ao progenitor não contratual, seja por via das regras do regime de casamento (se existir casamento), seja pelas da figura do contrato com eficácia relativamente a terceiros – cfr. MORILLO, Andrea M., ob. cit., p. 167, e MORAITIS, Anastasios, When

childbirth becomes damage, in Lex Medicinae, Ano 4, n.º 8, 2007, p. 49, nota 51.

99 “(…) en el marco de la libertad de procreación quedan legitimados ambos progenitores, ya que se trata de una libertad

atribuida actualmente a toda a persona de forma individual, como derivada de su dignidad y del libre desarrollo de su personalidad. Esta regra general, no obstante, se exceptúa en los casos em que únicamente uno de los progenitores sea designado como receptor del diagnóstico en cuyo seno se produce el falso negativo (...)”, MORILLO, Andrea M., p. 361. Já RAPOSO, Vera Lúcia, considera que “em bom rigor, a ilegítima limitação da autodeterminação reprodutiva apenas se verifica em relação à mãe, Porém, tal não impede que o pai intervenha igualmente nestas ações, na medida em que os restantes danos consequenciais que identificámos também a si dizem respeito” (in Responsabilidade médica em sede, RMP, 132, p. 105-106).

IV – RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICA E WRONGFUL

ACTIONS