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Sanções pecuniárias, medidas de sub-rogação e medidas coercitivas

6. CONSEQUÊNCIAS DA INOBSERVÂNCIA DO DEVER DE COLABORAÇÃO

6.2. Sanções pecuniárias, medidas de sub-rogação e medidas coercitivas

Como se viu no item anterior, a inobservância do dever de colaboração imposto às partes no processo civil brasileiro enseja, geralmente, a presunção de veracidade dos fatos que se pretende provar.

Essa presunção, todavia, se por um lado não é aplicável em todas as hipóteses de descumprimento do dever de colaboração, por outro, não esgota as consequências às partes de sua inobservância.

Com efeito, como já acenado no Capítulo 2, item 2.3.3, versando o litígio sobre direitos indisponíveis, o ordenamento processual, em virtude da relevância dos interesses em conflito, não admite a presunção de veracidade dos fatos diante, por exemplo, da ausência de contestação, da recusa injustificada de prestar depoimento pessoal, da recusa de exibir documentos, etc.

A falta de colaboração nessas hipóteses, pois, não é superável mediante o recurso à eficaz técnica da confissão ficta, ligada ao conceito de ônus, e que auxilia o juiz na prolação da decisão quando o acervo probatório não se mostra suficiente para a formação de seu convencimento. Em casos tais, parcela da doutrina defende a possibilidade de emprego de aplicação de medidas coercitivas ou mesmo de sub-rogação, como forma de

393“em se tratando de presunção simples, é indispensável que o juiz revele, na fundamentação do pronunciamento decisório, o raciocínio que o levou a extrair consequências probatórias do comportamento das partes. Sem isso, com efeito, não será possível o controle da operação lógica efetuada.” RIGHI, Ivan. Eficácia probatória do comportamento das partes, cit., p. 9.

suprir a ausência de colaboração da parte e ensejar ao julgador a possibilidade de esclarecimento dos fatos controvertidos394.

Nesse mesmo sentido é o pensamento de Yarshell. Veja-se:

“Uma outra hipótese na qual a imposição do ônus poderia autorizar, sempre em matéria de prova, a concomitante vigência de um dever poderia ser identificada, agora mais consistência, nos casos de direitos indisponíveis, para os quais já se acenou. Nestes, diante da inércia da parte – de sua falta de cooperação ou de colaboração -, não se pode extrair efeitos desfavoráveis consistentes no reconhecimento de fatos alegados por seu adversário. Isso pode levar, inclusive, à adoção de medidas coercitivas – notadamente à imposição de multa diária – ou até mesmo de sub-rogação- como no caso da busca e apreensão de coisas e documentos que a parte se recuse a exibir.” 395

Outro exemplo colhido na doutrina, citado por Marinoni e Arenhart396, no qual também não tem aplicação a presunção de veracidade decorrente da ausência de colaboração, diz respeito a um determinado litígio em que se verifica a necessidade de exibição de um importante documento para a apuração do valor de determinada coisa.

Nessa hipótese, independentente de versar o litígio sobre interesses disponíveis, sendo imprescindível a informação contida no referido documento (ex: contrato particular), sem a qual não será possível atingir o valor buscado, de nada serve a presunção decorrente do art. 359, CPC, transformando-se tanto as medidas coercitivas como a ordem de busca e apreensão do documento como alternativas cabíveis a fim de se atingir o resultado perseguido pela atividade probatória.

O mesmo se aplica, em nosso entender, no caso de a presunção de veracidade, gerada pela ausência de colaboração na produção de determinada prova, levar a um resultado absurdo ou manifestamente inverossímil, caso em que o juiz poderá se valer das denominadas “medidas de apoio” do art. 461, CPC, para incentivar a parte a cumprir o comando judicial e, com isso, tornar possível a realização da prova inicialmente frustrada pela ausência de colaboração.

394Nesse sentido: MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Prova, cit., p. 513 e FERREIRA, William dos Santos. Princípios fundamentais da prova cível, cit., p. 246.

395YARSHELL, Flávio Luiz. Antecipação da prova sem o requisito da urgência e direito autônomo à prova. cit., p. 178. Observe-se que esse pensamento é manifestado pelo professor não obstante, em sua obra, levante dúvida quanto à existência de autênticos deveres de lealdade, cooperação e colaboração em matéria de direitos indisponíveis.

Ferreira397, ao defender a “máxima eficiência dos meios probatórios” como princípio fundamental da prova cível, que conduz a uma interpretação teleológica dos dispositivos referentes à produção de provas, aspecto também tratado, de forma semelhante, por Cambi398, defende a flexibilização das condutas na fase instrutória em prol da efetividade dos meios de prova.

E, nessa linha de entendimento, também entende plenamente aplicável a multa coercitiva (astreinte) na instrução probatória, a fim de estimular o cumprimento da ordem judicial, de natureza mandamental, que envolve um fazer ou a entrega de coisa (como a apresentação de determinado documento). Essa multa, por sua vez, pode ser substituída por outra medida executiva, ou mesmo cumulada com outra, indireta ou sub-rogatória (como é o caso da busca e apreensão), aplicando-se, no que cabível, o regime jurídico das tutelas específicas399.

Marinoni e Arenhart também se manifestam pela possibilidade de aplicação de qualquer das técnicas de sub-rogação ou de coerção previstas em lei para a hipótese de descumprimento de ordem mandamental400.

