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Dever de comparecer em juízo e submeter-se a interrogatório ou depoimento

4. DIVISÃO DE TRABALHO ENTRE JUIZ E PARTES NA ATIVIDADE

5.2. Quanto às partes

5.2.2. Dever de comparecer em juízo e submeter-se a interrogatório ou depoimento

De acordo com o artigo 340, CPC, no tocante especificamente à instrução processual, compete às partes: comparecer em juízo, respondendo ao que lhe for interrogado (inc. I), submeter-se à inspeção judicial que for julgada necessária (inc. II) e praticar o ato que lhe for determinado (inc. III).

Esses deveres, como decorre da própria dicção legal, se acrescem àqueles previstos no artigo 14, CPC, dentre os quais o de expor os fatos conforme a verdade e não produzir prova inútil ou desnecessária à defesa do direito.

No que se refere ao comparecimento da parte em juízo (art. 340, inc. I), o CPC prevê duas hipóteses distintas, denominadas de interrogatório simples337, livre338 ou interrogatório da parte339 (art. 342, CPC) e depoimento pessoal (art. 343, CPC)340.

O interrogatório é determinado de ofício pelo juiz em qualquer tempo e fase processual, independentemente de requerimento da parte adversa e tem por objetivo obter esclarecimento sobre os fatos controvertidos, de sorte a propiciar um resultado justo ao litígio. O depoimento pessoal, por seu turno, deve ser requerido pela parte contrária no momento oportuno para requerimento das provas, ocorre, em regra, na audiência de instrução, e tem por finalidade precípua obter a confissão, espontânea ou provocada, da parte (daí o especial interesse da parte em seu requerimento).

Como observam Marinoni e Arenhart341, a imposição do art. 340, I, CPC, não se refere apenas ao oferecimento, pela parte, de resposta às perguntas que lhe forem dirigidas, mas também ao dever de comparecimento em juízo quando assim determinado. Nesse sentido, ainda que, em algumas hipóteses, a parte seja escusada de depor relativamente a certos fatos (art. 347, CPC), o que será tratado a seguir, tem o dever de comparecer em audiência para justificar a recusa e, se o caso, responder a outros fatos que lhe forem inquiridos.

Além disso, a parte, uma vez convocada a depor, tem o dever de veracidade quanto às respostas apresentadas, o que decorre da própria dicção do artigo 14, I, CPC, sendo equivocada a visão arraigada na praxe forense no que sentido de que esse dever se restringiria às testemunhas.

Tanto isso é verdade que mesmo a dispensa do dever de depor (art. 347, CPC), quando aplicável, não se confunde com o direito de mentir em juízo. A proteção que se dá quando presente uma regra de exclusão, em atenção a alguns interesses reputados mais relevantes (como a intimidade, o sigilo profissional, a proteção contra a auto-imputação criminosa, etc.), não exime o litigante de agir em juízo com lealdade, boa-fé e colaboração

337Cf. TABOSA, Fabio Guidi. In: MARCATO, Antonio Carlos (Coord.). Código de Processo Civil interpretado. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 1090.

338MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil comentado. cit., p. 346. 339NERY JÚNIOR, Nelson, ANDRADE NERY, Rosa Maria. Código de Processo civil Comentado e

Legislação processual civil extravagante, cit., p. 731.

340Há quem entenda tratarem-se, ambos, da mesma figura denominada depoimento pessoal. Cf. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1977. t. 4, p. 303-306.

com o Poder Judiciário e “não gera um direito de conturbar a tarefa judicial da

investigação dos fatos”342.

Como já dito e repisado, se por um lado não se exige que a parte produza, espontaneamente, provas contra si, de outro, o ordenamento jurídico brasileiro também não lhe autoriza a empregar narrativa falsa dos fatos, afirmar em juízo, conscientemente, coisas contrárias à verdade, sonegar informações de tal forma que a versão dos fatos se torne inverídica, forjar provas ou suprimir outras que estejam ao seu alcance e cuja apresentação lhe seja determinada, etc.343.

Por essa razão, em caso de recusa injustificada de depor ou emprego de evasivas, além da consequência processual consistente na aplicação da pena de confissão (art. 343 e 345, CPC), entende parcela da doutrina que a parte também pode ser tida como infratora dos deveres de lealdade e boa-fé previstos no art. 14, II, CPC, ensejando a aplicação da pena de litigância de má-fé, ou até mesmo da multa prevista no artigo 14, parágrafo único, CPC, dado o desatendimento à ordem judicial344.

