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III. RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICA

5. Dever de informação e obrigação de resultado

A obrigação do profissional de saúde, no que tange ao aconselhamento genético, vai referida não apenas à extensão e profundidade da informação, mas igualmente ao momento da mesma e isto mercê da necessidade de respeitar as normas que permitem o aborto dentro de certo prazo, no âmbito do qual a informação poderá ter ainda alguma eficácia.

Já se vê que, nestes casos, o cumprimento do dever de informação (cuja prova se impõe) se estende para além da prestação do ato médico. O dever de informação não encontra

70

Cfr. OLIVEIRA, Guilherme, O Direito do diagnóstico, p. 10.

71

OLIVEIRA, G., Ibidem.

72

Salienta ARAÚJO, Fernando, in A procriação assistida e o problema da santidade de vida, p. 104, “as perguntas a fazer são essencialmente duas: poderia o médico que aconselhou os progenitores ter previsto o tipo de despesas extraordinárias em que eles incorreriam levando a cabo a procriação? e, se pode prever, porque não desaconselhou a procriação ou porque é que colaborou nela?”

o seu fundamento na necessidade de obtenção de consentimento que legitime a intervenção, mas antes na dignidade da paciente. Assim, o objeto principal da prestação médica é precisamente a comunicação do próprio diagnóstico.

Por esta razão, “se o médico se abstiver de comunicar o resultado dos exames viola claramente as suas obrigações contratuais e deve ser responsabilizado por isso”73

; tratar-se-á, por isso, “de casos em que estamos paredes meias entre os problemas do consentimento informado e o erro médico”74.

Com efeito, “este é precisamente um dos casos em que a atividade médica que, em regra, se resume a uma obrigação de meios, se transmuta numa obrigação de resultado, pois atendendo ao elevado grau de especialização alcançado pelos exames laboratoriais, em que a margem de incerteza é praticamente nula, sobre aquele que analisa os resultados destes exames recai também uma obrigação de resultado”75

.

Na realidade, é crescente o reconhecimento de que existem áreas em que a componente aleatória ou não dominável pelo médico é reduzida, como sucede quando a sua prestação implica o uso de aparelhos e utensílios mecânicos ou mesmo quando recorre à realização de exames biológicos ou equiparados (por ex. exames de sangue ou de ADN) no âmbito dos quais se verifique existir um grau elevado de certeza quanto aos resultados76. Nessas situações, pode afirmar-se que o grau de fiabilidade dos meios co-envolvidos permite postergar a perspetiva tradicional da prestação médica como uma obrigação de meios, trocando-a por obrigação de resultado77.

73

PEREIRA, André G. Dias, O consentimento informado na relação médico-paciente, 2004, p. 374.

74

PEREIRA, A., Ibidem.

75

RAPOSO, Vera Lúcia, As wrong actions no início da vida (wrongful conception, wrongful birth e wrongful life) e a

responsabilidade médica, in Revista Portuguesa do Dano Corporal, Ano XIX, n.º 21, p. 85. 76

A este respeito pode ler-se no sumário do Ac. STJ, de 4.3.08 (Proc. 08A183):” Face ao avançado grau de especialização técnica dos exames laboratoriais, estando em causa a realização de um exame, de uma análise, a obrigação assumida pelo analista, é uma obrigação de resultado, isto porque a margem de incerteza é praticamente nenhuma” (em www.dgsi.pt).

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Tipicamente, apresenta-se como obrigação fragmentária de resultado (terminologia de POMBO, Llamas, apud PEDRO, Rute Teixeira, A Responsabilidade civil do médico, 2008, p. 99) o caso da cirurgia estética ou desprovida de finalidade terapêutica em que a prestação do médico reside em proporcionar a melhoria do aspecto físico ou estético, sendo a sua obrigação inequivocamente de resultado, de modo que, em caso de erro, caberá ao médico demonstrar que a desconformidade não lhe é imputável. Assimilam-se a estes os casos em que o médico se vincula especificamente a um resultado, como a vasectomia, laqueação de trompas, a remoção de quisto sebáceo, colocação de prótese dentária, análises sanguíneas para determinação do factor rhésus, de ureia, de colesterol, de glicemia; exames pelo médico- anátomo-patologista. Neste tipo de intervenção verifica-se uma inversão do ónus da prova, que fica a cargo do lesante, de modo que o médico tem de demonstrar não ter o resultado danoso ocorrido por mau desempenho. Pondera-se, todavia, nestes casos, um elemento suplementar, a prova do consentimento informado do paciente, cabendo ao médico demonstrar ter informado o paciente de todos os riscos associados. Assim, no Ac. STJ, de 17.12.09 (Proc. 544/09, em ww.dgsi.pt) considerou-se que, em cirurgia estética, “se esta não pode ser uma obrigação de resultado, com o médico a comprometer- se em absoluto com a melhoria estética desejada (e acordada entre ambos), é seguramente uma obrigação de quase resultado porque é obrigação em que só resultado vale a pena. (…) Portanto, aqui, em intervenções médico-cirúrgicas deste tipo, em cirurgia estética, a ausência de resultado ou um resultado inteiramente desajustado são a evidência de um incumprimento ou de um cumprimento defeituoso da prestação por parte do médico”. O Tribunal explicitou a referência a

quase resultado, ponderando as circunstâncias de álea inerentes à intervenção médica desde logo as associadas à

imprevisibilidade das reacções do organismo humano (por exemplo a cicatrização cujo tempo varia de pessoa para pessoa). O paciente que se sujeita a intervenções desta natureza tem de ter consciência dos riscos envolvidos.

Nas ações de wrongful birth e wrongful life é a perícia médica e não a álea que surge em evidência, porquanto certas atuações, neste campo, se caracterizam por serem mecânicas, recorrendo-se a material instrumental de precisão que confere grande certeza e fiabilidade ao resultado final.

Todavia, como assinala A. M. MORILLO, neste campo não pode aceitar-se sem mais a qualificação da obrigação assumida pelo profissional como de resultado, tudo dependendo da prova que em concreto foi efetuada, tendo em conta o avanço da medicina78.

A autora ressalta que:

“ (…) cuando se trata de las pruebas específicas de diagnóstico pré-concetivo o prenatal (amniocentesis, ecografia…), la doctrina muestra unas mayores resistencias a la calificación como obligación de resultado, resistencia que se muestra, incluso, respecto de las que resultan más certeras - como es el caso de la amniocentesis -, poniendo em duda la possibilidad de alcanzar un resultado correcto. Se niega, pues, la assunción de un resultado, con independencia de su grado de fiabilidad real o de la possibilidad de garantizar un resultado correcto, quizá por el miedo ya señalado a una «medicina defensiva» [...], tal resistencia no es adecuada [...], en tanto que sea previsible la garantía de un resultado fiable”79

.

O dever de informação não impõe o recurso exaustivo a todo o tipo de meios de diagnóstico, devendo chamar-se aqui à colação critérios de razoabilidade e de exigibilidade. Todavia, verificando o médico que existem aparelhos e métodos capazes de identificar certa malformação e que a probabilidade da mesma é elevada, ainda que tais meios apenas estejam disponíveis em centros muito avançados, deve disso informar os pais, sob pena de responsabilidade no âmbito de uma wrong action80.