E ainda, em apoio à tese por eles defendida, citam a lição do direito comparado, em especial do artigo 519 do CPC português, que, além de estabelecer o dever de colaboração para a descoberta da verdade a todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, prevê a possibilidade de condenação em multa daquelas que se recusem a colaborar e a aplicação dos meios coercitivos possíveis (sem prejuízo da possibilidade de inversão do ônus da prova e da livre apreciação de sua recusa para efeitos probatórios).

Mas essas medidas – de sub-rogação e coercitivas – não esgotam as consequências às partes da violação do dever de colaboração na instrução processual, podendo ser aplicadas também sanções pecuniárias.

397FERREIRA, William dos Santos. Princípios fundamentais da prova cível, cit., p. 141. 398CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. cit.

399“Na fase instrutória surgem inúmeras ordens determinando a realização de um ato (fazer) ou a abstenção (não fazer) ou, ainda, a entrega de algo, são decisões de natureza mandamental e o seu descumprimento é ato ilícito, nada havendo que impeça o emprego da multa de natureza coercitiva prevista no artigo 461, §§ 4 e 5º e art. 461-A, § 3º, que poderá ser fixada em montante e tempo compatíveis com a atitude que se pretende estimular.” FERREIRA, William dos Santos. Princípios fundamentais da prova cível, cit., p. 154. Também nesse sentido: MEDINA, José Miguel Garcia. Execução civil: princípios fundamentais. Sao Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002. p. 441.

400Nesse sentido: “Note-se, aliás, que, a fim de viabilizar a colaboração da parte com o processo, será viável a utilização de qualquer técnica de sub-rogação – como a busca e apreensão – ou de coerção – a exemplo da multa pecuniária diária, nos moldes previstos pelo art. 461 -, tendente a obter o resultado desejado (a prova) com a colaboração da parte ou independentemente dela.” MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Prova, cit., p. 157.

Como já se tratou no Capítulo 3 supra, a violação do dever de colaboração pode caracterizar, em muitos casos, litigância de má-fé da parte, a ensejar a aplicação da multa de até 1% (um por cento) sobre o valor da causa, além da condenação nos prejuízos sofridos pela parte contrária e honorários advocatícios401.

Marinoni, inclusive, defendendo a possibilidade de aplicação cumulada da pena de litigância de má-fé com a presunção de veracidade decorrente da ausência de colaboração, assim se manifesta:

“Conquanto a sanção da presunção seja o caminho normal em tais casos, vê-se de pronto que ela não é a única cabível. Como está claro nos arts. 17 e 18 do CPC. o litigante de má-fé pode ser condenado a pagar multa não excedente a um por cento sobre o valor da causa e indenizar a parte contrária dos prejuízos sofridos, além de honorários advocatícios e de todas as despesas que efetuou.

É importante advertir que essa sanção pode ser imposta cumulativamente ou alternativamente à presunção antes indicada. Em regra, ao lado da incidência da presunção de veracidade, cumprirá ao juiz aplicar a multa como modo de combater a litigância de má-fé.” 402

Ademais, como também já anteriormente tratado, o comportamento não somente omisso da parte, mas desrespeitoso à ordem judicial, pode ensejar a imposição da multa por descumprimento do provimento mandamental, prevista no artigo 14, CPC. Isso porque, ainda que essas decisões sejam relacionadas à atividade probatória, sua inobservância é igualmente tida como ofensa à dignidade da jurisdição.

Trata-se, aqui, da contempt of court autorizadora da fixação de multa de caráter punitivo, fixada de acordo com a gravidade da conduta em montante de até 20% do valor da causa, que, se não paga no prazo estabelecido, contado do trânsito em julgado, pode ser inscrita na dívida ativa, conforme a esfera administrativa a que estiver atrelado o Poder Judiciário de que emanou a ordem descumprida. Nas palavras de Ferreira:

“Não se pode admitir que decisões corretas e proporcionais à medida instrutória que se objetiva sejam descumpridas e este ‘estado de coisas’ nefasto ao Estado Democrático de Direito perdure sem medidas severas.O descumprimento é muito mais do que uma quimera instrutória,

401Defendendo a possibilidade de aplicação cumulada da pena de litigância de má-fé com a presunção de veracidade decorrente da ausência de colaboração, v. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Prova, cit., p. 156. Em sentido contrário, pela impossibilidade de emprego de medidas repressivas ao abuso do processo, sob o argumento de que a não observância da norma processual deve se resolver, de ordinário, pelo fenômeno da preclusão, v. RAMÓN MENDEZ, Francisco. Abuso de derecho en el processo? In: BARBOSA MOREIRA, José Carlos (Coord.). Abuso dos direitos processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 5.

do que um obstáculo ao efetivo esclarecimento dos fatos relacionados a uma demanda específica: é um ato de violência à figura do Estado organizado, de um sistema que impeça a autotutela, mas que deve apresentar meios eficientes para entregar a quem detém um direito, precisamente o bem da vida que é seu, o que se passa, em uma constelação de casos, pela solução de questões fáticas”403.

Em nosso entender, uma vez caracterizada a litigância de má-fé ou o descumprimento da ordem mandamental, o ordenamento jurídico autoriza a imposição de sanção pecuniária prevista nos arts. 14 e 17, CPC, porquanto caracterizada a violação de um dever processual, sem prejuízo da incidência de eventual consequência processual prejudicial ao litigante, como a presunção de veracidade do fato que se pretendia provar.

6.3. Responsabilização civil, administrativa e a função social do juiz no processo civil

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