Tais consequências, por sua vez, revelam-se como verdadeira sanção à conduta da parte (de natureza processual). Daí porque, dentre diversas outras razões, parte da doutrina considera o comparecimento em juízo e resposta à inquirição como verdadeiro dever

processual da parte e não mero ônus. Nesse sentido, interessantíssimas são as considerações de Fabio Tabosa:

“O depoimento pessoal, como também o interrogatório simples, é um

dever processual da parte, não mero ônus, dever que abrange não só o comparecimento em juízo como também a manifestação sobre o que for indagado na ocasião. A tal conclusão se chega, em primeiro lugar, pela inequívoca redação dos arts. 339 e 340, quando tratam dos deveres de colaboração da parte para com o Judiciário com relação à descoberta da verdade; alie-se a isso a ideia de imposição presente nos arts. 342 e 343 e finalmente a não menos sintomática alusão do art. 347 aos fatos em relação aos quais não é obrigada a depor.

Há que se ter em mente, ainda, que o ônus processual, como exposto nos comentários ao art. 333, embora traduzindo a ideia de encargo, refere-se a uma conduta que a parte deve observar em seu próprio interesse, seja para a criação de uma situação de vantajosa, seja para evitar uma posição de desvantagem no processo. Não é o que ocorre no caso do depoimento

342MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Prova, cit., p. 155.

343Cf. TABOSA, Fabio Guidi. In: MARCATO, Antonio Carlos (Coord.). Código de Processo Civil interpretado, cit., p. 1084.

344Nesse sentido: TABOSA, Fabio Guidi. In: MARCATO, Antonio Carlos (Coord.). Código de Processo Civil interpretado, cit., p. 1093-1094.

pessoal, em que o interesse envolvido na prova não é em absoluto o da parte que depõe, mas de seu adversário.”345

Acrescenta o autor, ainda, outro relevante argumento no sentido de que, nas hipóteses de ônus previstas no ordenamento jurídico, a privação da vantagem ou a desvantagem sofrida pelo sujeito onerado constituem efeitos imediatos e naturais do respectivo desatendimento, tal como ocorre na hipótese de ausência de defesa, que faz com que permaneçam incontroversos os fatos alegados pelo autor e, por isso, dispensados de prova346. Diversamente, no entanto, na recusa injustificada de prestar depoimento pessoal, a imposição da confissão nada tem de decorrência lógica natural da falta de depoimento, acarretando uma inversão na situação fática, já que de controvertidos os fatos passam a incontroversos. Nesse caso, portanto, a pena de confissão se apresenta como verdadeira sanção, pois traz um efeito extraordinário, criando uma ficção que subverte a condição anterior.

A submissão à inspeção judicial (art. 340, II, CPC), por sua vez, visa a viabilizar esse meio de prova quando determinado pelo juiz de ofício ou a requerimento da parte.

A inspeção judicial constitui meio de prova disciplinado nos artigos 440 a 443, CPC, que tem por objetivo possibilitar o contato direto do magistrado com pessoas ou coisas, a fim de se esclarecer sobre fato de interesse da causa. A inspeção juidicial deve envolver aspectos simples, que não demandem nem manifestação verbal da parte ou de terceiro (o que deve ser objeto de prova oral – depoimento pessoal das partes e oitiva de testemunhas), nem exame técnico aprofundado (o que demanda a produção de prova pericial).

A inspeção, por expressa disposição legal, pode ser determinada em qualquer fase do processo, em audiência de justificação prévia, antes ou depois de qualquer prova e até mesmo após o fim da audiência de instrução. Pode ser determinada, inclusive, em grau

345TABOSA, Fabio Guidi. In: MARCATO, Antonio Carlos (Coord.). Código de Processo Civil interpretado, cit., p. 1093-1094. Na mesma linha de entendimento: SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. cit., v. 2, p. 439-440. Em sentido contrário, entendendo o depoimento pessoal como verdadeiro ônus processual, mas tratando a pena de confissão como autêntica sanção: DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. cit., v. 3, p. 646-648 e THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, cit, v. 1, p. 379-380.

346O exemplo utilizado pelo autor nos parece de fato correto e adequado já que, em regra, é a observância, pelo réu, do ônus da impugnação especificada dos fatos que os torna controvertidos. Assim, se não são impugnados pelo réu, a narrativa empreendida pelo autor é tida como verdadeira.

recursal, quando convertido o julgamento em diligência para a verificação de determinado fato.

A decisão que determina a inspeção judicial, tal como toda e qualquer outra decisão tomada no processo, deve ser devidamente fundamentada. Além disso, é garantido à parte assistir à inspeção, prestando esclarecimentos e observações reputadas necessárias, de forma a influenciar na formação da prova347.

No que se refere à inspeção sobre pessoas, a fim de prevenir que eventual recusa injustificada viesse a frustrar esse meio de prova, cujo resultado é de interesse da parte interessada em sua produção e também da própria jurisdição, o CPC erigiu a dever

processual a sujeição pessoal da parte a essa inspeção.

As dificuldades com relação ao tema se colocam no tocante ao eventual conflito entre o dever de colaboração e o direito à intimidade, daí a necessidade de verificar, cauisticamente, a legitimidade de eventual recusa da parte. Para além disso, diante da garantia constitucional da liberdade e da também da intimidade, não se pode conduzir coercitivamente a parte a juízo para se submeter à inspeção corporal e nem constrangê-la à realização de exames que importem violação de sua esfera corporal348.

Assim, a eventual recusa injustificada da parte caracteriza violação ao dever de colaboração, autorizando, conforme o caso, a imposição de pena por litigância de má-fé (art. 17, IV ou V, CPC) ou até mesmo da multa prevista no artigo 14, parágrafo único, CPC, dado o desatendimento à ordem judicial. Poderá, ainda, haver consequências no campo probatório, entendendo a doutrina ora que o juiz deverá sopesar essa conduta no contexto dos autos, podendo dela retirar argumento de prova (indício) quanto ao fato a ser

347NERY JÚNIOR, Nelson, ANDRADE NERY, Rosa Maria. Código de Processo civil Comentado e Legislação processual civil extravagante, cit., p. 731.

348Nesse sentido: “Ninguém pode ser coagido ao exame ou inspeção corporal para prova no cível” (STF- Pleno, HC 71.373, Min. Marco Aurélio, j. 10.11.94, DJU 22.11.96. Também com relação ao tema Fabio Tabosa assim se posiciona: “supondo que a parte, mesmo sem justa causa, se recuse a se apresentar para a inspeção, ou a exibir determinadas partes do corpo, simplesmente não terá o juiz como obriga-la a tanto. Em relação às partes, antes de mais nada, não há disposição semelhante ao art. 412, CPC, que permite a condução coercitiva de testemunha, nem tampouco se afigura razoável conferir ao juiz o poder de determinar atos de força contra a própria pessoa, de modo a viabilizar o exame direto, prevalecendo nesse aspecto preceitos de ordem constitucional (CF, art. 5º, X)”. (TABOSA, Fabio Guidi. In: MARCATO, Antonio Carlos (Coord.). Código de Processo Civil interpretado, cit., p. 1085).

esclarecido349, ora, de forma mais enérgica, que essa recusa acarreta, por si só, presunção acerca dos fatos que se pretendia provar350.

Por derradeiro, o dever de praticar ato que lhe determinado (art. 340, III, CPC) corresponde a uma fórmula genérica adotada pelo legislador para se referir a todo e qualquer ato de interesse probatório que possa, de ofício ou a requerimento da parte, ser imputado às partes no curso do processo. Exemplos clássicos são a determinação de exibição de documento ou coisa que se ache em seu poder (art. 355, CPC)351 e a realização de exames médicos para fins periciais, tal como exames sanguíneos em ações de investigação de paternidade.

Em nosso ver, esse dever constitui natural desdobramento do dever geral de cumprimento das decisões judiciais previsto no artigo 14, V, CPC, já tratado em diversas passagens de nosso estudo.

E, as consequências da inobservância desse dever também vão desde consequências processuais, como é o caso da presunção de veracidade dos fatos que se pretendia provar com o documento cuja exibição foi injustamente desatendida (art. 359, CPC), como também pode ensejar a aplicação de pena por litigância de má-fé ou por descumprimento da ordem judicial e até mesmo a adoção de medidas coercitivas ou sub-rogatórias, a depender das circunstâncias de cada caso prático analisado, como será abordado no Capítulo 6 infra.

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